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Pantanal: animais que sobrevivem ao fogo ficam sem alimento em habitat devastado

15 de setembro de 2020
9 min. de leitura
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Onça é vista em área destruída pelo fogo nas proximidades de Poconé (Foto: Andre Penner/AP)

A destruição ambiental e as mortes causadas pelo fogo que está devastando o Pantanal não são os únicos problemas das queimadas, que também condenam os animais que sobrevivem a um habitat destruído. Assustados e famintos, eles buscam água e alimento e se deparam com a escassez.

Para tentar amenizar o sofrimento dos animais sobreviventes, equipes montam e abastecem pontos de alimentação e água. A médica veterinária Carla Sássi integra um desses grupos voluntários.

Através das redes sociais, a profissional descreveu o difícil trabalho de amparo às vidas que sofrem com as chamas que já consumiram mais de 2,3 milhões de hectares, área equivalente a quase 10 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro juntas.

“Iniciamos mais uma semana de trabalho no Pantanal. Além de resgates, também estamos montando e abastecendo pontos de alimentação e água. Os animais que sobrevivem ao fogo não tem o que comer e beber”, afirmou a veterinária.

Segundo ela, a logística é bastante complicada por conta das longas distâncias a serem percorridas e pela ausência de internet na maior parte do tempo. “O trabalho começa cedo, mas não tem hora pra parar. São 145 km para serem cobertos. Estamos alinhados com o comando geral e SEMA. O que é possível nesse momento estamos fazendo, o impossível estamos articulando”, escreveu.

A profissional agradeceu ainda as doações que estão sendo feitas através Sociedade Mineira de Medicina Veterinária. Carla Sássi integra o Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD), que está realizando uma campanha de arrecadação de fundos em prol da fauna do Pantanal – clique aqui para contribuir com valores a partir de R$ 10.

Pantanal vive as maiores queimadas da história (Foto: Amanda Perobelli/Reuters)

A veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Vânia Plaza Nunes, afirmou à ANDA que “uma quantidade absurda de animais já morreu”. Segundo ela, quando não são vitimados pelo incêndio em si, muitos animais morrem por conta das consequências geradas pelo fogo.

“Os animais não têm o que comer e muito deles não morrem de imediato, mas ficam queimados, se desidratam e morrem. Então, além do incêndio em si, têm as consequências que o incêndio deixa: o calor da terra, a secura, a falta de alimento e de uma fonte de água, a baixíssima umidade do ar e a fumaça. Todas essas questões são pontos cruciais para os animais”, explicou.

Em relação à temperatura do solo, que aumenta por conta dos incêndios, e à péssima qualidade do ar, Vânia aponta a dificuldade dos animais para caminhar nesse ambiente hostil e relata a ocorrência de problemas respiratórios a curto e longo prazo. “Eles vão andando, tentando fugir para achar um local onde estejam protegidos e o solo se mantém muito quente, o ar seco, além disso há a fumaça, que vai causar problemas em todo o aparelho respiratório superior desses animais. A gente tem ainda o problema da fuligem, que pode causar outros problemas respiratórios. Só o tempo vai poder dizer para nós o impacto de tudo isso”, disse.

E embora o resgate seja uma notícia positiva para os animais encontrados feridos, há desafios para salvá-los. Vânia lembra que não existem pontos oficiais suficientes para receber esses animais. “Não tem política para estabelecimento de Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) para receber, triar os animais e encaminhá-los ou para cuidar dos animais, recuperá-los e depois devolver para a natureza os que tenham condições e encaminhar os que não têm para locais adequados”, criticou.

Médica veterinária Carla Sássi carrega animal resgatado das queimadas (Foto: Reprodução/Facebook/@carlasassivet)

Para a diretora técnica da entidade, a falta de um plano de contingenciamento diante dos incêndios torna a situação ainda mais caótica, em um nível muito pior do que o registrado nos anos anteriores. Ao rebater o argumento falacioso de que não há nada de diferente acontecendo no Pantanal, já que ele pega fogo todos os anos, Vânia lembrou que “os incêndios são recorrentes há décadas no Pantanal, mas não desse tamanho”.

“Porque o que a gente ouve é que todo ano pega fogo, mas não é como está sendo agora. É importante as pessoas entenderem que a gente está vivendo um momento muito crítico de mudanças ambientais. Aqui em São Paulo, a gente está no inverno e está um calor de mais de 30 graus todos os dias a mais de 15 dias. Então, o que está acontecendo é que, em primeiro lugar, as mudanças climáticas estão aí, e elas facilitaram a não ocorrência de chuvas em toda a região do Pantanal, que ocorrem durante um determinado período para que quando chegue a seca a condição não seja tão grave. Não choveu e iniciaram as queimadas. E o fogo foi colocado propositadamente por diferentes pessoas no Pantanal”, explicou.

A especialista criticou ainda a inércia dos governos. “Não existe serviço por parte do Estado, seja o governo federal ou o estadual. Não existe um plano de contingenciamento para essas situações de incêndio que tenha como foco as áreas vegetadas e os animais. É absurdo o pessoal do ICMBio dizer que  nenhuma atitude foi tomada por eles porque os parques não tinham sido incendiados. Os animais não se restringem ao limite que nós impomos em relação à divisão geográfica do que é um parque ou do que é uma fazenda ou seja lá o que for que eles usem de demarcação. Os animais transitam pelo território, cada um tem seu comportamento, suas necessidades comportamentais, sociais e reprodutivas e precisam de um espaço determinado”, disse.

Equipe de voluntários resgatam animais feridos no Pantanal (Foto: Reprodução/Facebook/@carlasassivet)

Na opinião de Vânia Plaza Nunes, há um descaso com o Pantanal, com exceção das propriedades que usam a região de maneira positiva através do turismo sustentável. “As propriedades estão sendo destruídas, mesmo assim muitos proprietários desses locais com características turísticas e pessoas que moram ali estão abrindo os espaços para receber voluntários para montar locais para resgatar e tratar os animais que precisam de tratamento”, reforçou.

A quantidade de agentes públicos envolvidos no combate às chamas é ínfima. Por outro lado, lembrou Vânia, há um grande número de voluntários que trabalham incansavelmente com os próprios recursos para tentar proteger a fauna e a flora do bioma. Os esforços feitos através do voluntariado, porém, não são suficientes para por fim às queimadas, que necessitam de uma ação mais incisiva do poder público, incluindo o governo federal.

Voluntários prestam socorro à onça vítima das queimadas no Pantanal (Foto: Reprodução/Facebook/@carlasassivet)

“O Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD) foi para o Pantanal assim como outros grupos que já que estavam lá. Outros estão se programando para chegar nos próximos dias, como a Associação Mata Ciliar, que está a caminho. Isso mostra que realmente a situação é muito crítica e as consequências vão ser muito graves para os animais”, disse Vânia.

Além do cenário desolador que já pode ser observado, há outro problema com o qual os animais resgatados terão que lidar futuramente: o retorno à natureza em meio a um habitat degradado. “Como está tudo destruído, quando os animais se recuperarem e chegar a fase de reintroduzi-los na natureza, eles não vão encontrar alimento. O tempo para a recomposição vegetal vai ser bastante grande e isso com certeza vai piorar muito as condições que a gente está observando nesse momento”, lamentou.

 

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