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Cultivo de maconha está destruindo a maior floresta conectada de Madagascar

18 de junho de 2020
10 min. de leitura
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Imagem de folhas de cannabis
Pixabay

O norte de Madagascar contém o maior bloco de florestas conectadas existente no país. A Reserva Tsaratanana deve proteger uma grande parte dessa floresta. No entanto, dados e imagens de satélite mostram que está sendo destruída em um ritmo acelerado.

As autoridades locais dizem que a culpa é da agricultura de corte e queima para o cultivo de maconha. A agência dos Parques Nacionais de Madagascar ajudou a organizar intervenções militares na área de Tsaratanana em 2014 e 2017 e está planejando outra este ano.

Os cientistas dizem que se esse desmatamento continuar, ele fragmentará importantes florestas conectadas da reserva e ameaçará os animais que vivem lá – muitos dos quais não são encontrados em nenhum outro lugar do mundo.

Entre os campos de cacau do noroeste de Madagascar e de baunilha do nordeste, uma cadeia de florestas tropicais se estende pelo interior das montanhas. A Reserva Tsaratanana, lar do pico mais alto do país, tem sido um elo fundamental nessa cadeia, com abundantes florestas primárias, em sua maioria, intocadas pela atividade humana. No entanto, a reserva agora enfrenta ameaças em uma escala sem precedentes.

As florestas primária e secundária na Reserva Tsaratanana estão sendo liquidadas rapidamente, de acordo com dados de satélite da Universidade de Maryland visualizados no Global Forest Watch (GFW). As autoridades locais dizem que a agricultura de corte e queima para o cultivo de maconha é a culpada. Os cientistas dizem que se esse desmatamento continuar, ele fragmentará as florestas bem conectadas da reserva e ameaçará os animais que vivem lá – muitos dos quais são endêmicos, ou seja, que não são encontrados em nenhum outro lugar do mundo.

As imagens do GFW revelam um nível sério de desmatamento, de acordo com cientistas que trabalharam na área – três dos quais analisaram os dados a pedido de Mongabay.

“A recente perda da mata e os danos ambientais que ocorrem na região de Tsaratanana são substanciais, especialmente em altitudes mais baixas (<1000 m – abaixo de 3.281 pés) e ao longo dos rios”, Christopher Raxworthy, herpetologista do Museu Americano de História Natural (AMNH), escreveu em um email para Mongabay. “A contínua destruição nessa magnitude provocará sérios danos para valor futuro da conservação da Reserva Tsaratanana.”

Uma ameaça séria

Os dados do satélite indicam que a taxa de “perda de cobertura florestal” aumentou de 2018 para 2019 e novamente no início deste ano, mesmo durante a estação chuvosa, que normalmente não é uma época de pico para a devastação. Os dados de abril indicam que pode estar se acelerando ainda mais com o fim da estação chuvosa. A amplitude geográfica das perdas florestais também está se expandindo, com os agricultores aparentemente atingindo mais áreas. A maior parte do desmatamento parece estar em vales, pois as áreas mais altas seriam mais difíceis de acessar e geralmente são muito frias e úmidas para serem cultivadas.

Há muita coisa em jogo quando há perda de cobertura florestal, dizem os cientistas. A rica biodiversidade de Tsaratanana inclui pelo menos oito espécies de lêmures, das quais pelo menos metade já está ameaçada. A reserva também está cheia de plantas e animais endêmicos localmente. Por exemplo, existem pelo menos 25 anfíbios e répteis que foram encontrados apenas na reserva ou na região mais ampla de Tsaratanana, dizem os herpetologistas. Muitos deles, como dois tipos de lagartixas (Uroplatus spp.), só foram descritos recentemente na literatura. (Existe um intervalo de tempo entre a pesquisa e a publicação no local, relativamente poucos cientistas trabalharam na reserva na última década).

