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Bob Comis, o relato de um ex-criador de porcos que abandonou a sua principal fonte de renda por respeito aos animais

12 de março de 2018
4 min. de leitura
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Comis: “Depois de cuidar de um grupo de porcos, nunca vou embora nem dirijo o trator sem sorrir ou, muitas vezes, rir em voz alta” (Foto: Reprodução)

São cinco horas da manhã, e temos quinze graus lá fora, e uma tempestade de neve que pode lançar até 16 polegadas sobre nós está a apenas algumas milhas de distância. Lá fora, nesta terra invernal, estão 250 porcos espalhados pelo campo e pelos celeiros da fazenda, aninhados calorosamente em grandes camadas de palha, dormindo profundamente como grandes pilhas suínas, compartilhando o calor do corpo e o conforto social do contato físico. Eles são porcos felizes. Eles são, talvez, tão felizes quanto a felicidade.

Afinal, tudo que eles poderiam querer ou desejar está bem à mão, ou casco, neste caso. Comida, abrigo, água, ar fresco, espaço para vagar, correr, brincar, se aquecer e se enterrar. Eles não desejam mais nada, mesmo no inverno. Ao percorrerem seus campos e celeiros, enfiando seus narizes na neve e ressurgindo do solo gelado, eles mantêm um fluxo constante de sons e grunhidos silenciosos que expressam contentamento, se comunicando com outros porcos no mesmo local onde estão. Os grunhidos silenciosos são partilhados pelos porcos o dia todo. São tão suaves quanto o som das cigarras nas noites de verão.

Alguns dos porcos, aqueles que estão no celeiro, onde é mais quente, e a palha é mais volumosa, pesam apenas 40 libras [18 quilos]. Outros pesam 150 libras [68 quilos]. Os maiores têm em torno de 300 libras [136 quilos]. Os porcos grandes são tão imunes ao frio que quando o dia está com 20 graus e ensolarado, eles mergulham suas cabeças no tanque de água apenas por diversão, tentando lambê-la enquanto desce pelos seus narizes. Suas várias expressões de contentamento, de felicidade, são contagiosas. Depois de cuidar de um grupo de porcos, nunca vou embora nem dirijo o trator sem sorrir ou, muitas vezes, rir em voz alta.

Dez desses maiores porcos vão morrer amanhã, não na minha mão, mas sob o meu pedido. Esta tarde, enquanto eles dormem, os prenderei no celeiro com uma série de painéis. Então retornarei com o trailer de reboque de gado e criarei uma espécie de rampa para arrebanhar os porcos e levá-los para o trailer. Eu levarei aqueles dez porcos, aqueles dez porcos felizes, para o matadouro, onde vou descarregá-los em uma área de confinamento pré-abate. Por causa da tempestade que está chegando, não posso deixá-los lá amanhã, o que eu preferiria. Em vez disso, esses porcos felizes terão que passar a última noite de suas vidas infelizes em uma estranha e malcheirosa prisão de concreto antes de serem reunidos um por um em um pequeno espaço onde serão mortos rapidamente.

Amanhã, antes das nove horas, no momento em que eu remover a neve para que eu possa alimentar e hidratar os porcos felizes, os dez porcos que deixei no matadouro estarão mortos. Eles terão sido baleados na cabeça com uma pistola pneumática que os deixará inconscientes. Então uma faca excepcionalmente afiada terá sido mergulhada em seus corações palpitantes, de forma a fazer toda a sua vida se esvair com o sangue que percorre suas veias e artérias, criando uma densa e dispersa camada vermelha carmesim no chão de concreto cinzento do matadouro.

Vinte minutos depois, eles estarão sem vida, divididos em duas metades e pendurados por cada perna traseira em longos ganchos brilhantes de aço inoxidável, e presos a um trilho por uma roldana, de modo que os porcos possam ser empurrados para dentro do frigorífico; para que seus corpos, suas carcaças ainda quentes das vidas que foram tiradas, estejam em temperatura abaixo de 40 graus para que possamos comer suas carnes, como determinado pelo USDA [Departamento de Agricultura dos Estados Unidos]. Seus olhos, seus olhos muito humanos que ao longo da vida olham para você com óbvia inteligência, estarão tão imóveis e vitrificados quanto o mármore.

Na atual conjuntura discursiva, os porcos felizes são a alternativa ideal para os porcos miseráveis e abusados que são criados nas fazendas industriais. Os porcos felizes se tornam carnes felizes, e a carne feliz é boa. Devemos nos sentir bem comendo carne feliz. Porcos felizes, sério? Sou assombrado pelos fantasmas de quase dois mil porcos.

(Há um mês, tive minha última crise consciência, em uma década de crises de consciência mais ou menos intensas. Tendo abandonado o último vestígio do que parecia ser a justificativa legítima, baseada na felicidade e na rápida morte indolor, me tornei vegetariano. Agora estou no começo do processo complicado de dar um fim à minha vida como criador de porcos.)

Bob Comis é um ex-criador de porcos que em 2014 abandonou a criação de animais para consumo. Suas histórias sobre as suas experiências que revelam a realidade da exploração animal sob a ótica de quem fez parte desse meio por muito tempo, e como ele percebeu que os animais são mais do que produtos ou meios para um fim, já chamaram a atenção de alguns dos mais importantes veículos de comunicação dos Estados Unidos.

Referência

Comis, Bob. Happy pigs make happy meat. The Dodo (fevereiro de 2014).

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