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INDONÉSIA

Tráfico de animais ameaça sobrevivência de leopardos

25 de maio de 2021
Claudia Geib (Mongabay) | Traduzido por Allan Furtado, Bruno Bonafé e Danielle Yumi
7 min. de leitura
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Um novo artigo documenta o tráfico de um grande número de leopardos-de-java e dos leopardos-nebulosos-de-bornéu, na Indonésia.

Uma pesquisa, realizada entre 2011 e 2019, descobriu 41 registros de apreensões que totalizam aproximadamente 83 animais. Os autores dizem que estes números provavelmente representam apenas uma fração do comércio verdadeiro.

Com ambas as espécies enfrentando declínios populacionais significativos, qualquer nível de caça ou comércio ilegal poderia pesar a balança em direção à extinção.

Foto: Pixabay

Esta é a história de como a Indonésia está perdendo seus leopardos. Em um artigo recente, publicado na Nature Conservation, pesquisadores descobriram que a nação arquipelágica possui um comércio ilegal significativo de duas espécies regionais de leopardos: o leopardo-de-java (Panthera pardus melas), e o leopardo-nebuloso-de-bornéu (Neofelis diardi).

Este tráfico poderia causar sérias ameaças para as duas espécies que já enfrentam a extinção — especialmente porque continua sendo um problema, em grande parte, não reconhecido.

“Assim como grande parte das coisas das quais nos conscientizamos, nós escolhemos essas espécies porque elas não possuem o reconhecimento de mais ninguém,” diz o coautor do novo artigo e diretor executivo da Monitor Conservation Research Society, Chris Shepherd, que foca em espécies menos conhecidas no comércio de animais selvagens. “Não esperávamos encontrar o comércio ilegal nessas proporções. Mas quando começamos a olhar os dados de apreensão, percebemos que existia um pouco e depois de começar a investigar, descobrimos um pouco mais.”

Usando relatórios da mídia, literatura científica publicada, e o banco de dados do governo sobre processos judiciais com acesso aberto, os pesquisadores coletaram 41 registros de leopardos ou de partes desses animais, apreendidos pelas autoridades entre 2011 e 2019. Eles estimam que os produtos dessas apreensões — que incluem peles, presas, garras, patas, crânios, produtos taxidérmicos, e filhotes vivos — representam no mínimo 83 animais, incluindo 51 leopardos-de-java e 32 leopardos-nebulosos-de-bornéu. Enquanto a maioria dessas apreensões acontecem dentro da Indonésia, os autores também documentam três carregamentos internacionais apreendidos que tiveram origem na Indonésia: uma para Rússia, uma para Kuwait, e uma para o Reino Unido.

Encontrado apenas em Java, o leopardo-de-java é classificado pela IUCN como em perigo crítico, uma vez que sua população, já considerada pequena (estimada em 350 a 525 espécimes restantes, sendo que destes, apenas 250 são adultos em idade reprodutiva), é dispersa em razão do crescimento urbano que confina as espécies a pequenos “bolsões florestais”. Os 4.500 leopardos-nebulosos-de-bornéu restantes, classificados como vulneráveis, vivem apenas em Bornéu e Sumatra.

“Podem haver grandes consequências conservacionais para ambas as espécies assim que você começa a remover os animais, especialmente os adultos.” disse Shepherd. Ele acrescenta que é provável que esses registros não capturem toda a extensão do comércio dessas espécies: “Quando olhamos para as apreensões, é comum ouvir termos como ‘a ponta do iceberg.’ Não sabemos qual a porcentagem que estas apreensões representam.”

Uma demanda crescente e uma fraca dissuasão

Peles de leopardos, animais empalhados e indivíduos vivos mantidos como animais de estimação frequentemente servem como símbolos de status na Indonésia; Shepherd diz que, uma vez que, uma espécie se torna rara, a demanda por ela costuma disparar na Indonésia.

Outros produtos são vendidos para o uso na medicina tradicional. Como foi visto com os tigres, quase todas as partes do leopardo têm algum uso atribuído: seus couros são usados para o tratamento de doenças de pele, suas garras e presas são usados como amuletos, e sua carne e ossos aumentam a virilidade e força masculina. (Essas alegações não são apoiadas pela medicina ocidental, e existem alternativas à base de plantas na medicina tradicional). Na verdade, com os tigres tornando-se cada vez mais raros, e até mesmo localmente extintos na Ásia, especialistas estão preocupados que a caça ilegal de leopardo poderia estar aumentando para compensar a falta de partes de tigres. Shepherd diz que eles já viram um aumento no comércio de ossos de leão na África e de partes de onça pintada na América do Sul.

