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O caso da cadelinha morta no Carrefour repercutiu mais do que o do jovem morto no Extra?

19 de fevereiro de 2019
4 min. de leitura
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Os dois casos aconteceram em redes de mercados, e nos dois casos os autores estavam errados (Fotos: Reprodução)

No dia 28 de novembro de 2018, a cadelinha Manchinha foi morta brutalmente por um segurança do Carrefour, na unidade de Osasco. Na quinta-feira, o jovem Pedro Henrique Gonzaga foi morto por um segurança do Extra, no Rio de Janeiro. Os dois casos aconteceram em redes de mercados, e nos dois casos os autores estavam errados.

O primeiro matou premeditadamente a cadelinha. Ele e a perseguiu fora do Carrefour com a intenção de tirar-lhe a vida, e fez isso de forma planejada. Não há como refutar as imagens que foram divulgadas mais tarde e que geraram repercussão porque a vítima era simplesmente um animal doméstico, assim como muitos outros, que, em sua inocência, entram em estabelecimentos comerciais muitas vezes porque estão simplesmente com fome. Aos poucos, o caso foi repercutindo e ganhando importância, reforçando o erro do segurança, e despertando reflexão sobre a forma como os animais domésticos abandonados são tratados em ambientes comerciais.

No segundo caso, do jovem Pedro Henrique Gonzaga, de 19 anos, que supostamente tentou pegar a arma de um segurança do Extra da Barra da Tijuca e recebeu uma gravata que o levou a uma parada cardíaca e à morte, há um conflito de informações; e isso é o suficiente para dividir opiniões neste tempo em que vivemos, em que as pessoas pesam o valor da vida de acordo com o histórico dos personagens – mesmo que nada saibam realmente sobre eles, e talvez queiram apenas reforçar suas teorias sobre o direito ou não à vida.

Testemunhas disseram que informaram ao segurança que Pedro Henrique estava passando mal, mas ele persistiu argumentando que sabia o que estava fazendo. Na verdade, não sabia, porque o rapaz chegou a ficar roxo e faleceu – o que poderia ter sido evitado com o procedimento adequado. Porém, dizer que um jovem é usuário de drogas, como era o caso da vítima, normalmente é o suficiente para que muitas pessoas qualifiquem uma morte como justificável, ainda que essas pessoas torçam para a recuperação de usuários de drogas no cinema.

Considere também o atual cenário político brasileiro, em que dezenas foram eleitos sem propostas, mas apenas dizendo que “bandido bom é bandido morto”, e não será difícil entender isso. Mas isso não é um sintoma de que a vida humana pode valer menos do que a vida de um animal ou gerar menor repercussão – como tenho lido em inúmeras publicações.

Não é verdade que as pessoas se sensibilizam mais com animais do que com seres humanos. Se isso fosse verdade, as pessoas não se alimentariam de animais nem teríamos mais de 30 milhões de animais domésticos abandonados pelas ruas do Brasil, e todos eles passíveis de serem mortos a qualquer momento sem possibilidade de tornarem-se notícia.

O caso da cadelinha Manchinha, morta pelo segurança do Carrefour, por exemplo, também foi emblemático de um problema crônico vivido no país, que é o não reconhecimento do direito à vida não humana em inúmeras circunstâncias, e isso trouxe à tona uma reflexão ainda maior, sobre o valor que atribuímos aos animais. O episódio levantou até mesmo discussão sobre as dezenas de milhões de animais que matamos por ano para consumo só no Brasil. E tudo isso é pouco reconhecido, inclusive por muitas pessoas da esquerda brasileira que se orgulham de defender o direito à vida, desde que seja humana.

Honestamente, não vejo necessidade de comparar os dois casos, mas sim de chamar a atenção das pessoas para uma revisão de valores sobre a importância da vida. No ideário humano, comparações como essa intensificam rivalidades desnecessárias, e a balança dificilmente fica equilibrada. Além disso, ainda que por uma infelicidade seja possível encontrar pessoas comemorando a morte de Pedro Henrique, dizendo algo como “menos um”, “já era” ou algo do tipo, sem saber o nome da vítima e o que realmente aconteceu, alguns grandes veículos de comunicação já estão publicando notícias sobre a história do rapaz (quem ele era, seus interesses, objetivos). Algumas celebridades também estão repercutindo o assunto e criticando a conduta do segurança e lamentando a morte de Pedro Henrique.

E, querendo ou não, reconheço que a maneira como a imprensa aborda um assunto tem grande poder de sugestão sobre a interpretação de um fato por parcela bastante significativa da população – e isso também não pode ser ignorado. Ainda assim, desde ontem tenho visto muitos se manifestando contra a atitude do segurança do Extra, o que significa que há uma comoção em andamento. Porém, se sensibilizar ou não com a morte de alguém, seja humano ou não, sempre vai depender da nossa capacidade de empatia – dos valores que carregamos e da maneira como encaramos a vida e o mundo.

Fonte: Vegazeta

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