EnglishEspañolPortuguês

Investigação revela a impunidade de diplomatas envolvidos no tráfico de marfim e de chifres de rinocerontes

22 de outubro de 2017
6 min. de leitura
A-
A+
Rinoceronte morto
Foto: Brent Stirton, Getty, National Geographic Creative

Braconnier significa “caçador” em francês e, durante décadas, a Place Braconnier-Poacher Square foi sinônimo de marfim, das peles de leopardo, dos dentes de leão, dos chifres de kudu, dos cascos de tartaruga e outros produtos de animais selvagens comercializados no local. Foi entre as barracas da Poacher Square que Daniel Stiles, um ativista independente que realizou uma pesquisa de campo sobre o marfim em 1999, viu os coreanos pela primeira vez.

Eles estavam comprando presas e esculturas e Stiles presumiu que pretendiam traficá-las para vendê-las na Coreia do Sul. Ao visitar o país, ele ficou perplexo ao descobrir que o mercado de marfim da nação era quase inexistente. Depois de anos, Stiles percebeu seu erro: os compradores eram quase certamente norte-coreanos e não sul-coreanos.

De acordo com historiadores, cientistas políticos e inúmeros governos, os diplomatas norte-coreanos são conhecidos por seu envolvimento com negócios ilegais. Até agora, eles chamaram a atenção principalmente por suas atividades de tráfico na Europa e na Ásia, mas um novo relatório revela que a África e seus animais selvagens também se destacam nas atividades ilícitas da Coreia do Norte.

Chifre de rinoceronte
Foto: Brent Stirton, Getty, National Geographic

De acordo com as descobertas, publicado pela Global Initiative Against Transnational Organized Crime – uma rede sediada em Genebra, composta por especialistas na aplicação da lei, do governo e do desenvolvimento – pelo menos 18 casos envolvendo diplomatas norte-coreanos traficando rinocerontes e marfim ocorreram nos últimos 30 anos. O número de casos não descobertos deve ser muito maior.

O alerta foi dado pela primeira vez por Julian Rademeyer, o autor do documento, quando uma notícia bizarra chamou sua atenção. Em Maio de 2015, Pak Chol-Jun, um conselheiro político da embaixada de Pretória da Coreia do Norte e Kim Jong-Su, um mestre de taekwondo de Pretória, foram capturados em Moçambique com cerca de US$ 100 mil em dinheiro e quase cinco quilos de chifres de rinocerontes.

O embaixador norte-coreano na África do Sul negociou a libertação dos homens, mas a África do Sul expulsou o conselheiro político. Enquanto isso, o mestre de taekwondo, que também era suspeito de ser um espião da Coreia do Norte, de acordo com as fontes confidenciais de Rademeyer, afirmou a seus alunos de artes marciais que estava indo para casa para “visitar a família”, mas ele nunca retornou.

“Apenas tentar conseguir a confirmação de que o incidente ocorreu foi um pesadelo. No entanto, despertou o meu interesse pelo envolvimento diplomático norte-coreano no comércio de chifres de rinocerontes e marfim”, explica Rademeyer.

Rinoceronte cujo chifre foi arrancado dorme ao lado de cuidadora
Foto: Brent Stirton, Getty, National Geographic

Ainda que incidentes como o de Moçambique às vezes sejam divulgados como casos isolados na imprensa, Rademeyer descobriu um padrão contínuo da prática. De acordo com a National Geographic, os desertores de alto nível que ele procurou para realizar entrevistas descreveram funcionários da embaixada e militares que traficam marfim de Angola, Etiópia e República Democrática do Congo, além de chifres de rinoceronte da África do Sul e Moçambique.

Acredita-se equivocadamente que os diplomatas possuem imunidade para operações de busca ou prisão e pesquisas adicionais revelaram que os norte-coreanos se aproveitam disso para traficar produtos da vida selvagem em bagagens de mão em voos para a China, onde eles possuem vínculos com redes criminosas organizadas.

