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Cavalo passa 18 h preso em delegacia e advogadas alertam sobre abuso de autoridade

14 de novembro de 2017
4 min. de leitura
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Um cavalo foi preso pela Polícia Militar na cidade de Nossa Senhora Aparecida, em Sergipe e passou 18 horas na delegacia. O motivo da prisão teria sido um coice que o cavalo, assustado, deu em um veículo durante a realização de uma cavalgada, evento pautado pela exploração animal.

Cavalo foi mantido em condição de maus-tratos (Foto: Divulgação)

O capitão da Polícia Militar, Vagno Passos, comandante do policiamento no município, disse ao G1 que “o cavalo deu um coice na porta de um veículo, sendo utilizado como meio para cometer o crime de dano. E foi conduzido à delegacia para que fosse realizado o procedimento”.

A advogada Fernanda Tripode afirma, entretanto, que um animal ser usado como instrumento para o crime não dá direito ao delegado de apreendê-lo por ele ser passível de ser vítima de crime. “O animal é um ser senciente, então você pode cometer crime de maus-tratos contra ele. Você não pode, sem uma ordem judicial, apreendê-lo. Foi abuso de autoridade”, disse ela.

Letícia Filpi, advogada abolicionista, acrescenta que, ao dar voz de prisão a um cavalo por crime de dano, o delegado comete um erro por não se atentar ao fato de que o Estado reconhece os animais como coisas semoventes e coisa não comete crime. Além disso, ela lembra que dano é crime de menor potencial ofensivo e, portanto, não incorre em prisão. “Dano é crime que só acontece na forma dolosa. Não existe crime de dano culposo. O cavalo da história não teve intenção de causar dano, de modo que o delegado, na mais pura ignorância, parece não saber que sem dolo não há crime”, reforçou Letícia.

Ela explica também que os animais deveriam ser considerados sujeitos de direitos, mas que não podem ter obrigações. “Assim como as crianças e os bebês, os animais devem ser respeitados em seu direito á vida, dignidade e liberdade por serem dotados de inteligência, sensibilidade e consciência, mas não têm capacidade para assumir obrigações, de modo que, como sujeito de direitos, seriam inimputáveis criminalmente. Em suas condutas não há dolo, não há intenção. Então, ainda que se mude o status do animal, de coisa para sujeito de direitos, ele jamais poderá ser condenado por crime ou, como ocorreu no caso, detido para averiguação. Isso é um absurdo”, disse.

O engenheiro civil e tutor do cavalo, Wiliam Francisco dos Santos, conta que o acidente aconteceu após outras pessoas pedirem para passear com o cavalo. “Um rapaz saiu para dar uma volta e o cavalo se assustou e deu um coice, que atingiu o veículo de uma mulher da cidade de Ribeirópolis. Em seguida, um policial pegou o cavalo e o levou para a delegacia”, contou o engenheiro.

William conta ter se oferecido para levar o cavalo, mas o policial se recusou e informou que o cavalo seria liberado apenas nesta segunda-feira (13). “Quando eu cheguei na delegacia o cavalo estava em uma cela, como se fosse um marginal. Ele estava sem comida, sem água e em um espaço onde não podia ser mexer. A noite eu levei comida, mas no dia seguinte de manhã não me deixaram alimentá-lo”, desabafou.

O cavalo foi preso após dar um coice em um carro (Foto: Reprodução / YouTube)

O tutor do cavalo solicitou auxílio da ONG Educação Legislação Animal (ELAN). Nazaré Morais, presidente da entidade, registrou um Boletim de Ocorrência refere aos maus-tratos sofridos pelo cavalo ao ser mantido em local inadequado.

Nazaré declarou ao site Infonet que a retenção do cavalo será denunciada à Corregedoria da Polícia Militar do Estado de Sergipe como desvio de finalidade de prédio público, pois o animal ficou retido no Centro Integrado de Segurança Pública (CISP). Além da representação por crime ambiental, pois Nazaré alega que o cavalo ficou trancado na delegacia por 18 horas sem assistência e teria saído com uma das patas machucadas. A presidente da ONG informou ainda que vai denunciar a ação policial ao Ministério Público do Estado de Sergipe.

“Não existe nenhum procedimento contra mim, mas prenderam o meu cavalo. Estou registrando um Boletim de Ocorrência e vou entrar na Justiça. Precisei pedir ajuda para uma ONG de proteção aos animais para tentar soltá-lo. O que só aconteceu na tarde desta segunda-feira. Ele foi liberado, mas está mancando de tanto ficar sem se mexer”, denuncia o tutor, que se comprometeu em arcar com os custos do dano causado ao veículo. Ele afirmou que irá comparecer à delegacia no município de Ribeirópolis, onde a dona do carro reside, para acertar o pagamento.

O capitão da Polícia Militar nega os maus-tratos e afirma que o cavalo passou a noite na delegacia porque o tutor teria se recusado a admitir a responsabilidade e culpado a motorista por ter estacionado na área do evento. “Somente nesta segunda-feira (13) o tutor do animal assinou um termo de responsabilidade sobre o dano e o cavalo, e o animal foi solto”, disse Passos.

Apelidado carinhosamente como Pé de Pano, a imagem do cavalo viralizou na internet.

Veja o vídeo feito pelo tutor do cavalo:

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