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Ativistas da ONG Igualdad Animal falam sobre acusações de "ecoterrorismo"

24 de julho de 2013
14 min. de leitura
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Por Carmen Carballal (da Redação)

Trata-se de um caso de forte perseguição a ativistas em defesa dos direitos dos animais ocorrido na Espanha. Há pouco mais de dois anos, em 22 de junho de 2011, em uma operação de abrangência nacional, doze ativistas espanhóis foram detidos e catalogados como “ecoterroristas” por sua militância em defesa dos animais. A detenção causou indignação no movimento pelos direitos animais e provocou dezenas de protestos diante das embaixadas da Espanha em várias cidades do mundo exigindo sua libertação. A reportagem é do Econoticias.com, que transcreveu a entrevista concedida pelos ativistas ao Democracy Now.

O caso é conhecido como “os 12 da Espanha”. Estão hoje conosco dois dos ativistas acusados no processo: Sharon Núñez Gough, coordenadora da organização Igualdade Animal em Madri, Espanha, e José Valle, Diretor de Investigação do mesmo grupo. Também estão conosco Matteo Cupi e Laura Gough, membros da Igualdade Animal na Inglaterra. Laura é irmã de Sharon.

AMY GOODMAN: Sharon, vamos começar com você. Quais são os crimes dos quais vocês foram acusados? O que aconteceu na Espanha?

SHARON NUÑEZ: Em 22 de junho de 2011, eu e mais 10 pessoas fomos detidas em Madri e em outros pontos do Estado espanhol, acusados de uma série de crimes, que incluem associação ilícita, prejuízos, revelação e descoberta de segredos e invasão. Além disso, estão tentando nos relacionar com as libertações de visons, com as quais não temos nenhuma relação.

AMY GOODMAN: A que se refere a “libertação de visons”, José?

JOSE VALLE: As libertações de visons consistem em um grupo de ativistas que entram em uma granja e libertam todos os animais que vivem confinados ali. Nós não temos nenhuma relação com esse tipo de ações, porém a polícia está tentando nos relacionar com elas porque investigamos essas mesmas granjas.

AMY GOODMAN: Sharon, quais são as suas atividades e, segundo vocês, do que estão sendo acusados falsamente?

SHARON NUÑEZ: A Igualdade Animal é uma organização internacional de direitos animais e nos concentramos nas investigações. Ou seja, entramos em granjas e em outros locais onde os animais são explorados para filmar e fotografar o que acontece ali. Algumas vezes, entramos nas granjas sem autorização porque consideramos que esta é a única forma que temos de colocar toda a informação sobre a mesa. Ou seja, de outra forma o público não teria acesso às imagens dos horrores que ocorrem dentro das granjas e dos matadouros. Isso é o que fazemos, mas não libertamos animais, não libertamos visons, não utilizamos esses tipos de táticas como parte do nosso ativismo, e é disso que estamos sendo acusados.

AMY GOODMAN: Em que consiste a libertação de visons?

SHARON NUÑEZ: A libertação de visons consiste em entrar em uma granja e libertar todos os visons como uma forma não somente de libertar esses animais, como também prejudicar a indústria.

AMY GOODMAN: Vocês condenam essa forma de ativismo?

SHARON NUÑEZ: Nós não julgamos esse tipo de ações, já que consideramos que essa não é nossa responsabilidade e, além disso, isso nos faz entrar em um debate no qual não temos interesse em entrar. O debate deve se concentrar nos animais, nos horrores que eles sofrem e padecem dentro de algumas dessas granjas. Por isso, consideramos que não é nossa responsabilidade julgar esse tipo de tática.

AMY GOODMAN: Sharon, o José e você foram acusados, além de outras 10 pessoas. Entre elas está a sua mãe?

SHARON NUÑEZ: A minha mãe é uma das pessoas que foram acusadas. Isso aconteceu porque uma vez utilizamos um carro que estava em seu nome para entrevistar um ex-trabalhador de uma granja de visons. É importante destacar que a minha mãe não tem nenhum tipo de relação com o ativismo, muito menos com as investigações realizadas pela Igualdade Animal, e achamos que isso aconteceu como uma forma de intimidar os ativistas e para que eles vejam as consequências que podem sofrer ao atacar ou investigar diferentes indústrias de exploração animal.

AMY GOODMAN: José, o seu julgamento está perto de começar. Qual é a sentença que você está enfrentando?

JOSE VALLE: A sentença pode chegar a nove anos de prisão, embora ainda seja cedo para sabê-lo mais detalhadamente.

