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Vida na prisão: Habeas Corpus a favor da orangotango Sandra é recusado na Argentina

22 de novembro de 2014
8 min. de leitura
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Por Loren Claire Boppré Canales (da Redação)

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

A orangotango-de-Sumatra chamada “Sandra” (cientificamente denominada Pongo Abelli), tinha aproximadamente 22 anos quando chegou ao Zoológico de Buenos Aires em 1998 proveniente do zoológico de Hannover (Alemanha) para fins reprodutivos. Esta espécie se encontra em Perigo Crítico de Extinção encontrando-se atualmente na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (sigla em inglês IUCN).

É a única orangotango do zoológico de Buenos Aires e por ser um animal solitário, não pode conviver com outros da sua espécie. Não suporta a convivência. De fato, ela tem um companheiro que vive em Córdoba, chamado “Maxi”, para quem realiza visitas anuais de janeiro a março para reproduzir. Há 13 anos Sandra teve uma cria, um macho, mas tiveram de ser separados por conta da má convivência e porque corriam o risco de acasalarem. O filhote foi levado a outro zoológico.

Em 2006, a IUCN revelou que as “populações de Orangotangos-de-Sumatra caíram em 47% durante os 7 anos anteriores a 1999 e nos 8 anos anteriores a população caiu aproximadamente 50%. Provavelmente esta tendência seguirá se as atuais circunstâncias continuarem”. A publicação bianual dos “25 primatas mais ameaçados do mundo” (2008-2010) também concorda com esses dados.

Segundo a antropóloga Cheryl Knott da Universidade de Harvard, “espera-se que em 10 a 20 anos os orangotangos sejam extintos em estado selvagem se não houver um sério esforço para superar as ameaças que enfretam”.

Esta opinião é apoiada também pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que estabelece em seu informe que devido a extração ilegal, o fogo e o amplo desenvolvimento do óleo de palma nas plantações, os orangotangos estão em perigo de extinção, e se a tendência atual continuar, serão extintos.

“Sandra” nunca conheceu a liberdade (seu rosto nas fotos aqui apresentadas demostra uma enorme tristeza impossível de ser descrita).

Foto: Divulgação
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Em 2012 a revista argentina Veintitres publicou um artigo em referência ao zoológico de Buenos Aires, no qual alertava para a situação da orangotango afirmando que: “Sandra se encontrava sozinha e deprimida”.

A realidade é que esta grande primata viveu quase a totalidade de sua vida “em cativeiro”, em uma verdadeira jaula de cimento; em outras palavras, encontra-se ilegalmente privada de sua liberdade, sendo uma clara “prisioneira” e “escrava” no zoológico de Buenos Aires (Argentina), somente pela decisão arbitrária de suas autoridades, afetando desta forma, ao menos dois de seus direitos básicos fundamentais: o da sua liberdade ambulatória e locomotiva, e como consequência lógica, o direito a uma vida digna.

Ela viveu aproximadamente até 2012 em uma jaula de espaço reduzido, com o piso de terra (simulando o de um habitat natural, e com vidros blindados que separavam o habitáculo do público). Logo foi transferida para outro recinto do mesmo zoológico, local onde atualmente vive (ou sobrevive) em condições deploráveis (piores que o anterior ); um lugar mais amplo (mas não por isso mais adequado), semelhante a uma cova de pedras construído com paredes laterais de blocos de cimento, e um piso com deformações que “simulam” ser pequenos montes de pedras – um pseudo “habitat natural” que não se assemelha em nada às selvas de Sumatra de onde é oriunda esta espécie.

O local conta ainda com uma frente composta por um vidro blindado (similar ao que utilizam os aquários para seus espetáculos públicos) e uma fossa gigante (altamente perigosa, na qual a primata poderia cair e perder a vida a qualquer momento) que separa a jaula com o exterior, e que se encontra em constante contato com o ruído do público visitante, a maioria proveniente de grupos escolares (que em muitas ocasiões alimentam o animal sem controle algum das autoridades e/ou cuidadores do zoológico), o qual também torna-se contraproducente para a espécie.

Foto: Divulgação
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Esta nova “fortaleza de cimento” onde se encontra a orangotango “Sandra” é antinatural e extremamente inadequada para um animal dessa espécie; não conta sequer com mantas ou palha suficiente para que a primata possa se deitar; é um espaço sem cobertura, resultando em exposições do Hominídeo a altas temperaturas (que no verão superam os 40°, aquecendo o piso e as paredes de cimento da jaula; e que no inverno se encontram abaixo dos 0°, com superfícies geladas inadequadas para esta espécie que é de climas subtropicais), com total falta de higiene e cheia de excrementos que são limpos somente uma vez por dia; vive de modo absolutamente solitário, sem nenhum macho ou outro tipo de companhia de seus congêneres (apesar dos machos desta espécie não serem tão gregários como são as fêmeas e suas crias); não há nenhum espaço verde ou árvores para se exercitar, e muito menos algum enriquecimento ambiental (como instrumentos ou jogos para se entreter, sabendo que os orangotangos são os mais arborícolas de todos os grandes símios, passando quase todo o tempo em árvores), o que aumenta seu nível de angústia, causando stress e depressão. Sua jaula também não conta com um bebedouro próprio (para que possa saciar sua sede quando necessite), condições essas que põem em evidente risco sua vida e sua saúde física e psíquica, em função da idade que possui, as características próprias da espécie, e fundamentalmente, pelo próprio stress que já vive em cativeiro.

