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Francis Cassol: “Nós devemos um mundo vegano aos animais”

15 de agosto de 2018
14 min. de leitura
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Cassol é baterista da aclamada banda brasileira de metal Rage in My Eyes (antiga Scelerata) (Foto: Divulgação)

Baterista da aclamada banda brasileira de metal Rage in My Eyes (antiga Scelerata), que já contou com a participação de vocalistas como Paul Di’Anno (ex-Iron Maiden) e Andi Deris (Helloween), o gaúcho Francis Cassol decidiu tornar-se vegano depois de assistir a uma palestra do ativista Gary Yourofsky No YouTube em 25 de junho de 2012. Segundo o músico, foi um momento muito marcante em sua vida. “Eu não conhecia os detalhes do terror que é a indústria leiteira, e lembro de desandar a chorar ao final da palestra. Foi o suficiente para eu virar vegano com absoluta convicção de estar fazendo a coisa certa”, garante.

Desde então, Cassol começou a pesquisar e a estudar mais sobre o tema, procurando por livros, palestras e documentários. Não para convencer a si mesmo de que fez uma boa escolha, mas sim para motivar outras pessoas a seguirem pelo mesmo caminho. “Durante os meus estudos, também aprendi sobre o violento impacto ambiental da indústria agropecuária e dos benefícios do veganismo para a saúde humana”, explica.

Embora a mudança definitiva tenha acontecido em 2012, Francis se recorda que aos oito anos ele decidiu não comer mais animais, porém, por influência da família ele continuou consumindo carne branca por mais alguns anos. “Um dia, visitando uma das minhas avós, que morava no campo e tinha criação de algumas vacas ‘de leite’, acabei por conhecer e me afeiçoar a um terneiro. Não lembro exatamente dos detalhes, mas eu soube que ele seria morto.  Sei que ela não fazia disso um negócio, mas ainda assim isso obviamente mexeu muito comigo”, reconhece.

Em entrevista à Vegazeta, Francis Cassol fala um pouco mais da sua história com o veganismo e sobre o movimento veggie no metal; além de ativismo em prol dos animais e do trabalho do Rage in My Eyes, que também traz na sua formação dois membros ovolactovegetarianos.

Francis, peço que você se apresente aos nossos leitores e fale um pouco sobre a sua trajetória. 

Meu nome é Francis Cassol, sou músico e educador musical. Me interessei por tocar um instrumento aos 12 anos de idade após assistir pela televisão a apresentação do Guns N’ Roses no Rock in Rio 2. Escolhi a bateria como o meu instrumento. Hoje tenho três discos lançados mundialmente com a banda Scelerata (que tem 16 anos de história e recentemente mudou de nome para Rage In My Eyes), sendo que o terceiro disco, “The Sniper”, teve grande repercussão internacional e sessões de bateria gravadas na Alemanha. Com o Scelerata como banda de apoio, também fui o baterista oficial do Paul Di’Anno (ex-Iron Maiden) de 2009 a 2014, quando ele foi forçado a dar uma pausa na carreira por questões de saúde. Em 2017, me formei como educador musical e me mudei para Los Angeles. Em LA, gravei o disco da banda Rage In My Eyes, toquei com a vencedora do concurso America’s Got Talent, Bianca Ryan, e tenho me apresentado semanalmente com diversos artistas. Ganhei duas bolsas de estudo para o programa de Performance em Bateria no Musicians Institute (MI), situado em Hollywood, e recentemente me formei sempre com nota A nas disciplinas. Há dois meses fechei contrato de endorsement com a Paiste Cymbals, uma das maiores marcas de pratos do mundo. Também tenho o apoio das marcas Urbann Boards Drummer Shoes e das Baquetas C. Ibañez.

Você é o vegano da banda e tem também dois membros do Rage in My Eyes que não consomem nenhum tipo de carne. Isso de alguma forma tem influenciado em algum aspecto a imagem da banda e a mensagem que vocês pretendem passar?

