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Em Alagoas 900 cães são condenados à morte por suspeita de leishmaniose

25 de outubro de 2018
7 min. de leitura
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Foto: Pixabay

Essa semana 900 cães receberam uma sentença de morte em diversos municípios de Alagoas por suspeita de leishmaniose, conforme a notícia da Gazetaweb. Diga-se bem: suspeita, porque estudos indicam que os diagnósticos sorológicos, ou seja, os testes utilizados pelo governo de diversas partes do país, apresentam um índice de resultados falso-positivos de 48%. Sendo assim, pelo menos metade dos cães condenados à morte em Alagoas podem estar saudáveis, enquanto outra metade, apenas com o uso de uma coleira contra a doença, se tornaria incapaz de favorecer a proliferação da doença que, na verdade, não é transmitida pela lambida ou mordida do cão, mas pelo mosquito-palha ou birigui.
“É um erro e uma crueldade muito grande matar os animais ao invés de controlar o vetor da doença. De nada adianta trabalhar nos efeitos da leishmaniose e não eliminar a causa. Sabemos que é a fêmea do mosquito que pica e que ela é muito frágil, e que eles se reproduzem em meio a decomposição orgânica e na sombra! Mas os animais silvestres e também as pessoas podem ser hospedeiros. Então vamos exterminar com a vida na terra? É preciso que o governo assuma sua obrigação de cuidar da questão ambiental, o mais rápido possível! Pois é de sua total responsabilidade. Os animais acabam sendo um para-raio! Pois se os retirarmos, os mosquitos picarão as pessoas! Igual à febre amarela, onde os macacos é que indicam a presença do vírus. Precisamos tratar os animais que foram contaminados”, diz o deputado Feliciano Filho (PRP-SP), que tem um Projeto de Lei que obriga a realização de um exame de contraprova nos animais com suspeita de leishmaniose.
O projeto determina que, para efeito de realização de eutanásia em cães para o controle da leishmaniose visceral canina no Estado de São Paulo, é obrigatória a realização de, pelo menos, um exame parasitológico com resultado positivo ou um teste sorológico com proteína recombinante, considerados exames confirmatórios (veja ao final a íntegra sobre os testes e sua aplicabilidade).
Projeto pioneiro em Bauru poupou centenas de vidas
A matança dos animais já se provou inútil para o controle da doença que tem suas principais raízes na falta de saneamento básico, lixões e desmatamento. Projeto aplicado este ano em Bauru, Interior de SP, desenvolvido pelo veterinário e diretor do Centro de Controle de Zoonoses, Luiz Ricardo Cortez, provou o quanto o país está caminhando no sentido errado no controle da doença. Chamado de “Encoleiramento Inverso”, o projeto propõe proteção contra a doença com o encoleiramento dos animais contaminados e evitando a eutanásia. As coleiras possuem uma substância chamada deltrametrina que atua como repelente e inseticida, mantendo longe o mosquito-palha, não deixando que pique o animal infectado e evitando que a doença passe para um animal sadio.
O projeto contou com o apoio da Prefeitura de Bauru, do Centro de Controle de Zoonoses, da Unesp de Presidente Prudente, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP e o Instituto Adolf Lutz. De tão bem-sucedido o projeto recebeu até visita de especialista da NASA que tem entre seus trabalhos o mapeamento da doença via satélite e as possíveis formas de combate. Vale lembrar que também existem vacinas que previvem a doença em cães.
Desmatamento ajuda na proliferação da doença
Popularmente conhecida como “calazar”, a leishmaniose é transmitida pelo protozoário Leishmania chagasi. Estudos recentes mostraram que regiões com mata nativa preservada como litoral sul, Itapetininga e Vale do Paraíba (todas em SP) não têm tido incidência da doença que se concentra no oeste e nordeste do Estado onde as florestas foram substituídas por lavouras, pastagens e cultivo de cana. Áreas com saneamento deficiente ou sem saneamento básico e lixões são também focos do mosquito.
Entenda porque os testes aplicados pelo governo não são suficientes para confirmar a leishmaniose em cães – justifica do PL 510/2010 do deputado Feliciano Filho:
A leishmaniose visceral é considerada uma antropozoonose (doença que se transmite dos animais aos homens e vice-versa) e atualmente está entre as seis endemias prioritárias do mundo (OMS). Essa doença apresenta ampla distribuição mundial e mais de 90% dos casos que ocorrem na América Latina, são diagnosticados no Brasil.
