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Cultura do extermínio ainda persiste nos EUA

25 de agosto de 2015
8 min. de leitura
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Por: Fátima ChuEcco (Da Redação)

Kala e Keira foto comovente
Kala e Keira, duas cadelas que quase foram mortas. Foto: Divulgação

No 4º Max Encontro Nacional de Ativistas e Protetores de Animais realizado em 23 de agosto, em São Paulo, a palestra do veterinário Alexander Biondo levantou uma polêmica sobre o controle de animais domésticos nos EUA. O veterinário elogiou o sistema americano de recolhimento de animais, que segundo ele é bastante organizado, eficiente e conta com um número alto de voluntários. Ele apresentou dados numéricos de 2010 sobre o controle populacional de cães e gatos nos EUA: 2,7 milhões de adotados e 2,6 milhões de animais mortos nos abrigos. Um empate entre a vida e a morte. Um jogo de azar: metade dos animais capturados vive e outra morre.
Seria essa uma solução compatível com um país tão desenvolvido e que pune com rigidez quem maltrata animais? O FBI, inclusive, a partir do próximo ano, deve julgar quem maltrata ou mata animais como qualquer outro criminoso porque reconhece que se trata de um indivíduo perigoso para animais e pessoas. Mas matar um animal saudável apenas porque ele não tem um lar não seria também um crime? Programas de castração e vacinação em massa, campanhas de adoção em larga escala e sensibilização de adultos e crianças não resolveriam melhor o problema de superpopulação?
Os EUA tem mais de 13 mil abrigos de animais, mas do que adianta tanto investimento se boa parte dos animais entra nesses locais apenas para morrer? E isso não tem fim. Uma leva de animais é exterminada e logo atrás vem outra. Biondo alegou que a população americana é conivente com a atitude do governo, mas algumas reportagens recentes mostram que essa situação está mudando.
Vários abrigos não municipais, mantidos por associações, já adotaram uma postura de não matar os animais recolhidos cuja adoção se mostra difícil. É o caso do abrigo Angels Among Us Pet Rescue, do Estado de Geórgia, que numa recente tentativa desesperada de evitar o sacrifício de duas cadelas, postou na internet uma comovente foto delas se abraçando instantes antes de serem mortas. Veja em Cães que seriam mortos são salvos após foto comovente Deu certo! Imediatamente o post foi compartilhado por 8 mil pessoas nas redes sociais e houve uma adoção conjunta.
Kala e Keira juntas no novo lar. Foto: Divulgação
Kala e Keira juntas no novo lar. Foto: Divulgação

No abrigo de animais do condado de Fairfax, no norte da Virgínia, a postura também tem sido muito bem aceita pelos moradores locais. As campanhas de adoção são inúmeras e muito parecidas com as brasileiras com exposição de fotos dos animais, festas temáticas, feiras de adoção em locais públicos e ações para sensibilizar a população. “Há também esforços para evitar que os animais caiam em profunda tristeza, como playgrounds para cães e atividades em grupo, que ajudam a gastar energia e fazer uma pausa na rotina do abrigo. Isso tem revolucionado o modo dos americanos verem os abrigos e proporcionado muitas adoções. Por outro lado, muitas comunidades do país estão assistindo a quase uma escassez de cães disponíveis para adoção, enquanto abrigos em outras partes ainda estão induzindo à morte cães e gatos saudáveis e tratáveis”, diz a matéria.
Os americanos já estão se mobilizando contra a matança de animais saudáveis das maneiras mais criativas, inclusive, com a ajuda de aplicativos para salvar cães de abrigos. O destaque, porém, é uma campanha que está dando o que falar, não só naquele país, mas no mundo todo. É a “An act of dog” criada pelo artista plástico Mark Barone em Chicago. Em 2011 ele e a mulher resolveram revelar os bastidores dos abrigos americanos onde muitos animais, segundo as provas que eles recolheram, são maltratados e mortos antes do prazo estipulado para adoção, que já é de poucas semanas. “Poucos animais que entram no sistema de abrigos saem vivos de lá. Há uma alta taxa de morte induzida, muitas vezes em terríveis câmaras de gás, apesar de redes de voluntários correrem para encontrar lugar para os cães antes que o curto tempo deles se esgote”, comenta Marina Dervan, esposa de Mark.
Os dois começaram a receber muitas informações de voluntários incluindo o caso de um gato saudável que foi morto assim que adentrou no abrigo só porque não havia compartimento para ser alojado. Reuniram fotos de centenas de animais que foram mortos e Mark começou a pintar seus rostos em telas. Ele retrata a emoção, o olhar que pede a chance de viver e que foi negada. A proposta era chegar a 5.500 pinturas – meta alcançada esse ano e divulgada amplamente na mídia. O número corresponde à quantidade de cães mortos todos os dias nos EUA, segundo o artista. A intenção do casal é fazer com que a população americana tome conhecimento da cruel realidade da maior parte dos abrigos. Em um dos quadros está retratada a cadelinha Oreo que foi jogada do sexto andar de um prédio e sobreviveu para depois ser morta num abrigo apesar dos pedidos de adoção. São inúmeros e revoltantes casos de animais que podiam ter sido adotados e amados. O casal destina 100% das renda da venda dos quadros para grupos de resgate que não matam animais.
Por conta disso tudo, o cenário dos EUA de exterminar animais está tomando outro rumo. Até o rico e potente universo infanto-juvenil procura combater a matança de animais saudáveis. Vários filmes da tradicional Disney já abordaram o tema nem que seja superficialmente. Mas um clássico exemplo e que representa um dos melhores filmes infanto-juvenis sobre o assunto é “Hotel Bom pra Cachorro” – um filme sensível capaz de arrancar lágrimas de qualquer adulto. Nele as crianças de um bairro procuram salvar e acolher todos os animais marcados para morrer num abrigo municipal. Um belo filme onde cada bichinho ator foi valorizado, com seu nome e cenas junto de seus tutores mostrados ao final da história.
Diamond morto em abrigo em 2014
Pintura de Mark Barone. Foto: Divulgação

