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Pandemia ameaça meio século de esforços para proteger macacos raros

2 de setembro de 2020
6 min. de leitura
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Pixabay

A propagação desenfreada da Covid-19 em todo o Brasil está ameaçando mais de meio século de esforços de preservação para proteger um pequeno macaco laranja brilhante chamado mico-leão-dourado.

Batizados em função das jubas leoninas e encontrados apenas no Brasil, os micos-leões-dourados encolheram em número para meros 200 na década de 1970, devido à captura para o comércio de animais de estimação e da destruição e fragmentação de seu habitat na Mata Atlântica. Uma série de esforços — que vão desde pesquisas genéticas e reprodutivas até reprodução em cativeiro e realocação em áreas de habitat que precisam do maior aumento populacional — aumentaram seu número para cerca de 3.700 até 2014.

Logo depois disso, outro revés: um surto de febre amarela em 2017 matou cerca de 30% da população restaurados. Neste momento, um esforço de anos para vacinar os macacos contra a febre amarela foi suspenso por causa da pandemia do novo coronavírus.

“Foi uma surpresa ver que os micos morreram de febre amarela”, diz Russ Mittermeier, diretor de conservação da organização sem fins lucrativos Global Wildlife Conservation, que estuda o mico-leão-dourado desde a década de 1970. Já se sabia que outras espécies de macacos eram suscetíveis à doença, mas não os micos-leões-dourados. “Outro surto seria desastroso.”

População despenca

Em meados de 2017, os micos-leões dourados começaram a desaparecer.

Carlos Ramon Ruiz-Miranda, primatologista da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e seus colegas estavam terminando um levantamento de rotina da população do miquinho. O Brasil estava no meio de seu pior surto de febre amarela em 80 anos, que varreu todo o sudeste do país, matando mais de 250 pessoas e milhares de macacos na Mata Atlântica.

Quando Ruiz-Miranda não encontrou nenhum dos micos-leões-dourados na Reserva Biológica Poço das Antas, principal região de estudo desde 1985, sentiu-se frustrado.
“Eu fiquei preocupado e um pouco assustado porque é uma grande população, e houve essa súbita percepção de que algo ruim tinha acontecido”, diz ele.

Logo, os moradores começaram a ligar para o pesquisador reportando sobre micos-leões-dourados doentes deitados no chão, incapazes de subir nas árvores.

“É realmente raro encontrar micos-leões-dourados mortos deitados em um pasto”, diz Ruiz-Miranda, que também é presidente da Associação de Micos Leão Dourado, um grupo de conservação com sede no Brasil. Os macacos tendem a ficar na floresta, apenas cruzando pastos brevemente quando vão de um fragmento de floresta para outro e suas carcaças desaparecem rapidamente, devido a predadores e à alta umidade de onde vivem. “Em todos os anos que trabalhei com eles, nunca tinha visto isso antes.”

Em maio de 2018, cientistas confirmaram a primeira morte de mico-leão-dourado por febre amarela. No ano seguinte, um estudo mostrou o quão terrível era a situação; o surto de febre amarela fez com que a população caísse quase um terço, para apenas 2.516 macacos encontrados hoje. Na Reserva Biológica Poço das Antas, no Rio de Janeiro. Pesquisadores confirmaram que 30 micos-leões-dourados ainda viviam lá, mas a população da reserva despencou 70%.

Ruiz-Miranda e outros pesquisadores da Associação de Micos do Leão Dourado e Save the Golden Lion Tamarin, uma instituição de caridade com sede nos EUA, decidiram que uma vacina era sua melhor chance de salvar a espécie.

Em muitos casos, vacinar populações inteiras de primatas seria impossível, mas os micos-leões-dourados vivem em uma pequena região e são acompanhados de perto por pesquisadores, por isso parecia viável, diz Sérgio Lucena, primatologista e diretor do Instituto Nacional da Mata Atlântica. Para ter sucesso, diz ele, “a vacina tem que ser usada de forma muito exata e dentro de uma área muito restrita”.

Depois que a primeira rodada de vacinas — uma versão diluída do que é administrado aos seres humanos — foi aplicada nos micos-leões-dourados em cativeiro e considerada segura, o maior obstáculo foi obter permissão para aplicá-la nos macacos na floresta. Esta foi a primeira vez que esta modalidade de intervenção foi solicitada ao governo e não havia um processo claro para que fosse aprovada.

Ruiz-Miranda e sua equipe estavam esperando por uma última permissão para ir a campo vacinar cinco dos grupos sociais dos macacos, quando começou a pandemia de Covid-19.

Vacinando macacos durante uma pandemia

Trabalhando em casa e impossibilitados de ir para o campo e continuar seu trabalho, os pesquisadores perderam sete meses em espera.

“Ficamos muito frustrados e irritados com a burocracia”, diz Ruiz-Miranda. “Estávamos fazendo ligações semanais para tentar avançar com a vacinação e ter uma resposta rápida à percepção de que tínhamos perdido os micos.”

Finalmente, após muita insistência, conseguiram o que precisavam no mês de agosto. A permissão foi dada para o retorno ao campo em setembro. Uma vez que os primeiros grupos tiverem sido vacinados e transferidos, os micos-leões-dourados serão observados por seis meses a um ano antes que o mesmo tratamento seja dispensado a outros indivíduos da espécie.

Para proteger os pesquisadores da disseminação da Covid-19, eles agora viajarão para a floresta em equipes de dois, o que exigirá mais veículos e aumentará o tempo e os custos necessários para realizar seu trabalho. Apenas três pessoas poderão permanecer no laboratório por vez e eles usarão máscaras o tempo todo, não apenas durante o manuseio dos macacos. (Não há evidência de que micos-leões-dourados possam ser contagiados por humanos com coronavírus, mas também não há evidências de que eles não se contagiem entre si.)

Leva-se até três dias para que os micos-leões-dourados que são monitorados com telemetria sejam encontrados; aqueles sem transmissores de rádio podem levar dois meses para serem rastreados. Uma vez encontrados, eles são colocados em uma espécie de gaiola especial e são sedados para a coleta de amostras de sangue, swabs (amostras de tecidos em cotonete) e realização de exame completo de saúde. A vacina contra a febre amarela pode ser administrada com os animais acordados

Se tudo correr bem, o objetivo é vacinar 500 micos-leões-dourados, a população mínima viável para manter a espécie viva na natureza. Ruiz-Miranda espera que o tempo que perderam para a COVID-19 ainda não tenha afetado gravemente a saúde da população.
“Quanto menor a população, maior a probabilidade de que qualquer pequeno evento catastrófico possa eliminá-la”, diz ele. “Se nada for feito, podemos começar a ter extinções locais.”


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