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"Se quer ser ouvido, tem que escutar"

25 de maio de 2010
7 min. de leitura
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Como ativistas, temos alguma coisa em comum: queremos salvar mais animais e, para fazer isso, temos que influenciar as pessoas a ver a nossa perspectiva. Temos uma agenda. Temos ideias, opinões de como deve ser o mundo e, ao final de tudo, queremos que as outras pessoas compartilhem essa visão também.

Se todas as pessoas no mundo aceitassem a nossa dieta vegana, por exemplo, teríamos um mundo mais saudável. Teríamos menos sofrimento, menos animais sendo criados vivendo uma vida horrível até a morte, menos poluição, mais terra na forma natural (em vez de ser destruída para plantar grão para dar aos animais etc.). Mas como é que podemos transmitir esta mensagem de maneira mais eficiente para que as pessoas realmente mudem o que já têm o costume de fazer: comprar ou matar um animal, cozinhá-lo, e colocá-lo no prato na hora de jantar?

Tenho pensado nisso várias vezes. O que posso dizer para surtir um impacto mais forte, para que uma pessoa pare imediatamente no momento em que está levando o garfo até a boca e desista de comer a carne daquele animal que desafortunadamente se encontra lá morto e apunhalado, pendente ao fim do garfo e destinado a ser comido? Como uma pessoa que já mudou a perspectiva, eu não mais vejo um animal como se fosse uma coisa comestível. Nem vejo a pele do animal como um casaco, nem sapato, nem bolsa. Vejo um animal como um ser com uma sensibilidade que também gosta de coisas e não gosta de outras coisas. Vejo que os animais têm uma percepção sobre o seu ambiente e, não sei se devo, mas penso que os animais são como nós e vice-versa (têm famílias, pensamentos etc.).

Então, a ideia de comer um animal é absurda ao meu ver. Mas vejo que outras pessoas continuam comendo animais e não veem os animais da mesma maneira que eu. É como se eles estivessem vendo pela própria lente. O mundo que eles veem é bem diferente do mundo que vejo. É como se eles vissem sem enxergar.

O que posso fazer para que pessoas que comem animais vejam o que vejo? Pensem como eu penso?

Vou lhe contar uma coisa que aconteceu comigo, que me ensinou uma lição muito importante e tem me ajudado muito como ativista:

Quando eu saí da escola, antes de entrar na universidade, trabalhava no aeroporto para uma companhia aérea que se chamava Eastern. O meu trabalho era ajudar os passageiros de um portão ao outro no aeroporto. Eu era muito magra e (ainda) baixa. Muitas vezes, eu empurrei as pessoas nas cadeiras de rodas. Alguns passageiros eram gordos, alguns velhos, e era um emprego difícil fisicamente, porque o aeroporto era grande e eu caminhava muito (às vezes empurrando os passageiros)!! Lá no aeroporto, havia um grupo de pessoas que chegava todos os dias para pedir esmola aos passageiros. Como eu estava empurrando as pessoas, raramente as pessoas me dariam uma gorjeta, mas esses mesmos passageiros quase sempre davam dinheiro às pessoas neste grupo que estava pedindo esmola.

Para onde foi a justiça nessa situação? Eu, como uma moça jovem, trabalhando muito para ganhar dinheiro para ir à universidade, fiquei muito chateada quando vi pessoas “doando” para eles. O que eles diziam para motivar a pessoa a lhes dar dinheiro? O que me irritava mais era que eu trabalhava a cada dia e ouvia o que diziam as pessoas do grupo. Eles mudavam o que diziam, dependendo de quem estivesse passando! Eu estava tão irritada!  Por exemplo, quando uma mãe com filhos estava chegando perto deles, eles diziam “Por favor, doe para a nossa comunidade para ajudar famílias e crianças.” Mas, quando era uma pessoa velha que estava chegando, eles diziam: “Por favor, dê apoio ao nosso grupo de idosos”. Se um homem de negócios se aproximava, eles diziam “Por favor, contribua com a nossa ONG para ajudar a proteger os direitos dos seres humanos” etc. Cada vez que eu passava, vi que esta “organização” não era nada legítima e que eles estavam ganhando muito dinheiro fazendo muito menos do que eu. O que aprendi com eles durante aquele verão foi que eles não estavam interessados em educar o público sobre o assunto nem ajudar as pessoas que eles fingiam representar. Eles só queriam ganhar dinheiro. Eu os detestava.