Um desertor, um antigo intermediário da importação e exportação disse a Rademeyer que seu trabalho incluiu facilitar as transações entre diplomatas da África e criminosos chineses. Diplomatas  norte-coreanos “voariam para Pequim e se encontrariam diretamente com os traficantes chineses ou eu iria organizar isso e trocar por moeda”, ele disse a Rademeyer, referindo-se ao tráfico de chifres de rinocerontes, marfim e ouro.

Ele acrescentou que os diplomatas podem fazer três ou quatro dessas viagens de tráfico a cada ano. Alguns incidentes das listas de Rademeyer datam de 1986, mas outros são mais recentes. No outono de 2016, ocorreram dois casos seguidos de traficantes noruegueses no aeroporto internacional de Bole, na Etiópia. O primeiro foi encontrado com 76 pedaços de marfim esculpido em sua bagagem, o segundo com 200 braceletes de marfim. Ambos iam para a China. Quando um dos homens mostrou seu passaporte diplomático, ele foi liberado sem acusações, o que provavelmente ocorreu com outro homem também.

“Muitos poucos oficiais querem arriscar enraivecer seus supervisores detendo diplomatas. Isso aponta para um grande problema de aplicação da lei”, frisa Rademeyer.

A África não é o único lugar onde os diplomatas norte-coreanos se envolvem em práticas ilegais. Isso provavelmente começou em meados da década de 1970, quando a Coreia do Norte endividada era incapaz de conseguir empréstimos, de acordo com Sheena Chestnut Greitens, co-diretora do University of Missouri’s Institute for Korean Studies. O país estava desesperado por dinheiro e os diplomatas empobrecidos (os embaixadores da Coreia do Norte podem ganhar apenas US$ 1.000 por mês atualmente) ficaram sobrecarregados com a responsabilidade de encontrar meios de sobrevivência.

Em 1976, os países escandinavos expulsaram 12 diplomatas da Coreia do Norte de seus respectivos países, depois que investigadores descobriram que eles traficavam e vendiam grandes quantidades de vodka, cigarro e haxixe da Polônia. Isso pouco ajudou a impedir essas práticas. Greitens verificou cerca de 150 casos de atividades ilícitas envolvendo norte-coreanos, sendo que muitos são diplomatas e alguns deles foram recompensados com promoções ao retornarem para seus lares.

Rinoceronte recebe atendimento após ter o chifre arrancado
Foto: Brent Stirton, Getty, National Geographic

Com as fábricas do país produzindo metanfetaminas de alta qualidade para a distribuição para a China e outros países, os diplomatas estão menos envolvidos com o tráfico de drogas, segundo Greitens. Entretanto, existem várias evidências de que eles traficam e comercializam produtos farmacêuticos falsificados, dólares dos EUA e cigarros, e obtêm ilegalmente produtos de ouro, de animais selvagens e armas. “O tráfico é parte de como a Coreia do Norte obtém a moeda forte de que necessita para continuar e permitir que o regime permaneça no poder”, aponta Greitens.

Procurado pela reportagem, um porta-voz da embaixada da República Popular Democrática da Coreia em Pretória negou que os diplomatas o envolvimento dos diplomatas com o tráfico de chifres de rinoceronte e marfim.

Conforme as sanções econômicas se tornam mais severas na Coreia do Norte, os diplomatas provavelmente aumentarão suas atividades ilícitas no exterior, prevê Blancke. Isso inclui o aumento do tráfico de chifres e de marfim ao qual os criminosos recorrem porque oferecem altos retornos com baixo risco.

O desertor de Seul disse a Rademeyer que, entre 2011 e 2014, os diplomatas lucraram cerca de US$ 10 mil em lucro por cada mala de marfim de sete a 10 quilos e aproximadamente US$ 35 mil por pouco mais de dois quilos de chifres de rinocerontes brancos (os chifres de rinocerontes negros são vendidos pelo dobro desse valor).

Você viu?

Ir para o topo