Pixabay

Raxworthy, o herpetologista do AMNH, fez 10 viagens de pesquisa para Tsaratanana nas últimas décadas. Ele diz que é difícil determinar os riscos de extinção que o desmatamento representa para espécies individuais, mas há motivos de preocupação. Em um conhecido estudo de 2008 publicado na Global Change Biology, Raxworthy mostrou que os répteis e anfíbios de Tsaratanana estavam subindo para terrenos mais altos à medida que o ambiente esquentava devido às mudanças climáticas – algumas das primeiras evidências científicas de que animais tropicais já estavam se mudando para altitudes maiores. A topografia da reserva – que Raxworthy chamou de “diversidade de elevação” – dá aos animais essa liberdade. Mas ele alerta que eles podem não ser capazes de continuar se movendo se seu habitat for fragmentado. “Poderia dificultar a mudança de faixa de elevação em resposta ao aquecimento global, o que os torna ainda mais vulneráveis”, disse ele.

A degradação ambiental não é totalmente nova para Tsaratanana. Expedições coloniais levaram a incêndios acidentais e intencionais em Maromokotro, a montanha com o pico mais alto, no início do século XX. Em 1903, por exemplo, um geógrafo francês começou a soltar fogos para espetáculos durante três subidas a Maromokotro. “Infelizmente, esse tolo não deveria ter sido incinerado em um de seus próprios incêndios!”, escreveu mais tarde Joseph Geoffrey Henry Alfred Perrier de la Bâthie, um conhecido botânico que visitou Tsaratanana em 1912 e depois escreveu sobre o geógrafo.

O trabalho de Perrier de la Bâthie ajudou Tsaratanana a se tornar uma das primeiras áreas protegidas em Madagascar e de fato no mundo tropical em 1927. Desde então, os limites exatos da reserva mudaram, mas seu status de proteção não mudou: todas as atividades além de pesquisa científica ainda é proibida (O nome completo da reserva é Reserva Natural Estrita de Tsaratanana). Ainda assim, estrangeiros e habitantes locais há muito tempo têm um impacto nos ecossistemas da reserva. Algumas das áreas mais baixas doa arredores ou fora dos limites, especialmente a noroeste, em direção à cidade de Ambanja, são devastadas há muitas décadas.

No entanto, em um país que perdeu cerca de metade de sua floresta primária desde os anos 1950, a Reserva Tsaratanana esteve, até recentemente, em excelente forma, protegida por seu afastamento e seu terreno montanhoso. Leva três ou quatro dias a pé da estrada mais próxima para chegar a muitas partes do interior. Os cientistas que realizaram estudos na reserva nas últimas duas décadas – não muitos, diante dos desafios logísticos – dizem que poucos bois pastavam ali e havia pouca atividade humana.

Eles dizem que suas equipes tiveram que abrir trilhas com facões; várias expedições a Maromokotro atingindo 2.876 metros (9.435 pés) de altura, não alcançaram o pico. Aqueles que chegaram, disseram que atingiram um mundo especial. “Você pode imaginar um hobbit chegando”, disse ao Mongabay, Miguel Vences, herpetologista da Technische Universität Braunschweig na Alemanha, cuja equipe chegou ao cume em 2010 depois de parar em uma altitude mais baixa em 2001. “É como uma pequena floresta encantada, com musgos e assim por diante.

Vences disse que os novos dados de satélite representam más notícias para a floresta. “Certamente, esse extenso desmatamento vai ser uma séria ameaça para muitas das espécies endêmicas de Tsaratanana e todo o norte de Madagascar”, escreveu por e-mail. Ele disse que não ficou surpreso ao ver que a maior parte da região desmatada estava no norte do parque, dada a sua proximidade com as comunidades costeiras que dependem do cultivo itinerante.

As autoridades malgaxes dizem que as pessoas estão devastando a floresta da reserva para cultivar maconha. “A principal causa de desmatamento nesta área protegida é a exploração ilícita de cannabis”, disse Charles Andriamaniry, Diretor da Reserva para os Parques Nacionais de Madagascar (MNP), agência semi-pública que administra, em um e-mail ao Mongabay. “É uma área muito isolada que permite que os traficantes se protejam”.

