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Lockdown antecipa desmatamento na Ásia e América do Sul

13 de julho de 2020
12 min. de leitura
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O aumento da atividade madeireira tem sido relatado no Brasil, Colômbia, Camboja, Indonésia, Nepal e Madagascar desde o início da pandemia da Covid-19.

O monitoramento reduzido pelas autoridades responsáveis e a agitação social foram citados como razões para o aumento.

Grupos ambientalistas estão preocupados com uma provável desregulamentação dos negócios, pelos governos, que seria desencadeada pela recessão econômica global já esperada, isso resultaria em uma recuperação menos verde.

Pixabay

Em 15 de maio, as autoridades da província de Si Sa Ket, no nordeste da Tailândia, prenderam dois cambojanos e seis trabalhadores tailandeses por remover ilegalmente uma grande árvore de jacarandá siamês de uma área designada como santuário da vida selvagem.

Os oito homens retiraram a árvore do chão e tentaram convencer os oficiais do Santuário da Vida Selvagem de Huai Sala de que a estavam replantando em outro lugar, segundo um relatório da Asian News Network.

Mas um dos cambojanos finalmente confessou ter contratado os homens por cerca de US $ 6.200, a árvore é avaliada em mais de US $ 70.000.

O jacarandá siamês foi descrito pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) como o “produto natural mais traficado no mundo”, representando um terço de todas as apreensões em valor entre 2005 e 2014. A demanda vem principalmente da China, onde é transformada em móveis de luxo hongmu.

O incidente revela que, apesar dos lockdowns impostos pelo governo e da inércia econômica mundial como resultado da pandemia, ainda há meios para extrair produtos de florestas tropicais ilegalmente e, ainda, há demanda por esses produtos. De acordo com reportagem realizada para o Mongabay, situações semelhantes estão ocorrendo nos trópicos, com relatos de aumento de atividade em vários países da Ásia e América do Sul, principalmente.

Até o momento, há evidências firmes do aumento da derrubada de florestas no Brasil, Colômbia, Camboja, Indonésia, Nepal e Madagascar, com mais relatos anedóticos vindos de Mianmar e Peru.

Brasil

Taxas mais altas de desmatamento no Brasil foram amplamente divulgadas, mas bem antes da crise do coronavírus. A Amazônia brasileira perdeu mais de 9.000 quilômetros quadrados de cobertura florestal do ano passado até março deste ano, a maior perda anual registrada desde 2008, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

A perda de florestas em abril aumentou 64% no mesmo período de 2019 e totalizou 1.200 quilômetros quadrados nos primeiros quatro meses do ano, um aumento de 55%. “Isso inclui o desmatamento em áreas protegidas por lei, como os parques nacionais Mapinguari, Campos Amazônicos, Juruena e Acari”, em um comunicado do WWF ao Mongabay.

O WWF acrescentou que, embora o governo tenha enviado militares para impedir o desmatamento ilegal, isso estava prejudicando o trabalho de agências ambientais, incluindo a autoridade ambiental federal do IBAMA.

“Acreditamos que esse esforço será insuficiente para proteger a floresta tropical se o governo federal continuar a enviar sinais de que está do lado de grileiros, mineradores e madeireiros ilegais”.

Indonésia

A Rainforest Action Network (RAN) disse à Mongabay que houve um aumento nas taxas de desmatamento para dar lugar a plantações de dendezeiros em oito áreas separadas do ecossistema Leuser na ilha de Sumatra. Disse, também, que é uma violação das leis indonésias e das políticas de desmatamento zero pelas principais marcas de varejo que compram óleo de palma nessa parte do mundo.

“No início deste ano, houve um grande aumento das máquinas trazidas pelas empresas”, disse a diretora de política florestal da RAN Gemma Tillack em entrevista. “Houve aumento no desmatamento nas concessões de oito empresas diferentes para o desenvolvimento do óleo de palma”.

Qualquer perda de floresta pode ter um impacto sobre os tigres, rinocerontes e orangotangos de Sumatra – todos considerados em perigo crítico pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) – com a população estimada em menos de 400 e os rinocerontes em menos de 80. A fragmentação do habitat intensifica as graves ameaças que essas e outras espécies têm enfrentado por conta do aumento do risco da caça ilegal e conflito com as comunidades locais.

Tillack disse que o aumento do desmatamento também é preocupante, porque houve um declínio constante nos quatro ou cinco anos até 2019. “Esse aumento inesperado ameaça minar anos de progresso na melhoria do status internacional e na supervisão de conservação do ecossistema Leuser”, disse ela.

Dizer que o aumento da atividade foi causado especificamente pelo lockdown é questionável, mas Øyvind Eggen, da Rainforest Foundation Norway (RFN), diz ter certeza de que existe uma correlação.

