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Poluição sonora nos oceanos alcança níveis recordes

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14 de fevereiro de 2021
Sabrina Imbler (The New York Times) | Traduzido por Luna Mayra Fraga Cury FreitasSabrina Imbler (The New York Times) | Traduzido por Luna Mayra Fraga Cury FreitasSabrina Imbler (The New York Times) | Traduzido por Luna Mayra Fraga Cury FreitasSabrina Imbler (The New York Times) | Traduzido por Luna Mayra Fraga Cury Freitas
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Foto: Pixabay

Embora os peixes-palhaço sejam concebidos em recifes de corais, eles passam a primeira parte de suas vidas como larvas à deriva no oceano aberto. Os peixes ainda não são laranja, listrados ou mesmo capazes de nadar. Eles ainda são plâncton, um termo que vem da palavra grega para “andarilho”, e vagueiam por aí, à deriva à mercê das correntes em uma aventura oceânica.

Quando o peixe palhaço bebê cresce o suficiente para nadar contra a maré, eles nadam apressadamente para casa. Os peixes não podem ver o recife, mas eles podem ouvir o seu estalo, grunhido, trepidando e coaxando. Esses ruídos compõem a paisagem sonora de um recife saudável, e os peixes larvais dependem dessas paisagens sonoras para encontrar o caminho de volta para os recifes, onde passarão o resto de suas vidas — isto é, se eles conseguirem ouvi-los.

Mas os humanos — e seus navios, pesquisas sísmicas, pistolas de ar, pilões de extração, pesca com dinamite, plataformas de perfuração, lanchas e até mesmo surfe — tornaram o oceano um lugar insuportavelmente barulhento para a vida marinha, de acordo com um relatório abrangente sobre a prevalência e intensidade dos impactos do ruído antropogênico do oceano, publicado na quinta-feira na revista Science. O artigo, uma colaboração entre 25 autores de todo o mundo e vários campos da acústica marinha, é a maior síntese de evidências sobre os efeitos da poluição sonora oceânica.

“Eles acertaram bem no alvo”, disse Kerri Seger, cientista sênior da Applied Ocean Sciences, que não estava envolvida com a pesquisa. “Lá pela terceira página, eu estava pensando, ‘eu vou enviar isso para os meus alunos.’”

O ruído antropogênico muitas vezes abafa as paisagens sonoras naturais, colocando a vida marinha sob imenso estresse. No caso de filhotes de peixe palhaço, o barulho pode até condená-los a vagar pelos mares sem direção, incapazes de encontrar o caminho de casa.

“O ciclo está quebrado”, disse Carlos Duarte, ecologista marinho da Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah, na Arábia Saudita, e autor principal do artigo. “A trilha sonora de casa agora é difícil de ouvir, e em muitos casos desapareceu.”

Abafando os sinais

No oceano, pistas visuais desaparecem depois de dezenas de metros, e pistas químicas se dissipam após centenas de metros. Mas o som pode viajar milhares de quilômetros e ligar animais através de bacias oceânicas pela escuridão, disse o Dr. Duarte. Como resultado, muitas espécies marinhas são impecavelmente adaptadas para detectar e se comunicar usando o som. Golfinhos se chamam por nomes únicos. Peixes-sapo zumbem. Focas barbudas trilam. Baleias cantam.

Os cientistas já estão cientes do ruído antropogênico subaquático, e até onde ele se propaga, há cerca de um século, de acordo com Christine Erbe, diretora do Centro de Ciência e Tecnologia Marinha da Universidade de Curtin, em Perth, Austrália, e autora do artigo. Mas pesquisas iniciais sobre como o ruído pode afetar a vida marinha se concentraram em como animais de grande porte individuais responderam a fontes de ruído temporárias, como uma baleia fazendo um desvio em torno de plataformas de petróleo durante sua migração.

O novo estudo mapeia como o ruído subaquático afeta inúmeros grupos de vida marinha, incluindo zooplâncton e águas-vivas. “A extensão do problema da poluição sonora só nos chamou atenção recentemente”, escreveu o Dr. Erbe em um e-mail.

A ideia de fazer o artigo ocorreu ao Dr. Duarte há sete anos. Ele teve conhecimento da importância do som do oceano durante grande parte de sua longa carreira como ecologista, mas sentiu que a questão não era reconhecida em escala global. Dr. Duarte descobriu que a comunidade científica que se concentrava em estudar paisagens sonoras oceânicas era relativamente pequena e fragmentada, por exemplo, vocalizações de mamíferos marinhos em um canto, e atividade sísmica subaquática, tomografia acústica e formuladores de políticas em outros cantos distantes do universo científico.

“Todos nós estivemos em nossas pequenas corridas de ouro”, disse Steve Simpson, biólogo marinho da Universidade de Exeter, na Inglaterra, e autor do artigo.

Dr. Duarte queria reunir os vários cantos para sintetizar todas as evidências que tinham reunido em uma única conversa; talvez algo tão grande resultaria finalmente em mudanças políticas.

Os autores examinaram mais de 10.000 artigos para garantir que captassem todos os tentáculos de pesquisas de acústica marinha das últimas décadas, de acordo com o Dr. Simpson. Padrões rapidamente surgiram demonstrando os efeitos prejudiciais que o ruído tem em quase toda a vida marinha. “Com toda essa pesquisa, você percebe que sabe mais do que pensa que sabe”, disse ele.

Simpson estudou bioacústica subaquática – como peixes e invertebrados marinhos percebem seu ambiente e se comunicam através do som – por 20 anos. No campo, ele se acostumou a esperar por um navio que passava para resmungar antes de voltar ao trabalho estudando os peixes. “Eu percebi: ‘Oh vou esperar este navio barulhento passar para continuar minhas experiências com peixes, todos os dias'”, disse ele.