Agora, voltemos ao assunto de ativismo… Quando eu me perguntei “o que posso dizer para que as pessoas ouçam a minha mensagem ou entendam a minha perspectiva?”, pensei em como motivar as pessoas. Não estou dizendo que devemos mentir, nem manipular o público para os nossos interesses. Quando comecei a ser ativista,  gastei muito tempo falando, gritando, me esforçando em motivar aos outros, gastando energia, ficando frustrada quando as pessoas me ignoravam ou discutiam comigo sobre alguma coisa tão importante como animais! Eu, como ativista, estava dizendo o que achava e sempre pensava que estava dizendo e contando o que “os outros” precisavam ouvir para mudar o que  estavam fazendo (matando/comendo animais). O problema é que, com muitas pessoas, quanto mais eu gritava, falava e discutia, menos eu as influenciava. Eu estava falando a minha mensagem (que investiguei, desenvolvi e pratiquei várias vezes). O problema é que muitas vezes falei sem “escutar” ou perceber o que realmente era importante para eles. Não dei o tempo necessário para ver a quem estava falando. Decidi prestar mais atenção sobre isso, notar a pessoa à minha frente, escutar o que eles estavam dizendo (não só em palavras, mas em gestos). Para saber se eu deveria continuar falando, notei se eles pareciam querer fugir ou ficar, continuar me ouvindo ou parar, se eles estavam de acordo com o que eu estava dizendo ou se estavam contra. Aprendi que, em vez de ter UMA mensagem, seria mais importante mudar o que dizer dependendo de A QUEM estava falando. (O que tinha detestado daquele grupo no aeroporto, mas tinha visto que realmente o método deles funcionava bem).

Mudei a minha maneira de ativismo: por exemplo, quando estava falando com uma mãe com filhos que pedia mais informação sobre vegetarianismo, falei sobre a indústria láctea. Contava como eles tiram os filhos da vaca. Os machos são criados para ser carne de vitela e as fêmeas são criadas para produzir mais leite. Se a produção de leite da filha diminui, eles matam, porque as vacas são tratadas como se fossem máquinas para produzir leite. Se eu percebia que a mulher ainda tinha interesse, continuava falando. Falando sobre a maneira como eles destroem a família e como as vacas realmente gemem quando se separam dos filhos, mas que as vacas têm que ter filhos porque a gravidez é a condição para que o leite chegue. Só fêmeas podem produzir leite. A mulher que também é mãe vai entender muito e pode (talvez) sentir empatia pelo sofrimento da vaca. Depois, sempre gosto de dizer: “mas graças à nossa vida moderna, podemos decidir que não vamos apoiar esta indústria e, sempre que quero usar leite ou tenho receitas que usam leite, posso optar por leite de soja ou arroz (nozes etc.) em vez de contribuir com esta indústria que está causando todo esse sofrimento aos animais.”

Se um jovem quer saber mais sobre vegetarianismo, vou falar sobre direitos dos animais/humanos/injustiça etc. Mas, se um homem adulto ou idoso me pergunta “por que você decidiu ser vegetariana?” , posso falar sobre enfermidades do coração e como uma dieta vegana é livre de colesterol e rica em fibras.

Hoje em dia, quando falo com pessoas sobre as razões por que sou vegana,  escuto mais, no início, antes ou em vez de só falar. Quanto mais eu conhecer a pessoa com quem estou falando, mais poderei saber o que é importante para ela. Posso mudar a conversa dependendo do que ele me conta. Veja bem… não estou mentindo nem dizendo coisas para exagerar. Estou escolhendo o assunto que se relaciona ao que interessa  à outra pessoa.

Tem tantas razões para ser vegano que posso escolher a razão, pois, afinal de contas, por que devo falar se não vou ser ouvida?

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