AMY GOODMAN: Sharon, o que significa para você a palavra ecoterrorista?

SHARON NUÑEZ: A palavra ecoterrorismo foi cunhada por Ron Arnold no início dos anos 1980. É importante ter em conta que essa palavra foi utilizada contra ativistas ecologistas e contra ativistas do movimento de direitos animais para acabar com o seu ativismo. E, para mim, significa até onde os governos, as instituições e, principalmente, as indústrias de exploração animal estão dispostos a chegar para frear o ativismo, que é cada vez mais eficaz.

AMY GOODMAN: Laura Gough, irmã de Sharon Nuñez Gough, o que você sentiu quando ficou sabendo em Londres que a sua irmã e sua mãe haviam sido detidas na Espanha? Como você reagiu?

LAURA GOUGH: Naquela manhã estava em Londres e, quando acordei, recebi alguns e-mails me dizendo que a minha irmã e mais onze ativistas haviam sido detidos naquele dia. Não tínhamos muita informação, até que, por fim, chegamos a um dos nossos colegas que nos disse que a nossa casa, ou melhor, várias casas haviam sido saqueadas, que todos os nossos computadores e o nosso trabalho haviam sido apreendidos pela polícia – trabalho que demoramos anos para coletar com o objetivo de expor as indústrias. Levamos um susto e, na verdade, ficamos bastante assombrados, mas ao mesmo tempo fomos capazes de reagir logo. Então, em menos de 48 horas conseguimos que mais de 22 países fizessem protestos de apoio aos ativistas.

AMY GOODMAN: Por que você é membro da Igualdade Animal?

LAURA GOUGH: Faço parte da Igualdade Animal, Animal Equality, porque acho que é necessário abrir os olhos do público e das sociedades em geral para o que acontece por trás dessas indústrias. Basicamente, como a Sharon disse antes, acho que é necessário colocar sobre a mesa o que acontece por trás, ou seja, nesses locais, para que as pessoas possam escolher adequadamente e, principalmente, para que as pessoas percebam como essas indústrias ganham dinheiro com o sofrimento dos animais.

AMY GOODMAN: Matteo Cupi, por que você se juntou a essa organização?

MATTEO CUPI: Comecei a colaborar com a Igualdade Animal há três anos porque me interessei em colaborar com eles, com o trabalho que eles estavam realizando de investigações dentro de granjas e matadouros. E decidi colaborar com eles porque acredito que o trabalho que estavam realizando na Espanha era muito eficaz para mostrar à sociedade a realidade da exploração animal.

AMY GOODMAN: Como estão sendo organizados os protestos contra o julgamento dos ativistas da Igualdade Animal?

MATTEO CUPI: Após ter recebido o e-mail que explicava que dois dos nossos colegas estavam detidos, começamos a entrar em contato com vários ativistas e organizações em nível internacional. Em menos de 48 horas recebemos o apoio de mais de 20 países.

AMY GOODMAN: Sharon, qual é o papel da indústria de peles de animais e das granjas industriais no impulso das leis que as protegem?

SHARON NUÑEZ: O que vimos, após a abertura do nosso processo, em dezembro de 2011, foi que havia claros contatos entre a indústria de visons, diferentes associações de visons e granjeiros com a polícia. Além disso, os granjeiros e as indústrias de exploração animal vêm pressionando praticamente desde 2007 para que as nossas multas sejam maiores. E, finalmente, em nosso caso, para que sejamos condenados à prisão por ações com as quais não temos nenhuma relação.

AMY GOODMAN: José Valle, vocês foram culpados há mais de dois anos e são acusados por fatos que datam de vários anos. O julgamento não começou. Qual foi a resposta da população na Espanha?

JOSE VALLE: Dado que as detenções foram notícia — em todos os telejornais e em todos os jornais -, uma grande parte da sociedade ficou sabendo. Entretanto, alguns acreditavam em toda essa retórica de ecoterrorismo, já que o termo terrorismo também havia sido usado anteriormente para criminalizar quaisquer tipos de movimentos ou de ações. E também conheciam o nosso trabalho, nossas investigações. E logo surgiram as demonstrações de apoio a nós.

AMY GOODMAN: Conforme o comunicado de imprensa emitido em 2011, quando os membros da Igualdade Animal foram detidos, a origem da investigação contra eles estaria centrada na aparente libertação, em novembro de 2007, de 20.000 visons da granja Visons Bermúdez, localizada em Santiago de Compostela, na Galícia, o que resultaria em supostos danos ao meio ambiente. As duas organizações envolvidas na investigação negaram ter relação com o fato, mas não condenam a ação. Sharon, conte-nos sobre essa granja e o que aconteceu com os 20.000 visons que havia ali.