A vida marinha pode se adaptar à poluição sonora nadando, rastejando ou escorrendo para longe dela, o que significa que alguns animais são mais bem sucedidos do que outros. As baleias podem aprender a contornar rotas de navegação movimentadas e os peixes podem desviar-se da vibração de um navio de pesca que se aproxima, mas criaturas bentônicas como pepinos marinhos, que se movem lentamente, têm poucos recursos.

Se o barulho se instala mais permanentemente, alguns animais simplesmente saem para sempre daquela região. Quando dispositivos de incômodo acústico foram instalados para impedir que focas fossem presas em fazendas de salmão no Arquipélago de Broughton, na Colúmbia Britânica, as populações de baleias assassinas diminuíram significativamente até que os dispositivos fossem removidos, de acordo com um estudo de 2002.

Essas evacuações forçadas reduzem o tamanho da população das espécies à medida que mais animais desistem daquele território e passam a competir pelas mesmas reservas de recursos. E certas espécies que estão ligadas a faixas biogeográficas limitadas, como o golfinho de Maui, em extinção, não têm para onde ir. “Os animais não podem evitar o som porque está em toda parte”, disse o Dr. Duarte.

Mesmo sons temporários podem causar danos auditivos crônicos nas criaturas marinha azaradas suficiente para serem pegas na esteira acústica. Tanto peixes quanto mamíferos marinhos têm células ciliares, receptoras sensoriais para audição. Os peixes podem regenerar essas células, mas os mamíferos marinhos provavelmente não podem.

Felizmente, ao contrário de gases de efeito estufa ou produtos químicos, o som é um poluente relativamente controlável. “O barulho é o problema mais fácil de resolver no oceano”, disse o Dr. Simpson. “Sabemos exatamente o que causa o barulho, sabemos onde está, e sabemos como pará-lo.”

Em busca de silêncio

Muitas soluções para a poluição sonora antropogênica já existem, e são até bastante simples. “Desacelere, mude a rota de navegação, evite áreas sensíveis, mude as hélices”, disse o Dr. Simpson. Muitas embarcações dependem de hélices que causam uma grande quantidade de cavitação: bolhas minúsculas se formam ao redor da lâmina da hélice e produzem um barulho horrível. Mas projetos mais silenciosos existem, ou estão em andamento.

“O design da hélice é um campo tecnológico que se desenvolve muito rápido”, disse o Dr. Simpson. Outras inovações incluem cortinas de bolha, que podem envolver um pilão de extração e isolar o som.

Os pesquisadores também apontaram a mineração em alto mar como uma indústria emergente que poderia se tornar uma grande fonte de ruído subaquático, e sugeriram que novas tecnologias poderiam ser projetadas para minimizar o som antes do início da mineração comercial.

Os autores esperam que o artigo alcance os formuladores de políticas, que historicamente ignoraram o ruído como um estressor antropogênico significativo na vida marinha. O acordo das Nações Unidas sobre o Mar B.B.N.J., documento que gerencia a biodiversidade em áreas além da jurisdição nacional, não menciona ruídos entre sua lista de impactos cumulativos.

O 14º objetivo de desenvolvimento sustentável da ONU, que se concentra na vida subaquática, não menciona explicitamente o ruído, de acordo com o Dr. Seger da revista Applied Ocean Sciences. “A ONU teve uma semana para discutir o barulho no oceano na qual eles sentaram e escutaram e depois passaram para a próxima pauta”, disse ela.

O artigo na revista Science passou por três rodadas de edição, a última das quais ocorreu depois que a Covid-19 criou muitos experimentos não planejados: a atividade marítima desacelerou, os oceanos ficaram relativamente silenciosos, e mamíferos marinhos e tubarões voltaram para vias navegáveis anteriormente barulhentas onde raramente eram vistos. “A recuperação pode ser quase imediata”, disse o Dr. Duarte.

Vivo e sonoro

Um oceano saudável não é um oceano silencioso – granizo crepitando em ondas de crista branca, a água batendo nas geleiras, gases borbulhando de aberturas hidrotermais, e inúmeras criaturas murmurando, rangendo e cantando são todos sinais de um ambiente normal. Uma das 20 autoras do artigo é a artista multimídia Jana Winderen, que criou uma faixa de áudio de seis minutos que mudava de um oceano saudável — os cantos de focas barbudas, agarrando crustáceos e chuva — para um oceano perturbado, com lanchas e empilhadeiras.

Um ano atrás, enquanto estudava espécies invasoras em prados de grama do mar em águas próximas à Grécia, o Dr. Duarte estava prestes a subir para respirar quando ouviu um estrondo horrível acima dele: “um enorme navio de guerra em cima de mim, indo a toda velocidade.” Ele ficou colado ao fundo do mar até o navio da marinha passar, com o cuidado de diminuir a respiração e não esgotar o tanque. Cerca de 10 minutos depois, o som diminuiu e Dr. Duarte foi capaz de chegar em segurança até a superfície. “Eu consigo entender o que essas criaturas passam”, disse ele.

Quando navios de guerra e outros ruídos antropogênicos cessam, prados de grama do mar têm uma paisagem sonora inteiramente própria. Durante o dia, os prados fotossintéticos geram pequenas bolhas de oxigênio que oscilam até a coluna de água, crescendo até estourarem. Juntas, as explosões de bolhas fazem um som cintilante como muitos sinos, acenando para os peixes larvais voltarem para casa.

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