O cão é o portador mais bem estudado e por isso é considerado o principal reservatório doméstico, servindo como fonte de infecção para o inseto vetor. Porém outros animais como gatos, raposas, gambás, roedores, também são reservatórios da doença.
Hoje, um decreto federal do senado, nº 51.838, de 14 de março de 1963, condena todos os animais com suspeita de leishmaniose visceral canina a serem eutanasiados, e como se não bastasse, uma portaria interministerial nº 1.426, de 11 de julho de 2008, proíbe o tratamento de cães com a doença com produtos de uso humano ou não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Ao contrário do que tem sido divulgado, a OMS e vários pesquisadores questionam a eficácia do sacrifício de animais como medida de combate à doença, visto que mesmo com a matança de animais por sucessivos anos, o número de pessoas infectadas com a doença só tem aumentado.
O Brasil é o único país do mundo que mata animais com leishmaniose como forma de controle da doença. E os resultados globais apresentados pelo Ministério da Saúde denotam que a adoção de tal técnica não tem obtido os resultados esperados.
Atualmente, os principais métodos utilizados para o diagnóstico sorológico são: o ELISA (Reação Imunoenzimática) e a RIFI (Reação de Imunofluorescência Indireta) utilizando antígenos totais, e objetivam detectar anticorpos contra Leishmania. Porém estes apresentam um alto índice de resultados falso-negativos, pela demora em apresentar a produção de anticorpos para o teste detectar (em média três meses após ser infectado), e também de resultados falso- positivos, já que outras doenças podem apresentar reações cruzadas como: chagas, toxoplasmose, erliquiose, co-infecção por erliquiose e babesiose e neosporose (Zanette, et al., 2006).
Estudos indicam que os diagnósticos sorológicos apresentam um índice de resultados falso-positivos chegam a 48% e devem ser utilizados, estritamente, para levantamento epidemiológico e nunca como critério de diagnóstico da doença.
Os exames parasitológicos são os mais indicados para o diagnóstico seguro e são considerados como o teste padrão ouro para o diagnóstico da doença. Os testes sorológicos utilizando proteínas recombinantes aumentam a especificidade do teste minimizando a ocorrência de reações cruzadas, mas que, ainda assim, ocorrem em número expressivo.
O exame parasitológico direto é realizado por meio de punção de órgão linfóides, como linfonodos, baço e medula óssea. Trata-se de um teste de alta especificidade. Ou seja, uma vez visualizado o parasito, não há dúvidas quanto à positividade da amostra. É considerado o mais confiável por especialistas para a confirmação do estado de portador.
O Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral Americana do Estado de São Paulo não preconiza a realização de exames de contraprova e se este, por motivos de força maior (solicitação judicial) for realizado, só serão aceitos os resultados obtidos de Laboratório de Referência Estadual. Esse importante fato, isoladamente, já condena a morte de milhares de cães, cujo primeiro exame diagnóstico, devido a sua precariedade, pode ter acusado falso positivo, além de impor ao proprietário do animal, que contestar o resultado positivo, a obrigatoriedade de sobrecarregar ainda mais Poder Judiciário, com um processo que pode levar anos para ser concluído, piorando ainda mais a situação, principalmente no caso do animal ser realmente portador e reservatório da zoonose, uma vez que o mesmo, até a confirmação não será tratado.
Sendo assim, para evitar que animais sejam mortos indevidamente, para um diagnóstico de certeza para a LVC, para termos o conhecimento real e preciso da quantidade de animais infectados com essa importante zoonose, a fim de proteger os humanos, entendemos que o procedimento diagnóstico mais eficaz e seguro seria através da realização de uma triagem sorológica (e.g., RIFI e ELISA), e nos cães com resultados positivos realizar a confirmação por algum dos métodos parasitológicos, para aumentar a possibilidade de diagnóstico da infecção ativa e minimizar a possibilidade de reação cruzadas. Os métodos de imunomarcação (imuno-histoquímica ou imunocitoquímica) aumentam a capacidade dos métodos parasitológicos em detectar o parasito.
Somente embasados em dados técnicos confiáveis sobre o número real de animais infectados pela Leishmaniose Visceral Canina poderemos desenvolver técnicas mais eficazes para diminuir sua disseminação, possibilitando o controle ético e humanitário da doença e o correto tratamento em seres humanos.
Conheça o Projeto da Leishmaniose na íntegra clicando aqui.
*Fátima ChuEcco é jornalista ambientalista e atuante na causa animal

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