Assim, Brasil e Estados Unidos podem aprender um com o outro. O Brasil passou a perna em muito país de primeiro mundo ao terminar com o sacrifício de animais saudáveis em diversas cidades. Quem não tremia só de saber das terríveis “carrocinhas” que capturavam com brutalidade animais de rua para levá-los à morte? Por outro lado, o país ainda é muito atrasado no que se refere à punição de quem maltrata e mata animais. No máximo, o infrator paga apenas com uma multa ou serviço comunitário.
Já nos EUA as leis são mais rígidas com quem maltrata animais, tanto, que certos abusos geram prisão imediata. No entanto, o controle de animais dos EUA é ainda arcaico. O método é tratado como “eutanásia”, mas claro que se trata de extermínio uma vez que eutanásia visa interromper um grande sofrimento normalmente ocasionado por alguma doença ou acidente. Um animal saudável, com toda uma vida pela frente, é assassinado, não eutanasiado. Inclusive, se alguém leva um animal saudável ou doente mas com chance de recuperação a uma clínica e pede para eutanasiar só porque não pode ficar com ele, o veterinário não pode de maneira alguma praticar esse ato.
Biondo disse no evento do dia 23 que não é a favor da “eutanásia”, mas que entende a postura dos EUA: “O Brasil é muito religioso e isso dificulta as pessoas entenderem que ficar num abrigo lotado é muito pior para o animal. Aqui as pessoas transferem para os animais seus valores. Não querem que aconteça com eles o que não querem que aconteça a si mesmas. Nos EUA a população acha melhor eutanasiar o animal do que mantê-lo num lugar onde ele vai passar fome e desconforto. É uma decisão da população. A eutanásia é encarada como uma forma de evitar sofrimento”.
Mas então fica a pergunta: será que os cães e gatos concordam com isso? É bem provável que desejem viver catando migalhas na ruas e correndo risco de acidentes, como qualquer humano morador de rua, do que ter a vida bruscamente interrompida apenas por existirem. Pensando dessa forma é que muitos americanos estão adotando animais e apoiando abrigos que não matam animais. Há de se pensar formas de controle populacional de cães e gatos que poupem vidas, que gerem alegrias, amizades e companheirismo. Caso contrário, os EUA, outros países e cidades brasileiras que ainda exterminam animais de rua estarão caminhando na contramão da causa animal que significa caminhar na contramão da própria evolução humana.
Nota da Redação: É inaceitável que animais sejam mortos como medida de controle populacional ou de doenças. Isto é uma prática cruel e deveria ser criminalizada. É difícil entender como veterinários defendem o assassinato de animais por comodidade humana. O que a sociedade acharia de médicos que defendessem a morte de humanos para controle de doenças e diminuição populacional? Não precisamos nem responder porque este é um assunto impensável, no entanto o mesmo não se aplica a essa falta de compaixão, de respeito à vida desses pobres e sofridos animais covardermente mortos por pessoas e veterinários sem consciência. Atuamos para que o assassinato de animais, por qualquer razão, seja considerado um crime como é com pessoas.

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