Quem segue as minhas mídias sociais sabe que falo abertamente sobre veganismo. Em geral, recebo muito apoio, tanto de veganos quanto de não veganos, mas logicamente críticas também. Acredito que não existe nenhum outro assunto tão urgente como esse. A humanidade tem que resolver essa questão mal resolvida com os animais emergencialmente. Com certeza no momento de escrever letras, a questão animal está presente, mesmo que não explicitamente. As letras do Rage In My Eyes fazem duras críticas a uma série de coisas. Uma delas é a relação fria e de indiferença que temos com os problemas alheios. Nesse contexto estão também os animais. As nossas letras estão abertas à interpretação, mas posso te adiantar o trecho de uma letra de uma música nova que se encaixa muito bem na questão da busca pelos direitos dos animais, mesmo que não trate especificamente sobre isso:

Programmed to die,

No place to hide,

The flesh is killing the soul.

Is there some light

Behind those eyes?

No one’s guilty of this crime.

Eu gostaria de, nos próximos discos, trazer esse tema de uma forma um pouco mais explícita.

Quem assina as músicas da banda?

Funciona basicamente da seguinte forma. Algum membro da banda apresenta a música ou alguma ideia para os demais, a gente vai pro estúdio e trabalha a música até ela ficar lapidada e bonita. A gente faz questão de tocar as músicas juntos, ensaiar, trabalhar detalhes e arranjos juntos, antes de gravar. Incrivelmente esse é um processo raro hoje em dia entre as bandas de metal.

O processo todo é bem democrático, temos composições de todos os integrantes. Todos têm a liberdade de sugerir e opinar sobre a música do outro, deixando assim o ego de lado. Esse disco vai trazer pela primeira vez uma composição minha, então estou bastante animado. Em relação às letras, temos três letristas: eu, o Jonathas Pozo (V) e o Leo Nunes (G).

Quais temas são prioritários na hora de escrever as letras?

Esse disco traz temas bastante filosóficos, porém posso resumir da seguinte forma. Ele tem como conceito principal a frieza, ganância, cegueira e inversão de valores que vêm crescendo e se mostrando cada vez mais presente, de forma geral, na humanidade. Hoje em dia tudo está à venda: as nossas vidas, os nossos sonhos, nossa dignidade, etc. É o lado obscuro do homem que vem florescendo lentamente.

A formação atual é fixa? Quem são os membros mais recentes do Rage in My Eyes?

Sim, a formação atual conta com Jonathas Pozo (V), Magnus Wichmann (G), Leo Nunes (G), Pedro Fauth (B) e Francis Cassol (B). Eu e o Magnus participamos de todos os discos do Scelerata, portanto somos os veteranos na banda. O Pozo entrou na banda em 2013 e o Leo e o Pedro em 2015. A entrada desses três músicos fantásticos foi outro fator que nos levou a modificar/atualizar o nome da banda de Scelerata para Rage In My Eyes.

Mille Petrozza disse há algum tempo que o movimento veggie no metal está crescendo cada vez mais. Na sua perspectiva, o que tem contribuído pra essa preocupação maior com os animais e até mesmo com o meio ambiente no cenário do metal?

Isso me chama muito a atenção também. Existem muitos – e cada vez mais – músicos veganos no heavy metal. Acredito que os músicos em geral têm uma sensibilidade diferenciada, e isso se estende à compaixão e empatia com os animais. E o mais legal é que o pessoal não tem medo de expor esse lado, muitas vezes fazendo questão de postar fotos com os seus companheiros peludos, mostrando que ajudam animais resgatados, etc. Acredito que a informação que chega a nós – através de vídeos reais que denunciam o horror da indústria de exploração de animais, pesquisas e estatísticas que comprovam que a pecuária é a grande inimiga do meio ambiente, e cada vez mais estudos feitos por profissionais sérios mostrando que a alimentação vegana é a mais saudável – não passa desapercebida por esses músicos.

Você considera importante um músico vegano se posicionar em relação ao veganismo quando tem a oportunidade, quero dizer, usar a sua visibilidade para chamar a atenção para a causa animal?

Acho que o músico tem até a obrigação de fazer isso. Quem ama e se preocupa de verdade com os animais tem o dever de ajudar da forma que puder. As mídias sociais têm tido um papel fundamental na divulgação do veganismo e na busca pelos direitos dos animais porque pela primeira vez na história não existem filtros da grande imprensa. Os ativistas pelos direitos dos animais não estão fazendo isso por autopromoção ou dinheiro, eles fazem por amor e porque realmente acreditam que o mundo pode mudar. E dessa forma a verdade está chegando mais facilmente às pessoas. Se um músico tem o poder de influenciar positivamente, chamando a atenção dos seus fãs para o horror que é a indústria da exploração animal, ele deve sim fazê-lo.

