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BRECHAS LEGAIS

Tráfico de animais exóticos aumenta chance de doenças zoonóticas

A partir da proibição total de vender espécies indianas pela Lei de Proteção à Vida Selvagem, contrabandistas mudaram para o comércio de animais exóticos.

7 de maio de 2021
Luna Mayra Fraga Cury Freitas | Redação ANDA
12 min. de leitura
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Foto: Cachar Forest Division

No dia 16 de março, cerca de dez dias antes do estado de Assam ir às urnas, fiscalizações de rotina estavam no posto de controle em Ghiladhari, no distrito de Golaghat, no nordeste do estado, quando a polícia parou um veículo particular, eles não estavam esperando por aquilo – araras, saguis prateados e micos-leões-de-cara-dourada, todos animais exóticos, geralmente encontrados na Floresta Amazônica no Brasil.

O caso foi então entregue ao departamento florestal, que passou para o departamento de alfândega, pois os animais encontrados eram de origem estrangeira. Os animais foram posteriormente enviados para o Zoológico Estadual e Jardins Botânicos de Assam, em Guwahati.

“Prendemos três pessoas”, disse um funcionário da alfândega de Golaghat. “O principal acusado é do estado de Tamil Nadu, enquanto as outras duas pessoas são motoristas originários de Manipur. Eles disseram que pegaram os animais do mercado Ima em Imphal e seu destino era Chennai. Estamos assumindo que esses animais entraram na Índia através da fronteira com Myanmar em Moreh.”

Houve vários casos no último ano em que animais exóticos foram apreendidos por diferentes agências de fiscalização em todo o nordeste da Índia. Em 19 de fevereiro, agência Assam Rifles and Customs resgatou 80 animais exóticos, incluindo espécies raras como tartaruga-leopardo, tartaruga de pés vermelhos, iguana amarela, laranja e verde, dragão barbudo e iguana albina ao redor da Ponte da Amizade sobre o rio Tayo, perto da fronteira Índia-Mianmar, no distrito de Champai de Mizoram.

Novamente, em 27 de janeiro deste ano, a Diretoria de Inteligência da Receita resgatou de Vairengte – a cidade fronteiriça de Mizoram-Assam, no distrito de Kolasib – 30 aves exóticas e um cercopiteco de orelhas vermelhas, um primata encontrado na África.

Em julho do ano passado uma grande carga chegou com um canguru da Austrália, seis araras-azuis, e dois macacos capuchinhos, todos nativos da América do Sul, e três tartarugas gigantes da Ilha de Seychelles foram apreendidos de Lailapur no distrito de Cachar, uma pequena cidade localizada na fronteira Assam-Mizoram.

A demanda por espécies exóticas tem aumentado na Índia ao longo dos anos. Isso foi reconhecido no Relatório Sore Contrabando na Índia 2019-2020 publicado pela Diretoria de Inteligência de Receitas, no ano passado, que disse: “Há uma tendência infeliz e crescente no contrabando de fauna ameaçada e exótica de diferentes partes do mundo para a Índia”.

“Uma vez que há uma proibição total do comércio de espécies indianas, o interesse dos contrabandistas mudou para espécies exóticas, o que levou a consequências ambientais globais desastrosas”, disse. “A extensa área de fronteira e a variedade de rotas aéreas são usadas para obter remessas de Bangkok, Malásia e outros destinos turísticos no sudeste da Ásia, bem como da Europa, de onde são enviadas para grandes cidades como Calcutá, Chennai, Hyderabad, Delhi, Bengaluru, Mumbai e Kochi.”

Afirmando que o contrabando de animais exóticos para a Índia não é uma tendência nova, Saket Badola, chefe nacional da rede TRAFFIC India, que monitora o comércio de animais selvagens, disse à agência de notícias Mongabay-Índia: “Na verdade, a Índia está emergindo lentamente como um grande mercado de demanda por animais exóticos”.

“Pessoas com renda excedente estão adquirindo esses animais por diversão ou para se exibir em sua coleção privada”, disse Badola. “Como o comércio de muitas das espécies mais desejadas é regulamentado sob a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres, a maioria desses animais são adquiridos ilegalmente.”

“Nossas agências de fiscalização tornaram-se muito ativas sobre o crime contra a vida selvagem e, devido a isso, estamos tendo mais apreensões”, disse o investigador de crimes contra a vida selvagem Rahul Dutta. “Este tem sido um esforço prolongado que agora está dando resultados. Mas também há uma grande demanda por esses animais na Índia. Há o Mercado Crawford em Mumbai, que é notório pelo comércio de espécies exóticas. Agora, grandes criadouros/cativeiros estão chegando em lugares como Pune, onde espécies exóticas estão sendo reproduzidas.”

Foto: Cachar Forest Division

Recomendação governamental

Para regular este crescente mercado não documentado de animais exóticos no país, o Ministério do Meio Ambiente, Florestas e Mudanças Climáticas emitiu no ano passado uma Recomendação para lidar com a declaração de estoque de espécies exóticas vivas (espécies listadas sob o apêndice I, II e III do CITES – Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção), para registrar a importação de espécies exóticas vivas, descendentes/crias dos animais em estoques e transferência/transporte de estoque na Índia.