“Onde a presença do governo e das ONGs é reduzida, há caminho para atividades ilegais”, disse ele em entrevista. “Temos relatos de centenas de mineiros chegando em barcos nos rios, principalmente no Brasil e no Peru. Os preços do ouro aumentaram devido à crise financeira, o que obviamente é um fator, mas, no momento, achamos que a redução na aplicação da lei é mais significativa.”

Camboja

O aumento da exploração madeireira no Prey Lang Wildlife Refuge (Refúgio da Vida Selvagem Prey Lang – em tradução livre), no Camboja, tem sido amplamente registrado. Há evidências sobre isso tanto no laboratório Global Land Analysis and Discovery (GLAD) da Universidade de Maryland, que registrou mais de 22.000 alertas durante a semana de 27 de abril, quanto nos relatórios da Prey Lang Community Network (PLCN).

“Temos observado o transporte de madeira na floresta”, disse Hoeun Sopheap, da PLCN, em um e-mail. “Também houve relatórios do Ministério do Meio Ambiente que encontrou 399 casos de extração ilegal de madeira durante 511 patrulhas em quatro meses”.

Segundo a PLCN, o governo do Camboja a proibiu de patrulhar Prey Lang em fevereiro e isso coincidiu com o aumento das atividades ilegais.

“O motivo pelo qual o governo proibiu a PLCN de patrulhar foi porque não queria que víssemos as atividades ilegais de extração de madeira e compartilhássemos essas informações publicamente ou com a mídia”, disse Sopheap.

Colômbia

Na Colômbia, o Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas (SINCHI) registrou quase 13.000 “hot points”, indicando um maior risco de incêndios florestais no mês de março – três vezes mais do que os 4.700 detectados em março de 2019. Os hotspots nem sempre indicam um incêndio florestal, mas, segundo os cientistas, 93% são posteriormente confirmados como um.

Vários incêndios ocorreram no Parque Nacional Chiribiquete, que, tendo 43.000 quilômetros quadrados, é o maior parque nacional da Colômbia e o maior parque nacional do mundo protegendo a floresta tropical.

“Desde que a Colômbia entrou em lockdown no final de março, os voos de monitoramento das forças armadas que normalmente circulam na região reduziram significativamente”, afirmou o WWF em comunicado. “Isso poderia permitir que grupos armados se aproveitassem dessa falta de controle ambiental e continuassem a limpar a área para gado, plantações de coca ou outras culturas, enquanto as medidas de quarentena persistirem”.

Madagascar

Os representantes do WWF disseram que suas ONGs parceiras em Madagascar relataram um aumento de extração nos manguezais para a produção de carvão vegetal no noroeste do país. Acredita-se que tenham ocorrido invasões em outras áreas também.

Novamente, a ausência de fiscalização e monitoramento pode ser um fator para isso, assim como a suspensão das atividades econômicas, deixando “as comunidades tradicionais de agricultura e pesca sem outra escolha senão explorar florestas e manguezais para atender às suas necessidades mais básicas de alimentos e combustível”, disse o WWF.

Nepal

O Departamento de Parques Nacionais e Conservação da Vida Selvagem do Nepal e o WWF-Nepal realizaram uma análise preliminar dos dados de casos de 11 áreas protegidas e registraram um aumento na extração ilegal de recursos florestais em comparação com o mês anterior ao início do lockdown, com a caça especialmente alta em áreas importantes de habitat de tigres.

Mais casos de extração ilegal, de madeira ou de outros produtos florestais, foram registrados no período de um mês logo após o lockdown, segundo o relatório do WWF-Nepal, em comparação a quase todo o ano anterior – 514, contra 483 em 11 meses. Além disso, nos primeiros 10 dias de abril foram registrados mais 610 casos.

“Essa pressão crescente coloca os esforços contínuos da recuperação de mais de 1,3 milhão de hectares de florestas críticas e décadas de esforços de conservação, mundialmente louvados, sob risco de degradação”, disse o WWF ao Mongabay em comunicado.

Em entrevista ao Mongabay, Alistair Monument, líder do WWF em prática florestal global, disse: “A teoria é que muitas pessoas estão retornando da Índia, onde trabalham em lugares como Terai [a área de planície do sul do Nepal] e isso resultou no aumento da extração ilegal de madeira e outras atividades. Acreditamos que pode haver outros riscos, como caça ilegal também.”

Os animais selvagens conhecidos por terem sido furtados incluem um elefante asiático, três gaviais (uma espécie de crocodilo encontrada hoje apenas na Índia, Bangladesh e Nepal e avaliada como criticamente ameaçada na Lista Vermelha da IUCN) e seis cervos-almiscarados capturados no Parque Nacional Sagarmatha.

