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A utilização de textos veganos nas aulas de matemática

24 de abril de 2015
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Em seu livro A Política Sexual da Carne, Carol J. Adams (2012) fala da importância dos “textos vegetarianos” para combater o “desmembramento” e “retalhamento” causado pelos “textos da carne”, que tornam mulheres e animais não humanos objetos para serem consumidos, tornando-os “referentes ausentes”, ou seja, aquilo que está ali, mas ao mesmo tempo não está, pois foi tirado seu significado original e atribuído outro significado pela cultura sexista e de exploração animal. Detalhes à parte da teoria apresentada neste livro, o que será utilizado é como a autora enxerga como forma de libertação, “re-membramento” e resgate do referente ausente através da referência direta que os “textos vegetarianos” fazem da situação de opressão dos não humanos. Em alusão a este conceito será empregue o de “textos veganos”, pois se acredita que este seja mais amplo pelo veganismo se tratar de um modo de vida que busca abolir toda forma de exploração animal, esteja ela na alimentação, no entretenimento, na ciência, no vestuário, etc.
O que isso tem a ver com educação matemática? Como já respondeu a essa pergunta, mas em outro contexto o educador matemático Ubiratan D’Ambrosio (1993), volta-se a repetir: tudo.
No artigo Ler e Aprender Matemática, as educadoras matemáticas Kátia C. S. Smole e Maria Ignez Diniz (2007) tratam sobre a importância da leitura nas aulas de matemática, não só a leitura de textos em língua materna, mas a leitura também de textos específicos da linguagem matemática. Para elas, é importante o professor que pretende trabalhar textos nas aulas de matemática seja uma pessoa que goste de ler, pois não adianta cobrar leitura dos estudantes se eles mesmos não têm esse hábito.
As autoras sugerem algumas coisas que podem ser aplicadas na leitura de texto, como por exemplo, sempre perguntar se o estudante tem alguma dúvida, do que se trata o problema proposto e incentivar sempre ele a criar um dicionário das palavras desconhecidas para poder consultar posteriormente. Elas fazem uma breve discussão sobre alguns tipos de atividades que podem ser desenvolvidas com os alunos para estimular a leitura e compreensão de texto como, por exemplo, ler um livro didático, usar poemas na aula de matemática, ler gráficos e tabelas, entre outras.
Neste ponto da proposta apresentada por Smole e Diniz podemos inserir os textos veganos nas aulas de matemática, pois muitos utilizam dados matemáticos para mostrar o impacto da exploração animal, sejam para tratar somente da quantidade de animais não humanos mortos vítimas dela, para mostrar o impacto no planeta e mostrar o impacto em nós animais humanos. Os textos veganos podem ser utilizados para formulação de problemas apresentada, ao longo da coletânea Ler, Escrever e Resolver Problemas organizada pelas mesmas autoras, na “perspectiva metodológica de resolução de problemas” que busca formar um individuo por inteiro, como ser pensante e produtor de seu próprio conhecimento. Como exemplo de texto vegano pode-se citar a obra Galactolatria: Mau Deleite da filósofa Sônia T. Felipe, que deu destaque para os males por detrás do consumo de leites e laticínios, que antes pouco se falava, acreditando até que não havia problema algum em consumir estes produtos. Esta obra de Sônia T. Felipe se encaixa muito bem na definição apresentada sobre o papel destes textos de libertação como forma de trazer a referência direta para o que antes estava ausente.
Vale ressaltar que esta perspectiva de resolução de problemas vai na contra mão do que geralmente as pessoas entendem por resolver problemas matemáticos, que é um enunciado já preestabelecido, com todos os dados que serão utilizados e uma resposta única. Na maioria das vezes não lidamos com problemas assim fora da escola, pois nem sempre os problemas tem resposta, nem sempre eles têm uma única resposta e uma única forma de resolver, nem sempre utilizamos todos os dados que aparecem e muitas vezes os problemas que nos deparamos geram outros problemas.
Apesar de Smole e Diniz trabalharem com crianças do primeiro ao quinto ano do fundamental pode-se aplicar suas sugestões para os anos finais do fundamental e ensino médio também, com algumas adaptações, é claro. Os estudantes não devem apenas decorar aquelas técnicas apresentadas, eles precisam saber investigar a situação problema e descobrir o melhor maneira de utilizar tais técnicas e o porquê e para que elas estão sendo utilizadas. Neste sentido entra o caráter político da educação, onde, como já disse Paulo Freire (1987), que não existe neutralidade, pois ela serve a interesses ideológicos da cultura dominante, neste caso a especista, e nós educadores veganos temos o dever moral de fazer oposição política à naturalização da exploração animal na escola, seja ela em qual disciplina for, pois a matemática escolar é regada a este tipo de coisa, basta observar que muitos problemas tradicionais de matemática utilizam exemplos do agronegócio.
 Referências Bibliográficas
ADAMS, Carol J. A política sexual da carne: A relação entre carnivorismo e a dominância masculina. São Paulo: Alaúde Editora, 2012.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: arte ou técnica de explicar e conhecer. São Paulo: Ática, 1993.
FELIPE, Sônia T. Galactolatria: mau deleite. São José, SC: Ed. da autora, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
SMOLE, Kátia C. S; DINIZ, Maria I. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.
______________.  Ler e aprender matemática. In:_______. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 69-86.
 

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