De acordo com um relatório publicado recentemente no jornal IndiaSpend, 32.645 indianos declararam seu estoque de animais exóticos até fevereiro. Inicialmente, um prazo de seis meses aberto até 15 de dezembro de 2020, foi dado aos indianos dispostos a declarar voluntariamente seu estoque de animais exóticos, embora mais tarde a janela tenha sido estendida até 15 de março.

Indicando que o recente aumento na apreensão de animais exóticos no nordeste da Índia é resultado da recomendação governamental, Agni Mitra, vice-diretora regional (Leste) da Agência de Controle de Crimes Contra a Vida Selvagem, disse à agência de notícias Mongabay-India: “Anteriormente havia algum nível de entrada de animais exóticos na Índia, especialmente de Bangladesh via Meghalaya, Assam e fronteiras de Bengala Ocidental”.

“A recomendação do Ministério do Meio Ambiente forneceu uma espécie de anistia às pessoas que possuem animais exóticos, pois poderiam declarar seu estoque de animais exóticos mesmo sem documentação adequada e nenhuma pergunta seria feita”, disse Mitra. “Então, por causa disso, houve pressa na aquisição de animais e aves protegidas pela CITES e é por isso que temos visto um aumento múltiplo no número de apreensões no nordeste da Índia e em Bengala Ocidental também. A partir de agora, as pessoas que levares espécies exóticas, só podem fazê-lo depois de mostrar documentos válidos.”

Vigilância das rotas

No último ano, a maioria das apreensões de animais exóticos no nordeste da Índia ocorreram em Mizoram. Como o Estado compartilha sua fronteira com Bangladesh e Mianmar, presume-se que as remessas estão entrando no Nordeste através de algum desses dois países.

Sunnydeo Choudhury, oficial florestal da divisão Cachar, que havia liderado a operação na cidade de Lailapur em julho passado, na qual vários animais vivos como cangurus, araras e tartarugas gigantes foram resgatados, disse: “Nesse incidente, prendemos duas pessoas, o motorista e ajudante do caminhão que transportava a remessa.”

“Durante o interrogatório, eles disseram que recolheram a remessa vinda de Mizoram e não sabiam nada além disso”, disse ele. “Das apreensões, temos materiais como sabonetes que eram de Mianmar e Tailândia. Então, só podemos especular que os animais podem ter vindo desses países, mas não temos nenhuma evidência concreta agora para estabelecer isso.”

Dutta disse que após a Covid-19, pode haver uma mudança nas rotas usadas pelos contrabandistas. “Animais exóticos entram na Índia principalmente através da fronteira indo-bangladesh em Assam e Meghalaya”, disse Dutta. “No entanto, após a Covid-19, a verificação na fronteira de Bangladesh tornou-se mais rigorosa.”

“Isso aumenta a chance de as remessas serem detectadas, o que também atrasa todo o processo”, disse Dutta. “Os comerciantes querem que suas remessas cheguem ao seu destino o mais rápido possível, porque essas remessas são animais vivos. Se o atraso causar a morte dos animais no caminho, os comerciantes não receberão dinheiro. Então, agora uma nova rota via Myanmar talvez seja usada.

Mianmar está atualmente passando por uma turbulência, após um golpe militar que depôs o governo democraticamente eleito no país. Badola disse que as agências de fiscalização precisam ficar atentas à situação em Mianmar. “No nordeste da Índia, Mianmar é certamente a rota mais proeminente no momento, embora existam outras rotas terrestres como Nepal e Bangladesh”, disse ele. “Considerando a situação predominante em Mianmar, as agências de fiscalização e aplicação das leis de proteção da vida selvagem precisam vigiar de perto as áreas fronteiriças.”

“A situação política atual pode interromper ou potencializar o comércio ilegal de animais selvagens através de Mianmar”, disse ele. “Se o comércio diminuir por essa rota, a vigilância precisa ser reforçada em outras rotas de trânsito, porque os contrabandistas são conhecidos por fazer tais mudanças diante de condições adversas em um local.”

Mitra, da Agência de Controle de Crimes Contra a Vida Selvagem, disse que atualmente não há indicação de que o golpe tenha qualquer impacto claro no comércio de animais exóticos na Índia.
“A maioria desses animais exóticos entra na Índia através da fronteira com Bangladesh”, disse ele. “Em relação a Mianmar, suas regiões norte e leste são de qualquer maneira controladas pelos rebeldes e o governo eleito ou o governo militar têm pouca influência sobre essas áreas.”

“No entanto, há o Triângulo Dourado, onde o território Birmanês encontra o Laos na porção oriental e a Tailândia na porção sul”, disse ele. “Devido à multiplicidade de agências de fiscalização de diferentes países, essa área é um refúgio para atividades ilegais como jogos de azar, contrabando de drogas e comércio de itens ilegais, como armas, moedas falsa e produtos de vida selvagem. Então, partes de Mianmar sempre foram um terreno fértil para o contrabando de animais selvagens. Mas eu não acho que o golpe recente tenha qualquer impacto no comércio de animais exóticos”.