O problema é antigo, desde 1960, e a fiscalização é muito difícil, dizem as autoridades. “Nós já trabalhamos com os militares para expulsar os plantadores de maconha, mas esse fenômeno ocorre quase todos os anos”, escreveu Mamy Rakotoarijaona, diretora geral do MNP, em um e-mail para Mongabay. “´É PRECISO ENCONTRAR UMA SOLUÇÃO DE LONGO PRAZO PARA A PLANTAÇÃO DE MACHONHA”, disse Luciano Razafimahefa, porta-voz do Ministério do Meio Ambiente, por e-mail a Mongabay, colocando a frase com todas letras maiúsculas para enfatizar. A maconha é produzida para exportação e toda a atividade é ilícita, disse Razafimahefa.

Os artigos de notícias locais indicam que a maconha malgaxe é exportada principalmente para países insulares vizinhos no oeste do Oceano Índico; alguns também são consumidos no mercado interno. Toda a produção e posse é ilegal, independentemente de a cultivar em uma área protegida.

Agindo

Os Parques Nacionais de Madagascar (MNP) ajudaram a organizar deslocamentos militares para a área de Tsaratanana em 2014 e 2017. Em duas intervenções em 2017, a brigada encontrou dentro dos limites da reserva 30 armazéns de cannabis e muitas toneladas de maconhas de várias formas e queimou ou destruiu tudo. Os policiais também prenderam 12 operadores de maconha, incluindo dois que carregavam armas de fogo. Um tribunal local condenou cada um deles entre três meses e dois anos de prisão, segundo o MNP.

Outra operação desse tipo já foi planejada para este ano. Quatro soldados militares, dois policiais armados chamados gendarmes e dois agentes do MNP irão para as partes da reserva dos agricultores consideradas de maior tensão. Eles planejam destruir qualquer cannabis que encontrarem e prender os envolvidos. Para isso, levarão os casos ao promotor local em Ambanja, e os tribunais determinarão multas e pena. Entretanto, a perseguição à cultivadores não é fácil, pois as brigadas militares viajam a pé e se movem lentamente pela floresta; muitas vezes, agricultores e traficantes fogem antes de chegarem, informam.

Embora a maior parte da devastação esteja no norte da reserva e alguns operadores e agricultores possam acessá-la a partir do noroeste, muitos deles vêm de locais distantes na região da Sofia, ao sul da reserva, ou mesmo do extremo sul de Madagascar, de acordo com o MNP. O problema não é falta de alternativas em áreas próximas à reserva. As áreas próximas são adequadas para o cultivo de colheitas valiosas, como pimenta, cacau, baunilha e plantas para óleos essenciais. Mas a maconha é mais fácil de cultivar várias vezes por ano e requer pouca manutenção, um atributo-chave da cultura em uma área tão remota. Ele também busca preços excepcionalmente altos, disseram representantes do MNP.

Os pesquisadores dizem que, se Tsaratanana não puder ser protegida de maneira mais eficaz, o impacto de seu desmatamento provavelmente será sentido nos ecossistemas das montanhas do Norte. “Este foi o maior bloco de floresta que sobrou em Madagascar”, disse Brian Mongabay, um entomologista da Academia de Ciências da Califórnia que trabalhou na região. “Cada uma das montanhas estava conectada, quase de Marojejy a Manongarivo. Agora pode acabar se tornando fragmentos isolados acima (de uma certa altitude).”

“A história pode ser que estamos perdendo o maior bloco de floresta conectada em Madagascar.”

Nota do editor: esta história foi desenvolvida pela Places to Watch, uma iniciativa Global Forest Watch (GFW) projetada para identificar rapidamente a perda florestais em todo o mundo e catalisar novas investigações sobre essas áreas. O Places to Watch utiliza uma combinação de dados de satélite em tempo quase real, algoritmos automatizados e inteligência de campo para identificar novas áreas mensalmente. Em parceria com a Mongabay, a GFW está apoiando o jornalismo orientado a dados, fornecendo informações e mapas gerados pelo Places to Watch. O Mongabay mantém total independência editorial em relação às matérias relatadas usando esses dados.


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