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ESPÉCIE DIZIMADA

Projeto de desenvolvimento urbano em ilha remota ameaça tartarugas-de-couro

10 de maio de 2021
Gabriela Alves | Redação ANDA
8 min. de leitura
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Foto: Reprodução | Pinterest

Um “documento de visão de futuro” de 58 páginas, sem data, produzido por um think tank do governo indiano, traça um conceito para o “desenvolvimento sustentável” da Pequena Ilha de Andaman. A ilha de 675 quilômetros quadrados (260 milhas quadradas), com floresta tropical e pouco povoada, faz parte do remoto arquipélago das Ilhas Andaman e Nicobar, distante da costa leste da Índia, na Baía de Bengala.

O documento, não de domínio público, mas revisado pelo Mongabay-Índia, afirma que “restrições ecológicas e ambientais” significaram que o potencial econômico e estratégico da ilha nunca foi desenvolvido a sua capacidade máxima; 95% da ilha é cobertura florestal. É necessário “abrir” a Pequeno Andaman, que é “tão grande quanto Cingapura” e “liberar a área para implantação de ativos estratégicos”, afirma o documento. Ele também desenha comparações com destinos turísticos muito procurados como Bali na Indonésia e Phuket na Tailândia. Enfatizando a comparação com Cingapura, o documento de visão diz que, embora a densidade populacional de Pequena Andaman seja de 47 pessoas por km², é de 7.615 por km² em Cingapura.

A ideia para a ilha inclui o desenvolvimento de uma cidade, aeroporto internacional, marina, anel rodoviário com estações de transporte de muitas pessoas e centros turísticos, incluindo hotéis, cassinos, um parque temático, uma ópera e um “Resort Florestal Exclusivo e Distrito de Cura da Natureza” completo com sua própria pista de pouso para aviões fretados e institutos de bem-estar.

“O que está nos impedindo de transformá-las em verdadeiras joias para o país?”, pergunta o documento, se referindo a Pequena Andaman e à Grande Ilha de Nicobar (Great Nicobar Island) ao sul dela, que os autores do relatório da National Institution for Transforming India (NITI) Aayog também propõem desenvolver.

Contudo, especialistas e pesquisas anteriores observaram que o desenvolvimento da Pequena Ilha de Andaman representaria uma ameaça aos locais de nidificação da tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea).

Uma das sete espécies de tartarugas marinhas no mundo, das quais 5 são encontradas em águas indianas, a tartaruga-de-couro é a única tartaruga marinha que não tem uma concha óssea e possui uma carapaça flexível semelhante a couro; é isso que lhe dá o seu nome. A tartaruga-de-couro (ou tartaruga-gigante) é a maior de todas as tartarugas vivas e está entre os maiores de todos os répteis. Os indivíduos às vezes crescem mais de 2 metros (6 pés) de comprimento e podem pesar até uma tonelada, o que faz deles muito maiores do que o ser humano médio. Eles atingem esse tamanho impressionante se alimentando de águas-vivas. As tartarugas-de-couro são encontradas em todos os oceanos, exceto no Ártico e na Antártica, e são grandes viajantes.

No entanto, muitas populações da espécie estão em declínio acentuado. As colônias da Malásia que costumavam hospedar aproximadamente 5.000 ninhos por ano na década de 1960 tinham menos de 10 ninhos no início dos anos 2000. Declínios semelhantes ocorreram no Pacífico oriental, na Costa Rica e em outros lugares.

Adhith Swaminathan, um pesquisador da Fundação Dakshin, ONG de justiça ambiental e social com sede em Bengaluru, descreve a experiência de “Rastrear um gigante de cem milhões de anos” na edição de abril-junho de 2018 da revista Hornbill. O Sri Lanka e a Índia são os únicos locais no sul da Ásia com grandes populações de ninhos de tartarugas-de-couro, ele explica no relatório. Desde 2009, Swaminathan faz parte de um projeto de pesquisa para avaliar a recuperação da espécie após o tsunami de dezembro de 2004.

Trabalhando com Naveen Namboothri, o diretor da Fundação Dakshin, e Kartik Shanker, um ecologista do Instituto Indiano de Ciência em Bengaluru associado à fundação, Swaminathan monitorou os locais de nidificação e marcou 10 tartarugas-de-couro usando transmissores de satélite. Uma tartaruga cobriu 13.000 km (8.080 milhas) da Pequena Andaman à costa de Moçambique em 266 dias, nadando cerca de 50 km (31 milhas) por dia. A maioria das tartarugas rastreadas mudou-se de Pequena Andaman em direção ao sudeste da Ásia, uma delas chegando à Austrália.

Cientistas reuniram dados de ninhos e medidas biométricas, com informações sobre o tempo de nidificação, duração da postura de ovos, tamanho da ninhada e maré. Eles marcaram adultos para que pudessem identificar os indivíduos.

Em junho de 2019, no seu relatório mais recente ao governo, os cientistas escreveram que as tartarugas-de-couro possuem duas nidificações de alta intensidade em Pequena Andaman: em South Bay e em West Bay. “O monitoramento indica que os ninhos de tartaruga-de-couro nas praias da Pequena Ilha de Andaman se recuperaram substancialmente após o tsunami de 2004”, relatam os cientistas. A equipe não pôde usar rastreadores de satélite depois de 2016, por falta de recursos, mas vai implantá-los novamente como parte de um projeto em andamento.

