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Animais massacrados em reintegrações de posse e demolições

18 de setembro de 2019
8 min. de leitura
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Por Fátima ChuEcco*

Foto: Divulgação

A situação é crônica e muito triste, mas é possível mudar esse cenário. Por isso a ANDA ouviu protetores diretamente envolvidos nesses resgates e também procurou auxílio político em busca de soluções para evitar os frequentes massacres de animais com máquinas escavadeiras, normalmente usadas em reintegrações de posse e demolições. Especialmente gatos morrem soterrados.

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O deputado estadual Delegado Bruno Lima (PSL-SP) já se comprometeu a estudar um modo de impedir mais essa crueldade. Ele se sensibilizou com o episódio de reintegração de posse em Carapicuíba ocorrido no último dia 12 e disse à ANDA, em primeira mão, que pretende fazer algo a respeito: “São situações que sempre dão problema. Por isso eu e minha equipe vamos estudar o que é possível fazer para evitar o sofrimento e a morte desses animais em áreas marcadas para reintegração e demolição”.

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A mais recente situação dramática ocorreu na chamada “Favela do Cigano”, em Carapicuíba (grande SP), resultando na morte de vários animais e resgate tenso de muitos outros que protetores locais sequer tinham como abrigar, pois, os lares temporários estão lotados devido a ações parecidas de despejo na mesma região.

A foto de uma gatinha, vítima de barraco incendiado por um dos moradores revoltado com o despejo, e divulgada nas redes sociais, comoveu milhares de pessoas. Ela foi levada pela Zoonoses de Carapicuíba e, segundo a prefeitura, está se recuperando, mas as perguntas são: Precisava chegar a esse ponto? Não teria sido melhor uma ação conjunta entre prefeitura e protetores locais para evitar tanto sofrimento?

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Essas reintegrações, além de condenar à morte centenas de animais, especialmente gatos, que se escondem em locais de difícil acesso visual dentro de casas, edifícios e barracos, mergulha protetores num intenso desgaste físico, emocional e financeiro.

Isso sem falar que, do mesmo modo que um cidadão comum não pode maltratar nem matar animais, muito menos os órgãos públicos e empresas privadas podem massacrar animais com escavadeiras durante ações de despejo e demolições. O crime é o mesmo!

Posição de protetores

Situações assim, segundo as protetoras de Carapicuíba ouvidas pela ANDA, podem ser evitadas com pelo menos duas ações permanentes: a castração em massa de animais de rua e de comunidades carentes (o que diminui drasticamente a população animal nesses locais invadidos), além de uma operação conjunta entre prefeituras e protetores para resgate dos animais, afinal, ninguém melhor que os protetores para localizar animais escondidos dentro de locais sujeitos à demolição.

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“Gostaríamos que o serviço de zoonoses tivesse a mesma preocupação com os bichos que temos com relação ao manuseio, cuidados após resgate e encaminhamento para adoção. A gente se preocupa com o estado clínico e emocional do animal, e também com o futuro dele. Mas se não podem cuidar desses animais como nós tentamos fazer, uma solução seria nos dar subsídios para manter esse trabalho de socorro a centenas de animais a cada reintegração de posse”, diz Elizabeth Ferres.

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“O trabalho não pode ser feito apenas na hora que chegam as máquinas para passar por cima dos barracos. A gente vem castrando, tratando e buscando lar para esses animais há semanas e estamos sempre colocando a prefeitura a par de tudo. Nesse último episódio a prefeitura nos garantiu que nenhuma reintegração aconteceria sem que todos os animais fossem retirados, mas na hora foi justamente o contrário. Ainda havia animais nos barracos e fomos impedidas de salvá-los. Não teria sido melhor se ao invés de nos impedir, a prefeitura apoiasse nosso trabalho já que temos experiência nesse tipo de resgate?”, comenta Cássia de Souza.

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Foi criado um grupo no Facebook para dar notícias sobre os animais da Favela do Cigano e uma “vakinha” para quem puder ajudar com doações. No próximo sábado, dia 19, alguns desses animais estarão numa feira de adoção em Moema.

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Como garantir a segurança dos animais

O ativista Alexandre Valente, que já se envolveu em resgates de gatos em locais sujeitos à demolição, como no episódio do Tatuapé (zona leste de SP) em 2107 que teve grande repercussão nas redes sociais e mídia, dá uma sugestão: “A prefeitura precisa dar um alvará de funcionamento a qualquer estabelecimento construído e exige um laudo do Corpo de Bombeiros. Porém, quando o caso é de demolição, a prefeitura se detém na assinatura de um responsável técnico para garantir a segurança das pessoas e dos imóveis vizinhos. Minha sugestão é que no alvará para demolição, seja também exigida a presença de bombeiros para atestarem a total desocupação do imóvel, seja por humanos ou animais”.