É fácil excursionar sendo vegano? Nunca enfrentou nenhuma dificuldade para encontrar comida de qualidade na estrada? É preciso preparar alguns alimentos quando sai em turnê?

Essa é uma excelente pergunta. Não é fácil encontrar o que comer na estrada, não. Quando a banda está na cidade, facilita um pouco porque as opções de restaurantes aumentam. Preparar alimentos antes é praticamente impossível em uma tour um pouco mais longa porque podem estragar, mas é possível levar algumas barrinhas, nozes, frutas, etc. em casos de emergência. Aqui nos EUA existe um Subway a cada esquina, então numa emergência sempre é possível recorrer ao pão italiano e pedir para os funcionários trocarem as luvas no momento de preparar o sanduíche vegano.

Como foi a experiência de gravar o álbum “The Sniper” no estúdio do Blind Guardian na Alemanha? Com as participações especiais do Paul Di’Anno e do Andi Deris. Encontrou algum vegano ou vegetariano por lá nessa época?

Essa foi uma das experiências mais legais que já tive. É muito legal ver como cada produtor tem a sua maneira de trabalhar, é sempre um grande aprendizado. Eu gravei com o produtor Charlie Bauerfeind, que tem no currículo trabalho com bandas como o próprio Blind Guardian, Helloween, Motörhead, Hammerfall, Halford, Angra, entre muitas outras. Essa gravação ocorreu em 2011, portanto eu era ovolactovegetariano na época. A gente não teve tempo de sair para fazer turismo ou conhecer pessoas, portanto não cheguei a conhecer nenhum veggie por lá. Porém lembro que o Burger King já trazia a opção de lanche vegano, que eu pedi algumas vezes. Infelizmente, sendo minoria, muitas vezes temos que aceitar ir em lugares como esse, mesmo a contragosto.

O álbum mais recente do Rage in My Eyes foi gravado parcialmente em Los Angeles e parcialmente em Porto Alegre, como foi essa experiência?

A razão de termos gravado parcialmente o disco em Los Angeles chama-se Adair Daufembach. Adair é um produtor brasileiro, de Criciúma-SC, que é simplesmente um dos maiores produtores de metal do mundo. Fazia anos que eu queria trabalhar com ele, e quando esse momento chegou, ele havia se mudado para Los Angeles para abrir o seu estúdio. Resolvemos então ir atrás dele para gravar as baterias pro disco. O Adair sabe tudo sobre gravação de bateria, por isso fizemos questão de trabalhar com ele. O restante foi gravado em Porto Alegre, sob a produção do guitarrista do Rage In My Eyes, Magnus Wichmann. O Adair Daufembach também mixou e masterizou o trabalho. O disco está 100% finalizado e no momento estamos negociando o lançamento.

Como o veganismo está inserido hoje na sua vida? Você gosta de estimular as pessoas a seguirem por esse caminho?

O veganismo sem dúvida é uma das coisas mais importantes na minha vida e tem um papel fundamental na definição da minha personalidade e nas minhas ações diárias. Eu estou constantemente pensando nos animais e no que eles estão passando.  Durante esses seis anos de veganismo, fui aprendendo a forma mais eficaz de abordar o tema. A minha indignação nos primeiros meses era tão grande, eu sentia aquela necessidade de mostrar a verdade, que às vezes eu usava palavras agressivas quando não tinha uma resposta positiva por parte das pessoas, o que é sempre muito frustrante. Aprendi a trazer informações, não agredir as pessoas, de vez em quando postar fotos de comida, etc. Um ativismo mais passivo, eu diria. É um pouco de psicologia: ninguém gosta de ouvir que está agindo errado e que está causando tanto mal, mesmo que de forma indireta. Então é preciso ter cuidado com a maneira como o assunto é introduzido, para que as pessoas ouçam e entendam ao invés de implicar com os veganos e com o veganismo.  Porém, incrivelmente, na maior parte das vezes em que esse assunto surge, foi por iniciativa de outra pessoa. Então procuro aproveitar essas oportunidades em que a pessoa demonstra interesse no tema e em aprender mais. A parte mais difícil de ser vegano sequer envolve comida, mas sim ver a indiferença de algumas pessoas que eu sei que são boas, que jamais poderiam matar um animal, mas que não tomam uma atitude a respeito por mera conveniência. Mas não podemos desistir dessas pessoas.