Conservando tartarugas-marinhas

Em uma carta datada de 19 de janeiro de 2021, Prakash Javadekar, ministro do meio ambiente da Índia, observou: “Além de ser o lar de uma das maiores congregações de nidificação das tartarugas Olive Ridley, cinco espécies de tartarugas marinhas são encontradas na Índia. Essas espécies encontradas nas águas marinhas da Índia foram listadas na Tabela 1 do Ato de Proteção à Vida Selvagem de 1972 e, portanto, receberam um status de proteção muito alto”. Ele estava escrevendo como parte de uma nota introdutória ao Plano de Ação Nacional para Tartarugas Marinhas de 2021 até 2026. Esse documento de 24 páginas tem como objetivo identificar ameaças a essas espécies marinhas e oferece uma lista de ações a serem realizadas para mitigá-las. Dentre as atividades a serem iniciadas este ano, estão a coleta e organização de dados existentes sobre ameaças; o estabelecimento de programas de coleta e monitoramento de dados de linha de base; e determinação de quais populações são afetadas pela captura acidental em pescarias e outras fontes de mortalidade.

As tartarugas marinhas são animais de maturação lenta e vida longa. Deveria haver estudos de longo-prazo para entendê-las melhor, idealmente, de acordo com o artigo de Swaminathan na revista Hornbill. O plano de ação das tartarugas marinhas oferece um roteiro para esses estudos, mas apenas por cinco anos. Contudo, se o plano do documento do NITI Aayog para Pequena Andaman for implementado, muitos pesquisadores da vida selvagem e especialistas do meio ambiente familiarizados com a ilha temem que as tartarugas-de-couro, que nadam pelos oceanos há milhões de anos, sejam empurradas um passo mais próximo da extinção.

“Pequena Andaman é um local importante de nidificação para as tartarugas-de-couro na região e um local de índice para monitoramento há quase 15 anos”, Shanker, um dos cientistas monitorando a ilha, contou ao Mongabay-Índia. “Mais importante, é um repositório significativo da biodiversidade endêmica da ilha e lar para o povo Onge. Enquanto há uma necessidade urgente para desenvolvimento social das comunidades locais nas ilhas, nós precisamos fazer cada esforço para assegurar que a integridade de seu local de herança cultural e ecológica seja preservado”.

Numa reunião de janeiro de 2021 do comitê permanente do National Board for Wildlife, presidido por Javadekar, o comitê discutiu a retirada de sua proteção do santuário da Baía de Galathea, na Grande Ilha de Nicobar.

O comitê determinou que um plano de administração compreensivo para conservação e proteção das tartarugas-de-couro na Grande Ilha de Nicobar deve ser preparado e seguido pela administração de Andaman e Nicobar, que governa o arquipélago. A ata da reunião informa que a administração “deve trazer mais áreas para a conservação da tartaruga-de-couro”.

Casa do povo Onge

A Survival International, uma ONG internacional que promove os direitos dos povos indígenas, lista os Onge como o povo nativo de Pequena Andaman. Até a década de 1940, esse povo era composto pelos únicos residentes permanentes da ilha. Existem agora quase 18.000 colonos na ilha, e os Onge estão restritos a uma reserva limitada. A Survival International conta a população de Onge em apenas 112 pessoas, tendo diminuído ao longo dos anos.

O cientista social Pankaj Sekhsaria, que estuda as ilhas Andaman e Nicobar há duas décadas, observou que essa região se enquadra na Zona Sísmica V da Índia, uma das zonas sísmicas mais ativas do mundo. O tsunami de dezembro de 2004 foi causado por um terremoto não muito distante de lá.

“Embora não seja o propósito de ninguém que toda a porção de terra seja despojada da cobertura florestal e as tribos relegadas à lata de lixo da história, certamente há uma questão convincente para limpar parte da terra”, afirma o documento de visão, citando um oficial indiano.

Um oficial florestal, numa comunicação privada com um oficial sênior do departamento florestal sobre o desenvolvimento proposto de Pequena Andaman que o Mongabay-Índia acessou, escreveu que mais de 2,4 milhões de árvores e 1,6 milhão de plantas de rattan (família Arecaceae), cujas canas são usadas na construção e artesanato, bem como outra vegetação, agora cobrem a área que o documento propõe que seja desenvolvida. “A área proposta para desvio se espalha por uma vasta extensão de florestas com configuração ondulante”, escreveu o oficial.

“Geologicamente, a ilha é muito recente e a área está sujeita à erosão do solo. A cobertura florestal existente fornece a força de ligação para unir a subsuperfície e o solo. O tipo de floresta é floresta tropical e a ilha recebe cerca de 2020 a 3774 mm de chuva anualmente, distribuída ao longo de oito meses, e a remoção da cobertura florestal acarretará severa erosão do topo do solo”.

O oficial florestal também citou um julgamento de 2002 da Suprema Corte da Índia que ordenou o fechamento de serrarias e remoção de invasões no arquipélago, visando a preservação da biodiversidade das ilhas e pedindo a suspensão imediata do corte de árvores. O tribunal proibiu o plantio de dendezeiros e devolveu ao departamento florestal o terreno alocado para isso.

“Sendo esse o ecossistema da ilha, um grande desvio de terras florestais como esse deve trazer uma perda ambiental óbvia, levando a danos irreversíveis”, alertou o oficial florestal.

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