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O retrato de um gaúcho covarde

9 de setembro de 2014
2 min. de leitura
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Foto: S/C
Foto: S/C

Imagine dois homens covardes, cada qual montado sobre um cavalo. Numa arena projetada para encarcerar o mais fraco, eles perseguem um filhotinho, um cachorrinho aterrorizado. O cãozinho, meio descabelado e com olhar confuso, foi forçado a estar ali sob o sol ardente ou chuva incômoda, longe dos cuidados de sua mãe ou cuidador. É rejeitado pelos olhares indiferentes da arquibancada sedenta pela tortura: tem que encarar sozinho um único destino.
Os covardes atingem o objetivo inicial, que é encurralar o pobrezinho assustado que só tentava fugir em desespero. Montados sobre os cavalos, alinhados cada um de um lado, fazem com que os equinos submetidos esmaguem as costelas do cãozinho para que ele se renda e siga o caminho ditado pelos covardes. É a paleteada!
A parte final do espetáculo da patifaria, que é derrubar o castigado em desespero, amarrar suas pernas e extirpar seu saco escrotal a sangue frio com faca afiada, é apenas reservado para os mais achegados nessa cultura dantesca. Mas a parte verdadeiramente final é celebrada nas churrascarias da querência amada, quando os pedaços do corpo do filhote com morte matada, na base da degola cruenta, são comidos salgados aos nacos como se nada mais existisse para comer num mundo que clama por justiça e paz. Esvaiu-se, assim, gota a gota de sangue duma garganta rasgada em agonia, a vida de alguém que como nós sabia sofrer e só queria viver em paz.
Mas o leitor deve estar se perguntando: “mas por qual razão o título sugere que o tal gaúcho seria covarde, já que ele comete a covardia da paleteada só com os filhotinhos das vacas, mas não com os filhotinhos caninos?”
A resposta é que o sofrimento é ruim, independente de quem está a sofrer. É injusto e covarde provocar sofrimento seja num cão, num bezerro ou em mim ou em você, leitor. O exemplo do cão, ao invés do filhote da vaca tão tradicionalmente torturado, serve apenas para revelar o poder que uma tradição tem de nos cegar para torturas que jamais aceitaríamos se as vítimas fossem nós ou aqueles que levamos em consideração com igualdade, como nossos amados cãezinhos que precisam muito do nosso zelo. Mas qual é a diferença quando o que está em jogo é a capacidade de sofrer? O formato externo dum corpo? O bezerrinho sofre menos apenas porque tem um formato de corpo diferente do cão?
Mas existem aqueles que vão esbravejar: “mas isso é parte da nossa cultura e da nossa tradição!” Eu responderia para esses: “mas desde quando a tortura deixou de ser tortura só porque resolvemos chamar a tortura de cultura ou tradição?”

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