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Na Tailândia, o consumo de carne canina poderá ser proibido

21 de novembro de 2014
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Foto: Divulgação

A comunidade consumidora de carne canina de Baan Klang, na Tailândia, uma pequena minoria de agricultores e boias-frias, há tempos sabe que seus hábitos culinários revoltam muita gente em outras regiões do país, principalmente as classes média e alta, que amam seus cachorros. Hoje, porém, já se sente ameaçada.

O governo militar, que tomou o poder de um governo eleito, em maio, está elaborando uma lei para proibir o comércio da carne – decisão que, segundo os defensores dos direitos animais, seria uma forma de melhorar sua imagem perante o mundo.

A polícia nacional, pressionada por alguns desses mesmos ativistas, começou a repressão há dois anos, prendendo os envolvidos no negócio que não têm licença para matar nem transportar dos animais. Além disso, montou operações-surpresa nas florestas onde os cães são mortos e prenderam o que descrevem como “chefões do setor”, que exportam caminhões lotados de animais para o Vietnã e a China, onde o consumo da carne canina é comum.

Entre os 70 milhões de habitantes da Tailândia, o número de amantes de cachorros é muito maior que o de consumidores de sua carne – e os moradores desse vilarejo pitoresco dizem estar de ambos os lados.

— A gente come só cachorro bravo, aqueles que mordem as pessoas e matam as galinhas, afirma Praprut Thanthongdee, produtor de arroz de 45 anos que come carne canina desde garoto.

Enquanto falava com o repórter, acariciava seu animal, Money, um cão sem raça definida, branco e preto que serve de cão de guarda, companhia nos arrozais, caçador de cobras venenosas e assistente de pastor dos búfalos.

O consumo de carne canina não é, em absoluto, uma tradição popular na culinária tailandesa, se resumindo a bolsões isolados, principalmente na região nordeste. A prática existe há décadas, principalmente entre as comunidades vietnamitas, mas só há alguns anos ganhou destaque na imprensa nacional.

Carne de cachorro sendo preparada para consumo Foto: Aaron Joel Santos / The New York Times
Carne de cachorro sendo preparada para consumo
Foto: Aaron Joel Santos / The New York Times

A mulher de Praprut, Jantima Thathongdee, foi presa em julho e condenada a dois anos, com direito a sursis, por criar uma pequena feira de comércio de carne de cachorro. E também foi multada em US$150, quantia enorme para uma família que possui apenas três búfalos e alguns hectares de arrozais – e ficou indignada com o que considera uma repressão às tradições.

— A carne de cachorro é uma delícia, é que nem a de porco, mas sem a gordura. Não dizem que esse país oferece liberdade? Pois eu deveria ser livre para comer o que quisesse, reclama Praprut.

O policial que prendeu Jantima diz que encara seu trabalho como uma cruzada pessoal em respeito e compaixão ao animal.

— Quanto mais gente prendemos, mais cães resgatamos. Não suporto vê-los sendo mortos para virarem comida, confessa o tenente Lamai Sakonpitak, apaixonado por cachorros que mantém quatro em casa.

Seu parceiro também é amante dos peludos, mas sabe que as autoridades não podem acabar com o comércio da noite para o dia.

— Não dá para cortar a árvore toda; é preciso ir tirando um galho por vez, filosofa o tenente Chaleaw Chaihung.

A meia hora de carro de Baan Klang, no vilarejo de Tha Rae, camelôs vendem carne defumada de cachorro abertamente no acostamento da estrada. Lamai explica que o comércio de carne canina, concentrado na província de Sakon Nakhon, existe há décadas, mas assumiu proporções comerciais apenas nos últimos vinte anos.

Os dois policiais já pararam caminhões que levavam mais de mil animais para o Laos e o Vietnã. Lá, além da carne, a pele – mais fina e delicada que o couro do boi – é tratada para ser usada em baterias e luvas. O trabalho da polícia conta com o apoio de grupos civis que querem ver o consumo da carne canina erradicado e cuja participação na coibição ao comércio tem sido essencial.

Bhurita Wattanasak, agricultora que vive na periferia de Chiang Mai, dirige o que chama de “divisão de repressão” da Watchdog Thailand, que encoraja denúncias do público, anônimas ou não, repassadas para a polícia.

— “Levou uns dois ou três anos para as autoridades perceberem que o assunto era muito sério”, ela conta.

Bhurita diz que resolveu se envolver com o trabalho da organização depois de ter visto as imagens dos cães sendo transportados nos caminhões.

— Vi muita gente como eu chorando por se sentir impotente, sem ter meios de fazer nada, afirma.

Recentemente, membros da Watchdog Thailand se reuniram com militares integrantes da junta para pedir a aprovação de uma lei pelos direitos animais, baseada na legislação criada pelo governo anterior, que define como crime a morte de cães para consumo.

— Eles pediram para fazermos as mudanças, incluirmos o que fosse necessário e reenviarmos para análise, explica Bhurita.

Os estrangeiros têm uma participação importante na campanha de erradicação do comércio: celebridades britânicas como Ricky Gervais e Judi Dench aparecem em um vídeo, postado na Internet em outubro, condenando a prática. Em grande parte, a Watchdog e a organização a que pertence, a Soi Dog – “soi” significa “viela” em tailandês – funcionam graças a doações feitas nos EUA e Europa.

Um dos principais objetivos do grupo ativista, fundado por holandeses e ingleses que moram na Tailândia, é castrar as legiões de cachorros de rua do país. John Dalley, um dos fundadores, conta que um argumento que sempre ouve é o de que o consumo da carne canina deveria ser incentivado porque, além de ser tradição em certas culturas asiáticas, poderia diminuir o número da população de cães sem raça definida.

— Não tem nada a ver com diferenças culturais. É uma atividade horrenda e cruel do início ao fim. Os animais ficam confinados em gaiolas e não é raro que, ainda vivos, sejam jogados nos panelões de água fervente.

A polícia de Sakon Nakhon admite que geralmente os cães são tratados de forma cruel. Já os matadores dizem que eles são mortos da maneira mais humana possível, da mesma forma que outros animais cuja carne é consumida amplamente. Um deles permitiu que um fotógrafo visitante testemunhasse o abate de um dos cães, que recebeu um golpe na cabeça e, logo em seguida, foi desmembrado.

A morte pareceu ter ocorrido em questão de segundos. O homem, que se recusou a dar o nome por considerar o momento atual muito “perigoso”, afirma que só mata cães problemáticos ou indesejados. Essa também é uma desculpa comum entre os consumidores da carne canina – a de que muitos animais são abandonados nos templos budistas, engrossando o problema dos animais sem tutor na Tailândia.

— O cachorro é o melhor amigo do homem, claro, mas alguns deles merecem ser mortos, afirma o sogro de Praprut, Kawai Thanthongdee, de 66 anos, que come carne de cachorro desde que era pequeno.

Fonte: Zero Hora

 

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