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Veterinários de Portugal dizem ser impossível cumprir lei que proíbe sacrifícios

11 de setembro de 2018
6 min. de leitura
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Veterinários de municípios de Portugal dizem ser impossível cumprir a lei que proíbe o sacrifício de animais saudáveis como método de controle populacional no país. Ricardo Lobo, membro da direção da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM), ao comentar o prazo final de dois anos para adaptação à lei, que termina no próximo dia 22, disse à agência Lusa que não há como cumprir a determinação de resgate de animais abandonados sem sem que seja autorizado sacrificá-los.

“Ou recolhemos e para isso temos de sacrificar – porque, de fato, o número de animais é estupidamente absurdo e muito maior do que a capacidade de adoção – ou então vamos deixar os animais na rua. Isto é uma questão meramente de opção”, disse. “Por um lado, temos dois decretos-lei que obrigam os municípios a recolher os animais da rua e temos agora uma lei que impede o sacrifício e os municípios têm de ver. As duas são impossíveis de cumprir ao mesmo tempo, portanto uma destas disposições legais vão ter de incumprir. Têm de escolher qual”, acrescentou. As informações são do portal Sapo 24.

(Foto: TIAGO PETINGA/LUSA)

Lobo afirmou que 60 mil animais são resgatados por ano centros de recolha oficiais (CRO), sendo a maioria cachorros. Desses, uma média de 14 mil são adotados. “O número de 14 mil animais adotados já nos parece um número bastante elevado, bom e razoável. Mais do que isso, em termos de adoção, as famílias portuguesas não conseguem atingir, não têm capacidade de adoção para 60 mil animais num ano, replicando isto todos os anos, porque é uma situação que se repete”, afirmou.

“Temos um diferencial brutal de animais que continuam a chegar aos canis que não deixa margem para qualquer preparação, construção de um equipamento com uma lotação máxima maior, porque este é um número que não se compadece com nenhuma preparação por parte de nenhum município. Não há forma de uma pessoa se preparar para isto”, completou.

Dados da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) indicam que cerca de 10 mil cachorros foram sacrificados nos canis municipais de Portugal em 2017, outros 14 mil foram adotados, restando 10 mil que ocupam o canil até o momento.

“Com este desequilíbrio de números, se os canis não puderem recorrer ao sacrifício para criar espaço, a grandessíssima maioria deles vai ter que deixar de recolher animais e vai deixar animais na rua”, disse. Para a ANVETEM, é necessário “combater o número absurdo” de animais abandonados, mas, para isso, é preciso investir contra o abandono, que continua sendo crescente, e necessita de conscientização.

Para por fim aos sacrifícios nos canis, é preciso, segundo a associação, mudar a mentalidade da população para por fim ao abandono. “É possível deixar de sacrificar animais nos canis municipais, é preciso é fazer um trabalho grande, um plano estratégico para combater isto, de fato, e encarar isso como um todo através da sociedade. Não são os municípios que têm de se preparar. Não são os municípios que abandonam os cães, temos de deixar de culpar o Estado por tudo, não são as autarquias e os municípios que são culpados dos animais que andam na rua. Temos é que entender isso, que isto é um problema de todos, um problema social nosso, cultural”, afirmou Lobo.

“Isto vai servir ainda para que muitos daqueles municípios que nunca cumpriram e nunca tiveram centros de recolha oficiais (CRO) agora já terem uma desculpa para dizer que não vale a pena ter, porque de fato não vale a pena ter nada com uma lei deste género, no quadro atual e com o número de animais que nos chegam. Não adianta ter um CRO porque não consegue resolver”, completou o representante da associação. Para Lobo, os dois anos de prazo para a os municípios se adequarem a lei serviram apenas para que os municípios recuassem da decisão de investir nos centros de recolha. Ele afirma ter conhecimento de dois casos em que houve desistência em relação aos investimentos após a criação da lei.

“Em vez de ser o contrário, para que os municípios investissem nos centros de recolha oficial, através da ajuda do Estado, nesses dois anos. Haverá algum município que terá construído ou melhorado os seus e aproveitado os fundos disponibilizados pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, mas a grande maioria percebeu que, qualquer que seja a capacidade do alojamento que façam, ao entrar em vigor esta lei está condenado à inoperacionalidade”, disse Lobo, que considera que qualquer capacidade dos centros será insuficiente. “Qualquer canil, com qualquer que seja a capacidade, vai estar condenado a estar lotado e estando lotado não consegue espaço, não consegue recolher. Vai ficar inoperacional, não vai servir aquilo para que foi construído: recolher animais da rua”, completou.

Lobo acusou ainda o governo de “despejar dinheiro em cima dos problemas” ao disponibilizar verbas para as obras dos centros e castrações sem estruturar uma estratégia. “As coisas têm de ser feitas com plano e com estratégia, tem de se perceber porque é que estão a ser feitas. Não é o governo ser pressionado pelo Bloco de Esquerda, porque não fez nada para que a efetivação da proibição dos sacrifícios venha a ser uma realidade, e o governo crie uma linha para os municípios aumentarem os centros de recolha oficial e esterilizarem os animais. Isto não é de quem está por dentro dos problemas, não é de quem está a ouvir quem anda no terreno”, afirmou.

De acordo com o representante da ANVETEM, alguns municípios não transmitem os dados corretos à Direção-Geral de Veterinária e que há centros de recolha que sacrificam animais e não repassam o número de animais sacrificados. “Almada tem 174 mil habitantes, não é verdade terem recolhido apenas 82 animais [em 2017]. E na Póvoa de Varzim terem recolhido 80 é para rir”, apontou. Almada, por sua vez, justificou-se dizendo que “não tem animais não declarados” e que conta com o auxílio de associações de proteção animal. “O serviço municipal desenvolve uma boa relação em rede com diversas associações, que acolhem animais no concelho, o que tem natural impacto nos números oficiais”, explicou. O município de Póvoa de Varzim não se pronunciou.

A Secretaria de Estado das Autarquias Locais e a Associação Nacional de Municípios Portugueses não quis se pronunciar.

Nota da Redação: o abandono de animais é um problema que deve ser resolvido pelo poder público, já que os animais que vivem em um país, estado ou município são de responsabilidades dos governantes, assim como as pessoas. É preciso que campanhas de conscientização sejam feitas para incentivar a população a respeitar os animais, deixando, assim, de abandoná-los, e que além de fiscalização e punição para o abandono, políticas públicas para tratar, castrar e abrigar animais em situação de rua também sejam efetivadas. A solução, no entanto, jamais pode passar pelo sacrifício, já que tirar vidas nunca pode ser visto como um método de controle populacional devido à crueldade.

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