Já teve alguma experiência ruim com alguém por ser vegano?

Como parei de comer carne quando criança, sempre fui o diferente. Imagine passar a adolescência inteira sendo o diferente, aquele que não come churrasco, cachorro quente, etc. Então criei um escudo e não deixo qualquer coisa me afetar. Percebo que de uns anos pra cá, em geral, as pessoas são muito mais respeitosas, e penso que isso se deve ao fato de que no fundo elas sabem que os veganos estão certos. Por sorte não tive nenhum problema mais sério com alguém em função do meu veganismo.

A proposta de misturar heavy metal com prog metal e elementos de milonga continua ou vem alguma mudança pela frente?

Os dois primeiros discos do Scelerata já traziam músicas com essa mescla. O talentosíssimo acordeonista Renato Borghetti gravou a música “Endless” no disco Darkness & Light, de 2006, e o não menos incrível Mateus Kléber gravou acordeon em duas faixas no disco “Skeletons Domination”, de 2008, incluindo a faixa “Forever & Ever”, que é uma das minhas preferidas. Temos sim a intenção de manter essa mescla nos discos futuros, mostrando esse lado do Brasil menos conhecido. Esse lado do Pampa, do Sul que faz frio e que se diferencia do Brasil do carnaval, das praias e do samba. Porém não queremos que isso esteja presente em todas as músicas. Temos também outros elementos a mostrar que às vezes não soam tão bem com esses instrumentos um tanto quanto inusitados. Cada composição é uma história e temos que respeitá-la.

Você tem alguma história para compartilhar, alguma experiência que viveu e que merece ser contada envolvendo o veganismo ou os animais?

Sim, gostaria de contar sobre o tênis sem nada de origem animal que a Urbann Boards Drummer Shoes desenvolveu a partir de um pedido meu. A Urbann Boards é uma empresa surgida em 2006 em Novo Hamburgo/RS, e que desenvolveu uma linha de tênis voltada exclusivamente aos bateristas. Porém todos os modelos utilizavam material de origem animal. Em 2015, o meu amigo Rodrigo Castilhos, dono da empresa, me procurou oferecendo uma parceria. Eu levei alguns dias para retornar, pensando na melhor resposta, porque não queria que ele tivesse a ideia errada. Disse a ele que eu não uso couro e que por isso não me sentiria confortável utilizando o tênis da empresa. A resposta dele foi surpreendentemente positiva. Ele me respondeu dizendo que desenvolveria um modelo para mim, sem nada de origem animal, e que colocaria no mercado para venda, já que ele conhecia muitos outros bateras veganos. O modelo desenvolvido se chama BLAST e hoje é o mais vendido da empresa. Tenho muito orgulho por ter feito parte dessa mudança. A Urbann Boards trabalha com alguns dos maiores nomes da bateria mundial, como Neil Peart, Virgil Donati e Aquiles Priester. Também gostaria de citar um projeto que tenho muita vontade de fazer com os músicos e amigos Alisson Martinho e Fabrício Araújo, dois músicos veganos que me convidaram para gravar algumas músicas para o seu projeto, que abordará exclusivamente temas animalistas e terá a participação exclusiva de músicos veganos. Nós estamos falando sobre isso há mais de ano e já temos seis músicas prontas, porém estamos com dificuldade de conciliar as nossas agendas para gravação. Mas vai sair, pode ter certeza!

Francis, há músicos na cena do metal que te inspiram como vegano? Ou até mesmo referências que não estão relacionadas especificamente com o metal.

Sim, a Alissa White-Gluz, vocalista do Arch Enemy, tem feito um bonito trabalho na divulgação do veganismo. Outro músico cujo ativismo sou fã é o Moby. Fora da música, sou um grande fã do ativista australiano James Aspey e da ativista-celebridade brasileira Luisa Mell.

Para finalizar, você acredita na possibilidade de um mundo vegano?

Nós veganos não temos outra escolha. Nós devemos um mundo vegano aos animais. Nós não podemos nunca deixar de lutar por eles, e se nós acreditarmos de verdade que o mundo pode ser vegano, vamos inspirar cada vez mais pessoas a se sensibilizarem com a dor dos animais.

Fonte: Vegazeta 

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