Este verdadeiro calvário a que tem sido submetida a orangotango Sandra não só confronta grosseiramente as regras mínimas de bem-estar animal fixadas pela “Associação Mundial de Zoológicos” (suas siglas em inglês “WAZA”), mas também com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a Lei Nacional de Proteção Animal nº 14.346, a lei de Conservação da Fauna Silvestre nº 22.421, e possivelmente, também a Lei Nacional nº 22.344 e seu Decreto Regulamentário nº 522/97.

O Juizado que interviu no caso da orangotango Sandra foi o Juizado Nacional de Primeira Instância no Foro Criminal de Instrução Nº 47, a cargo da Juíza Monica L. Berdion de Crudo, e o único argumento que deu para recusar o habeas corpus foi que: “uma interpretação harmônica das previsões contidas nos artigos 30 e 51 do Código Civil Argentino, impõe incluir que a Orangotango-de-Sumatra “Sandra não pode ser sujeito de tutela legal…”

O Habeas Corpus da orangotango Sandra foi apresentado na quinta-feira (13/11/2014) perante o Juizado da Dra. Berdion de Crudo, mencionado acima, o qual foi recusado no mesmo dia. O apelo foi consultado também pela Câmara de Apelações no Foro Criminal (segundo o previsto no artigo 10 da Lei 23.098 de Habeas Corpus), e esta confirmou a decisão judicial no dia 14/11/14.

A AFADA (Associação de Funcionários e Advogados pelos Direitos dos Animais) apresentará nos próximos 10 dias um Recurso de Cassação contra esta decisão. A ONG argumenta que Sandra está há 20 anos vivendo cativa em solidão no zoológico de Buenos Aires, segundo o jornal Tiempo.

“Nós questionamos a situação de escravidão a que estão sujeitos vários animais, em especial aqueles que têm mais semelhanças genéticas ao ser humano. Só pedimos um tratamento respeitoso e humanitário”, explicou o advogado da AFADA, Pablo Buompadre. A apresentação de Buompadre tem 40 páginas, mas apenas dois itens tiveram a resposta da juíza penal de instrução Mónica Berdión de Crudo. “Parece que os juízes não querem tomar uma decisão que seja mais corajosa e esteja a altura de nosso século. Querem continuar mantendo o status quo que considera os animais como coisas”, reclama o advogado.

Buompadre explica que sua reivindicação não é que os animais tenham os mesmos direitos que as pessoas reconhecidos, mas “os direitos básicos, como o direito a vida ou que não sejam torturados”. São utilizadas para isso ferramentas do Habeas Corpus porque ali é falado dos direitos da pessoa, não de seres humanos. Então questiona a privação de liberdade da primata, sustentando sua ilegitimidade e o reconhecimento da mesma como uma pessoa não-humana. “A discussão, nesse sentido, é sobre o que é considerado pessoa no Direito. É algo filosófico”.

O Habeas Corpus, mais especificamente, pretende que a Justiça liberte a orangotango Sandra e a transfira a um Santuário de Grandes Primatas especializado nesta espécie a fim de que a mesma possa viver com seus congêneres em seus últimos anos de vida. O mesmo já havia sido solicitado pela AFADA perante a Justiça Federal de Corrientes a favor do chimpanzé Toti, em Entre Ríos sobre o chimpanzé Totó, em Santiago del Estero pelo chimpanzé Monti. Este último é o único caso onde os juízes ainda não rejeitaram o requerimento, pois foi solicitada a opinião de uma junta médica.

Suas propostas têm como apoio um antecedente fundamental. Em 2007, uma ONG brasileira conseguiu que um juiz da Bahia aceitasse um Habeas Corpus sobre a chimpanzé Suíça, que estava enclausurada há 10 anos no Zoológico de Salvador. O juiz lhe concedeu a liberdade, mas no dia anterior ao cumprimento da sentença a chimpanzé apareceu morta. Aparentemente, Suíça foi envenenada.

O olhar de Raúl Zaffaroni

Em fevereiro de 2012, o juiz da Suprema Corte de Justiça, Raúl Eugenio Zaffaroni, trouxe à tona um livro intitulado “A Pachamama e o humano”, onde realiza um percurso pelas reflexões sobre a natureza e os direitos dos animais. Em uma entrevista concedida a Monica López Ocón, do Diário Tiempo Argentino, explicou: “Em outro tempo, o Direito foi concebido para alguns humanos (brancos, homens, etc). Logo, o homem chegou a ‘surpreendente’ conclusão de que todos os humanos são sujeitos ao direito. Demorou milênios para consagrá-lo na lei constitucional e internacional. Milhões de seres humanos foram sacrificados até este Direito ter lugar. Hoje nos parece uma obviedade jurídica. Mas ficamos alarmados quando estas novas constituições nos dizem que há outros sujeitos de direitos, que não são humanos, que não têm os mesmos direitos que os humanos, mas que nem por isso deixam de ter direitos, e que a falta de reconhecimento e de respeito a esses direitos coloca em perigo a nossa própria subsistência como espécie”.

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