SHARON NUÑEZ: Nesse caso em particular, investigamos essa granja alguns anos depois e o que encontramos foram as terríveis condições que temos encontrado em todas as granjas de visons que investigamos — animais com feridas abertas, animais que não recebem nenhum tipo de tratamento veterinário e, quando é realizada uma libertação de visons, as pessoas que fazem a libertação entram na granja e libertam alguns dos animais com a intenção não somente de libertá-los como também de prejudicar a indústria. Mas, devo repetir que nós, no caso da Igualdade Animal, Animal Equality, não temos nenhum tipo de relação com essas libertações, já que nos dedicamos somente a investigar o que acontece dentro dessas granjas.

AMY GOODMAN: O que os seus advogados descobriram até agora e qual é a data do julgamento, Sharon?

SHARON NUÑEZ: Acreditamos que há uma relação direta entre o juiz, a polícia e as indústrias de exploração animal que estão tentando nos condenar em nosso caso. E os nossos advogados têm podido ver isso muito claramente em situações nas quais eles mesmos se surpreendem. O juiz que está nos investigando, José Antonio Vázquez Taín, chamou-nos de ecoterroristas na mídia, no mesmo dia em que fomos detidos — o que viola o princípio de inocência, não? A ideia de que somos inocentes até que se prove o contrário. Parece que aos olhos do juiz somos culpados até que se prove o contrário. Além disso, esse mesmo juiz, durante o interrogatório de uma das pessoas detidas em 22 de junho, disse que o seu pai tinha uma granja que alimentava a ele e aos seus irmãos. O que vemos aqui é uma clara relação entre o juiz e as indústrias de exploração animal, algo que nos preocupa e também aos nossos advogados, já que acreditamos que ele não é tão objetivo como deveria ser um juiz que está investigando um caso dessa magnitude. Mas não somente isso, a polícia, no dia em que fomos detidos, emitiu uma nota de imprensa na qual nos acusavam de uma série de fatos com os quais não temos nenhuma relação, fatos tão chamativos quanto incêndios, libertações de visons, como comentei antes, e também chegar a desenterrar o cadáver de um toureiro. Quero dizer novamente que não temos nenhuma relação com esses fatos e que nos preocupa especialmente é como o juiz e a guarda civil estão apresentando este caso.

AMY GOODMAN: O Instituto Universitario de Investigación sobre Seguridad Interior da Espanha emitiu um relatório em 2010 que instrui a polícia sobre como tratar o crescente movimento pelos direitos dos animais. Do que se trata?

SHARON NUÑEZ: Após as nossas detenções, encontramos um artigo, escrito por um capitão da guarda civil, no qual se falava de como deviam ser tratados e apresentados legalmente os ativistas de direitos dos animais. O que vimos foi uma análise do movimento de direitos animais em nível internacional, onde inclusive se chega a dizer que se houver detenções de ativistas, estes devem ser apresentados e acusados de terroristas. Além disso, é curioso que não somente as organizações como a Igualdade Animal, que realizamos desobediência civil, são apresentadas, como também todas as organizações de direitos animais. Conforme esse relatório, elas são uma porta aberta para pessoas que depois vão realizar outros tipos de ações.

AMY GOODMAN: Laura Gough, sua mãe e sua irmã foram acusadas de desenvolver ações criminosas ao defender os direitos dos animais. Como você se envolveu nesse movimento?

LAURA GOUGH: Eu já estava envolvida em outros tipos de movimentos sociais. Então, quando vi que a minha irmã estava envolvida com direitos animais, interessei-me em saber o porquê, qual era o motivo. Depois que ela me mostrou e percebi que o número de ativistas — o movimento era muito jovem na Espanha – era muito baixo, queria fazer parte daquilo e, assim, poder mostrar à sociedade o que realmente acontece nesse tipo de indústrias.

AMY GOODMAN: O que é “especismo”?

LAURA GOUGH: O especismo é a discriminação aleatória de outras espécies simplesmente pelo fato de não pertencerem à espécie humana. Isso quer dizer que, embora eles sofram e sintam como nós, as pessoas não os veem como iguais.

AMY GOODMAN: Vocês têm conhecimento da perseguição a ativistas pelos direitos animais fora da Espanha?