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O ativista sugere que a prefeitura só possa conceder o alvará de demolição mediante esse atestado dos bombeiros e a inspeção do imóvel seja feita com o auxílio de protetores que, num segundo momento, também participariam ativamente dos resgates em parceria com as prefeituras – estas se responsabilizando, inclusive, pelo atendimento e abrigo desses animais.

“Temos que lembrar que além de cães e gatos, muitos imóveis abandonados abrigam também ninhos da fauna silvestre e tanto estado quanto município precisam se responsabilizar pelo bem-estar de todos esses animais. E por que penso em bombeiros? Porque eles podem agir em todas as cidades e se já são fundamentais na emissão do alvará de funcionamento, nada mais certo que serem também convocados para alvarás de demolição”, conclui.

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Um filme e uma ideia interessante

A sugestão de Alexandre Valente é em parte retratada no filme “A caminho de casa”, exibido esse ano nos cinemas. Protagonizado por uma cachorrinha que, aliás, foi tirada de um abrigo para o estrelado e em seguida adotada, o filme, logo no início, mostra o drama de cães e gatos, inclusive filhotes, que vivem nos escombros de um imóvel demolido.

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Num outro trecho do filme, que pode ser visto abaixo, dois jovens impedem a ação de uma escavadeira. Agentes municipais já haviam recolhido animais do local, mas sobraram alguns e, em Denver (Colorado, EUA), onde o filme se passa, qualquer cidadão que nota a presença de animais num imóvel a ser demolido, pode acionar ONGs de resgate e a polícia para evitar um massacre.

Denver tem várias leis em defesa dos animais como, por exemplo, uma que pune quem mata animais sem necessidade ou por imprudência (que inclui demolições). Em maio deste ano uma lei passou a proibir abusadores de cães de gatos de ter animais por cinco anos. Mas vale lembrar que Denver também tem seus defeitos. Lá não se pode andar com pit bulls na rua. Quem quiser ter um pit bull precisa de um quintal fechado para manter o animal e jamais levá-lo para passear.

Entenda o recente caso de Carapicuíba

Na reintegração de posse ocorrida dia 12 de setembro na Rua Alterosa, Cohab 5, conhecida também como “Favela do Cigano”, vários protetores locais se encarregaram de tirar animais dos barracos antes das escavadeiras atravessarem o local. O departamento de Zoonoses de Carapicuiba esteve presente e ficou com 17 animais, nove gatos (incluindo a gatinha queimada que comoveu as pessoas nas redes sociais) e oito cães.

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Segundo as protetoras, a prefeitura não é transparente com relação ao tratamento e destino dado a esses animais. Elas dizem que sequer podem visitar os animais na clínica de Mairinque, conhecida como Clínica do Dr. Ricardo, que é contratada da prefeitura para acolher cães e gatos de situações de despejo. Também dizem que, mesmo notificando que tem pessoas interessadas em adotar a gatinha queimada, a prefeitura não liberou o acesso ao animal.

A ANDA também procurou a prefeitura de Carapicuíba. Dos 17 animais sob sua guarda apenas a gatinha queimada precisou de tratamento veterinário: “Trata-se de um gato (fêmea), que não corre risco de morte. Ela segue em tratamento, já está se alimentando e o quadro evolui bem, segundo a veterinária responsável. Os animais resgatados estão saudáveis, foram devidamente vacinados, vermifugados e microchipados. A Prefeitura de Carapicuíba divulgará nos canais oficiais a data de quando estiverem disponíveis para adoção”.

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A prefeitura disse ainda, por meio de sua assessoria de imprensa, que entre os 17 animais estavam alguns entregues pelos próprios tutores com a alegação de que não poderiam levá-los para suas novas moradias. Vale ressaltar que essa é outra problemática: além dos animais que não têm tutores e precisam ser retirados do local no dia da reintegração, muitos são deixados para trás pelos próprios tutores.

A ANDA solicitou da prefeitura fotos dos animais sob sua custódia e, em especial, da gatinha queimada para tranquilizar as pessoas que se emocionaram com sua história, mas não foi atendida até o fechamento desta matéria.

*Fátima ChuEcco é jornalista ambientalista e atuante na causa animal

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