Foto: Cachar Forest Division

Lacunas legais

As duas pessoas presas em Cachar no ano passado, depois que animais raros como cangurus, araras e tartarugas gigantes foram apreendidos de seu caminhão, acabaram recebendo fiança da Alta Corte de Gauhati.

O tribunal observou, “como os animais apreendidos não estão sob a alçada da Lei de Proteção da Vida Selvagem nº 1972, a detenção dos peticionários não seria permitida nos termos desta lei e, uma vez que o único caso registrado contra os peticionários está sob a Lei de Proteção de Vida Selvagem nº 1972, o Tribunal entende que os peticionários terão o direito de sair sob fiança quanto ao caso supracitado sob a Lei de Proteção à Vida Selvagem nº 1972, a menos que fossem processados em conexão com qualquer outro caso.”

Na Índia, há uma lacuna legal, pois o comércio de animais exóticos não está sob a alçada da Lei de Proteção da Vida Selvagem nº 1972. Isso muitas vezes dificulta processar pessoas envolvidas no comércio de animais exóticos.

“O objetivo da Lei de Proteção à Vida Selvagem era garantir principalmente a proteção da vida selvagem indiana”, disse Mitra. “Sendo o país um membro da CITES desde 1976, temos a obrigação internacional de proteger espécies ameaçadas de extinção de outros países também. Em nosso país, o CITES é implementado através da Lei aduaneira de 1962. As disposições da Lei aduaneira só podem ser aplicadas quando há uma travessia da fronteira internacional ou quando o contrabando é claramente feito.”

“Então, se um animal exótico está a 100 km dentro do território do nosso país e não pode ser claramente estabelecido que ele foi contrabandeado, não temos nenhuma legislação para processar os infratores”, disse Mitra. “Para suprir essa lacuna, o ministério promoveu essa anistia onde todos os animais CITES devem ser declarados.”

Ameaça de espécies

Desde que a pandemia de Covid-19 deixou o mundo parado, a ameaça de doenças zoonóticas é algo que está sendo levado mais a sério. Uma vez que o comércio de animais exóticos é realizado principalmente ilegalmente, há sempre o risco de eles serem portadores de um vírus com este potencial.

Elaborando sobre a ameaça do comércio de espécies exóticas, Badola disse: “Há duas grandes ameaças de espécies exóticas.”

“Primeiro, há o risco de surto de doença zoonótica”, disse Badola. “Como esses animais estão entrando ilegalmente na Índia, nenhuma regra de quarentena ou protocolo de higiene é seguido. Pode ser o ponto de origem de uma nova doença zoonótica. Em segundo lugar, se esses animais escaparem da tutela dos guardiões ou forem deliberadamente soltos, eles podem alterar o padrão da fauna local.”

“Há o caso de tartarugas-de-orelha-vermelha – de uma raça americana –, que são mantidas em grande número por pessoas na Índia”, disse Badola. “Acredita-se que essas tartarugas que agora ocupam o Lago Sukhna, Chandigarh, interfiram com as espécies nativas, impactando-as negativamente. É uma situação tão prejudicial quanto a disseminação de uma espécie invasora alienígena como as plantas lantana.”

Destino final

Os animais que foram apreendidos em Cachar no ano passado, bem como os de Golaghat no mês passado, estão atualmente alojados no Zoológico e Jardim Botânico Estadual de Assam em Guwahati. No entanto, ninguém sabe por quanto tempo eles serão mantidos no zoológico.

Afirmando que o zoológico é apenas o cuidador dos animais resgatados por enquanto, Tejas Matiswamy, responsável pelo Zoológico Estadual de Assam disse: “É difícil dizer quanto tempo esses animais serão mantidos aqui. Não podemos libertá-los sem saber de onde vieram. É um processo legal que levará algum tempo.”

Muitas vezes, o maior desafio é descobrir o país de origem dos animais resgatados, especialmente se a espécie é encontrada em vários países. Mas mesmo que o país de origem seja estabelecido, o processo para devolver o animal ao seu país original é altamente complicado.

“A CITES diz que o país de origem do animal deve recuperar o animal e arcar com o custo de transporte”, disse Mitra. “No entanto, muitos desses animais apreendidos foram criados em cativeiro. Por exemplo, se um canguru é apreendido na Índia, isso não significa que o animal veio da Austrália.”

“Há mais chances de ser criado em cativeiro em um país do Sudeste Asiático”, disse Mitra. “Como esses animais criados em cativeiro também podem ser geneticamente misturados, seus países de origem podem não estar interessados em levá-los de volta, especialmente em um cenário pós-Covid-19.”

“Além disso, se o país de origem não for economicamente forte, eles podem estar desinteressados por razões financeiras”, disse Mitra. “Então, nesse caso, esses animais terão que passar o resto de suas vidas em um zoológico.”

Foto: Cachar Forest Division

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