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Dezenove hectares de floresta são desmatados por hora na Amazônia

22 de maio de 2019
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O Brasil registrou recorde de desmatamento na Região Amazônica em 2018, superando os números registrados em toda a história do país. A situação, no entanto, só tem piorado. Se desde agosto a devastação atingia, em média, 52 hectares por dia, dados mais recentes indicam que os primeiros 15 dias de maio foram os piores no mês em uma década, tendo sido registrada a destruição de 19 hectares de floresta por hora, em média. O número é o dobro do que foi registrado no mesmo período em 2018.

Foto: VINICIUS MENDONCA – IBAMA

Em uma quinzena, 6.880 hectares de floresta preservada foram perdidos, o que equivale a quase 7 mil campos de futebol. O volume está próximo do desmatamento registrado na soma de todos os nove meses anteriores, entre agosto de 2018 e abril de 2019, quando 8.200 hectares foram destruídos. As informações são do O Estado de S. Paulo.

Levados ao governo, os dados foram confirmados. De acordo com dados do Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter), ferramenta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que fiscaliza ações de desmatamento, uma das regiões mais devastadas é a Floresta do Jamanxim, que sofre, historicamente, com saques de madeira a partir da BR-163. A região perdeu 3.100 hectares. Os números do levantamento feito pelo Deter se referem ao desmatamento registrado em unidades de conservação, ou seja, florestas protegidas que são administradas e fiscalizadas por órgãos como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).

As medições oficiais costumam ser feitas de agosto a julho do ano seguinte. No período encerrado em julho de 2018, 20.200 hectares de desmatamento foram registrado na região, batendo um recorde histórico. No ciclo atual, aberto em agosto de 2018 e levando em consideração os primeiros 15 dias de maio, o acumulado chega a 15 mil hectares, havendo a possibilidade de, ao final de julho de 2019, ser batido um novo recorde.

O ministro do Meio Ambiente (MMA), Ricardo Salles, culpou os governos anteriores pelo desmatamento, ignorando as responsabilidades que o próprio governo tem sob o desmatamento, já que está no poder desde janeiro e poderia já ter tomado medidas favoráveis ao meio ambiente – mas fez o contrário, como provam os retrocessos cometidos na área ambiental em 100 dias de governo. O Ibama e o ICMBio, por sua vez, não responderam aos questionamentos feitos sobre o tema.

De acordo com técnicos do governo, o grande volume de desmatamento em duas semanas pode ter ligação com a meteorologia, isso porque, segundo eles, março e abril são meses muito chuvosos e a maior incidência de nuvens dificulta o uso de satélites. Com o final das chuvas, o céu se abre e a área captada aumenta. Porém, ainda de acordo com os técnicos, as taxas de devastação se referem exclusivamente ao desmatamento registrado em 2019 e a questão climática vale para os anos anteriores, que registraram números menores.

Fiscalização

Apesar da fiscalização continuar a ser realizada neste ano por agentes do Ibama e do ICMBio na Amazônia, dados obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo mostram que o número de multas diminuiu. O Ibama emitiu 850 multas entre 1º de janeiro e 15 de maio deste ano, 35% menos do que o registrado no mesmo período de 2018, quando 1.290 multas foram aplicadas. Já o ICMBio aplicou, entre 1º de janeiro e 15 de maio de 2019, 317 multas, praticamente metade do que foi aplicado no mesmo intervalo de 2018.

O MMA não comentou a redução. Ela pode, no entanto, ter relação com o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que tem criticado regulamente o que ele chama de “indústria de multas”. Ambientalistas discordam do presidente e reforçam que as multas são aplicadas corretamente para punir crimes ambientais.

Em janeiro, o Ministério do Meio Ambiente colocou fim ao Departamento de Florestas e Combate ao Desmatamento, que funcionava dentro da pasta desde 2007, com 15 servidores. O órgão era ligado à Secretaria de Mudanças do Clima e Floresta, que também foi desmontada. Com o fim dela, os funcionários foram realocados. O caso também não foi comentado pelo MMA.

Antecessor de Salles rebate argumento

O argumento de Salles sobre os dados relacionados ao desmatamento registrado em 2019 foi rebatido pelo antecessor dele no Ministério do Meio Ambiente.

“Não há surpresa nessas informações. Há tristeza. Quando um governo resolve desmoralizar os agentes do Ibama, desmontar o ICMBio e acabar com as unidades de conservação, ele só está dando o sinal verde para o desmatamento”, disse Sarney Filho, hoje secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal. “Como diminuir os índices, se os instrumentos criados para combater esses crimes estão sendo desmontados pelo discurso e pela ação concreta do governo?”, completou.

Fila de multas

Multas que já tramitaram pela área técnica e administrativa e que já receberam justificativas dos autuados estão paradas no ICMBio. Segundo apuração do jornal O Estado de S. Paulo, 254 autos de infração emitidos por agentes do órgão estão prontos para serem homologados pelo presidente do ICMBio, para que a cobrança dos valores seja feita.

Neste ano, a chefia do órgão não homologou nenhuma multa, conforme estabelece o regimento interno. As cobranças prontas para serem aplicadas já alcançam o valor de R$ R$ 146,2 milhões, que o órgão poderia receber. Ao ser procurado, o ICMBio não apresentou justificativas para a situação. Assim como o MMA, que também não se manifestou. Desde que assumiu o posto no ministério, Salles tem trocado todos os cargos de liderança do ICMBio e nomeado militares.

No mês passado, um decreto de 2008 foi alterado por Bolsonaro. O decreto dispunha sobre crimes ambientais e, com a mudança, passa a existir “núcleos de conciliação” para discutir as multas ambientais aplicadas pelos órgãos. A alteração também modifica o programa de conversão de multas em projetos de restauração florestal, que vinha sendo realizado pelo Ibama.

O governo justificou a mudança do decreto dizendo que “a conciliação deve ser estimulada pela administração pública federal ambiental (…) com vistas a encerrar os processos administrativos federais relativos à apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”. Com a nova regra, o autuado poderá, após ser notificado da multa, participar de uma audiência de conciliação, caso queira, com dia e horário marcados, para discutir a aplicação da multa. Na prática, a ação diminui o número de multas aplicadas e abre margem para que mais crimes ambientais ocorram.

Bolsonaro foi multado em 2012 pelo Ibama por pescar em área protegida em Angra dos Reis (RJ). A multa nunca foi paga e, após ele se tornar presidente, foi anulada. O agente responsável por aplicar a penalidade também foi exonerado, sob ordem do presidente.

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