Myanmar

Um relatório publicado na The Global New Light of Myanmar no final de maio mostra que 5.000 toneladas de madeira ilegal foram apreendidas na região de Sagaing, no norte do país, entre outubro de 2019 e abril de 2020, segundo o departamento florestal. Um funcionário do departamento, não identificado, foi citado no relatório dizendo que esperava que a extração ilegal de madeira diminuísse devido ao lockdown, mas isso não aconteceu.

De acordo com o relatório de mercado da International Tropical Timber Organization (ITTO) (Organização Internacional da Madeira Tropical – em tradução livre), durante as duas primeiras semanas de maio, o departamento florestal da região de Mandalay apreendeu 1.400 toneladas de madeira ilegal nos primeiros cinco meses do ano, incluindo 400 toneladas de madeira de lei.

Gemma Tillack, da RAN, disse que os principais produtores e marcas de óleo de palma agora precisam aparecer e manter as promessas feitas em outubro do ano passado com relação ao estabelecimento de um sistema de monitoramento de radar em colaboração com o World Resources Institute (WRI). Algumas das empresas envolvidas são Cargill, Golden Agri-Resources (GAR), Nestlé, PepsiCo e Unilever. “Essas empresas que destroem florestas para novas plantações precisam ser contatadas pelas empresas com quem fazem os acordos, pelas fábricas que levam seus frutos, pelas marcas que levam seus produtos e entender que isso é inaceitável”, disse Tillack.

A organização policial internacional Interpol confirmou, em um comunicado enviado ao Mongabay, que as taxas de extração ilegal de madeira e outras atividades aumentaram, incluindo mineração ilegal e expansão agrícola, durante a pandemia da Covid-19, “quase certamente é um resultado da capacidade reduzida na aplicação da lei em impedir atividades criminosas” e outras pressões socioeconômicas, como o aumento do desemprego e da pobreza, que estão levando as pessoas a explorar os recursos florestais.

“Uma avaliação realizada pela Interpol constatou que a capacidade é significativamente reduzida em todo o mundo, com pessoal e recursos orçamentários reduzidos ou realocados para se concentrar em questões de policiamento diretamente relacionadas à pandemia, como o controle do movimento de pessoas e a cadeia de suprimentos de produtos médicos relevantes”, apontou o comunicado.

A recessão econômica global prevista, provavelmente, atingirá muitos países em desenvolvimento nos quais o setor florestal contribui significativamente para a receita do governo. “Nesses países, é provável que as taxas gerais de extração ilegal de madeira continuem aumentando, uma vez que os impactos negativos da pandemia na aplicação da lei florestal provavelmente continuarão por muitos meses e talvez anos”, afirmou a Interpol.

A maioria dos especialistas concorda que este é um momento crítico em relação ao modo como a comunidade global enfrenta a crise ambiental. Øyvind Eggen, da RFN, disse que embora o desmatamento não esteja aumentando muito durante o primeiro estágio da crise, ele se preocupa bastante com as implicações a longo prazo.

“Primeiro, abre espaço para mais práticas ilegais, com as comunidades locais em desespero passando a usar mais recursos naturais de curto prazo”, disse Eggen. “Mas também estamos vendo tentativas de desregular negócios, usando a Covid-19 como justificativa. Então, o mais importante, talvez, se a recuperação se tornar menos verde é que haverá impactos por décadas. O meio ambiente e a proteção da floresta tropical avançaram na agenda política nos últimos anos, mas se eles não forem uma das três ou cinco principais pautas da recuperação, teremos perdido muito por décadas.”.

Seus pensamentos foram repetidos por Alexandra Reid, pesquisadora do Royal United Services Institute (RUSI), especializada em questões de crime organizado e policiamento, que disse que a crise econômica poderia ter vários impactos, em diferentes direções.

Por um lado, isso poderia reduzir a demanda por madeira, mas também poderia resultar numa maior demanda por madeira ilegal e não explorada de maneira sustentável. “A madeira ilícita é muito mais barata [do que aquela que foi extraída legalmente]”, disse Reid em entrevista. “Passar pelos procedimentos de conformidade é muito caro”.

As estatísticas dos relatórios recentes do mercado de madeira de lei revelam o outro lado da história, sugerindo que o comércio ilegal de madeira de lei já está em declínio. As importações de toras de madeira de lei da China, por exemplo, caíram 26% em volume (para 1,3 milhão de metros cúbicos) e 37% em valor (para US $ 3,25 milhões) em comparação com o mesmo período de 2019.

O volume de madeiras de lei exportadas para a China pelas Ilhas Salomão caiu 54% e pela República do Congo 45%. Papua Nova Guiné foi o maior fornecedor, com 39% da participação de mercado (e apenas uma queda de 7% na quantidade real). As exportações de Myanmar e Laos também caíram abruptamente em 82% e 59%, respectivamente.


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