Esse comércio crescente é auxiliado por um sistema negligente de perseguição aos crimes contra os animais selvagens. Apesar das proteções rigorosas para ambas as espécies de leopardos, sob a legislação da Indonésia e as regulamentações Internacionais, o artigo da “Monitor” documentou apenas 20 acusações penais. Dessas, a maior pena foi de dois anos e uma multa equivalente a $3,550 dólares; a maioria das penas foram em torno de um ano ou menos, além das multas.

“As agências de cumprimento da lei, os procuradores, a polícia e até mesmo os juízes, ainda pensam que esse tipo de crime não é um grande crime” diz Iding Haidir, um pesquisador dos leopardos-nebulosos e especialista em ecossistemas florestais no Parque Nacional Kerinci Seblat da Indonésia, que não estava envolvido na pesquisa recente.

E quando se trata especificamente de leopardos, Haidir diz que a conservação da Indonésia e suas aplicações de leis continuam, em grande parte, inconscientes da dimensão do problema. “Algumas pessoas vão dizer ‘Isso não acontece aqui. Nós não temos comércio de leopardos”, diz ele. “Penso que isto [pesquisa] é como um toque para acordarmos. Estamos muito concentrados nos animais maiores e mais carismáticos como o tigre-de-sumatra, e isso nos torna menos interessados em pequenos carnívoros.”

Como resultado, a aplicação da lei não serve como impedimento na Indonésia, diz Vincent Niijman, um professor da área de antropologia da Universidade de Oxford Brookes, que estudou o comércio ilegal da vida selvagem na Indonésia e além dela. Apesar de Nijman não ter trabalhado na pesquisa da “Monitor”, já foi co-autor de pesquisa com Shepherd.

Nijman salienta que as vendas internacionais, apesar de serem apenas uma fração das vendas internas da Indonésia, recebem frequentemente muito mais atenção legal e midiática do que as vendas dentro do país — um foco que ele classifica como estando entre uma “visão de túnel, de certo modo, ou algo muito pragmático”.

“Talvez seja onde a sociedade em geral é mais compreensiva por irem atrás desses traficantes”, diz ele; é muito mais difícil, nesses casos, afirmar que um comerciante não sabia que estava infringindo a lei. No entanto, Nijman diz que a maioria dos traficantes da vida selvagem no país com quem tem interagido, conhecem melhor as leis do que a maioria, uma vez que estas leis afetam o valor e o preço dos seus produtos.

Focar no comércio exterior, no entanto, os distrai de um problema muito maior: acabar com o crime no interior do próprio país. Devido à falta de uma pena mínima para muitos dos crimes cometidos na Indonésia, o processo de crimes contra a vida selvagem está muitas vezes ligado à descrição dos agentes responsáveis envolvidos no caso.

“Precisamos aprimorar a sensibilização dos juízes, dos procuradores e da polícia” diz Haidir, que sugeriu a aplicação de seminários ou treinamentos nos locais de trabalho desses profissionais para ajudar a compreensão da importância de processar os crimes contra vida selvagem. “É importante que eles vejam que estes incidentes não são isolados e únicos em que um caçador apanhou esta única espécie. Estão interligados.”

A respeito dos leopardos da Indonésia, Haidir também enfatizou a importância de educar o público de forma mais ampla sobre essa espécie. Ele contou a história de uma colaboração com escolas locais em Sumatra, na qual crianças eram convidadas a pintar murais sobre o tema de gatos selvagens. No primeiro ano do programa, todas as pinturas mostravam tigres. Mas nos anos seguintes, Haidir e seus colegas trabalharam com as escolas para introduzirem os leopardos-nebulosos no programa. Quando eles realizaram o projeto dos murais novamente, pelo menos metade deles mostrava pinturas dos leopardos-nebulosos.

“Esses componentes, na minha opinião, são muito importantes para mostrar para o povo que esses leopardos são o nosso orgulho, nossos animais nacionais, e que proteger sua população e seus habitats é algo tão importante quanto proteger nossa subsistência” diz Haidir.

Citação:

Gomez, L., & Shepherd, C. R. (2021). The illegal exploitation of the Javan leopard (Panthera pardus melas) and Sunda clouded leopard (Neofelis diardi) in Indonesia. Nature Conservation, 43, 25-39. doi:10.3897/natureconservation.43.59399

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