SHARON NUÑEZ: Sim, estamos vendo que em outros países, como, por exemplo, a Áustria, houve um caso muito similar ao nosso, onde uma série de ativistas foram detidos e acusados de fazerem parte de uma organização criminosa. E vemos a mesma coisa nos Estados Unidos, com a A.E.T.A. e com as leis Ag-Gag, que claramente querem acabar com o ativismo de direitos animais e, mais concretamente, com as investigações, devido ao prejuízo que implicam para a indústria. Também vemos isso na Inglaterra e em outros países. Achamos que devemos unir forças, não somente o movimento de direitos animais, como também com outros movimentos sociais e até outras forças, como jornalistas, porque achamos que isso é um ataque à liberdade de expressão.

AMY GOODMAN: José, você voltaria a se envolver nesse movimento mesmo se soubesse que seria acusado de cometer um crime?

JOSE VALLE: Sim, voltaria a me envolver e, de fato, continuo envolvido, assim como o restante dos meus colegas que fazem parte do movimento de direitos animais. E acho que, como membros deste movimento e pessoas que nos preocupamos com a situação dos animais e achamos que devemos fazer algo a esse respeito, devemos dar o exemplo também e mostrar que não vão conseguir nos deter ou que não vão poder nos assustar, porque uma das intenções desse tipo de ações policiais e leis também é dissuadir os ativistas de serem parte ativa desses movimentos.

AMY GOODMAN: Sharon, inicialmente foram 12 pessoas processadas. Agora são 25. Você acha que a quantidade de pessoas acusadas continuará aumentando?

SHARON NUÑEZ: Sim, dessas 25 pessoas, o que sabemos é que são pessoas que atualmente não têm relação com o movimento de direitos animais; pessoas que nunca tiveram relação com o movimento de direitos animais, como no caso da minha mãe, que simplesmente tem uma relação indireta porque em um determinado momento foi utilizado um carro em seu nome para entrevistar um ex-granjeiro de uma granja de visons; pessoas que fornecem informações às organizações de direitos animais, como os ex-granjeiros de visons; e pessoas que atualmente estão envolvidas no movimento de direitos animais. Então, achamos que um caso desta magnitude é uma forma de frear o ativismo, não somente no Estado espanhol, como também em toda a Europa.

AMY GOODMAN: A sua mãe não estava entre os 12 ativistas inicialmente acusados?

SHARON NUÑEZ: Não, a minha mãe não fazia parte das primeiras 12 pessoas que foram acusadas. Soubemos que ela estava sendo acusada no início deste ano.

AMY GOODMAN: A sua irmã caçula, Laura, disse que ela seguiu o seu exemplo de ativismo. Por que você se interessou especificamente pela defesa dos direitos dos animais?

SHARON NUÑEZ: Estive envolvida em diferentes movimentos de justiça social na universidade em Madri, até que finalmente li a história de uma vaca que estava sendo morta em um matadouro e entendi que o sofrimento dela era similar ao de todos os indivíduos aos quais eu defendia. Por fim, a magnitude da exploração animal fez com que eu me envolvesse completamente no movimento de direitos animais em 2002 e continuo sendo ativista pelos direitos animais desde então.

AMY GOODMAN: Você pode descrever do que se trata a apresentação de animais congelados?

SHARON NUÑEZ: Todos os anos, no dia internacional dos direitos animais, em 10 de dezembro, a Igualdade Animal realiza um protesto no qual de 400 a 500 ativistas mostramos as vítimas da exploração animal. Esses indivíduos que permanecem escondidos, que normalmente terminam em nosso prato ou que acabamos vestindo, mas que na verdade não conhecemos. Nós não os conhecemos nem conhecemos o terrível sofrimento que padeceram.

AMY GOODMAN: Estão congelados?

SHARON NUÑEZ: Sim, são animais que permaneceram congelados, que estão congelados e que padeceram o tremendo sofrimento físico e psicológico que implica a exploração animal.

AMY GOODMAN: Esses animais foram resgatados de granjas, como as granjas de visons?

SHARON NUÑEZ: Não, não são animais resgatados, são animais que encontramos mortos dentro de granjas e nas lixeiras de granjas, e que levamos para a praça Puerta del Sol para que o seu sofrimento seja conhecido.

AMY GOODMAN: Quero agradecer a todos por sua presença. Continuaremos fazendo a cobertura do caso. Sharon Núñez Gough, Laura Gough e José Valle, Diretor de Investigações da Igualdade Animal, Matteo Cupi, que é membro da mesma organização na Inglaterra, muito obrigado por sua presença. Isto é Democracy Now! Democracy Now ponto org. O informativo de guerra e paz.

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