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A problemática das carroças

25 de maio de 2017
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Divulgação

Problema muito comum – sobretudo em cidades do interior – é a utilização de carroças, o que vem sendo debatido e legislado em vários municípios. Está cada vez mais comum a imprensa noticiar que mais um município editou lei proibindo a utilização de carroças. O uso de carroças é um fato que traz problemas das mais diferentes ordens:
(i) problemas de trânsito: por motivos óbvios, o uso de carroças atrapalha o trânsito nos centros urbanos, contribuindo ainda mais para a existência de congestionamentos;
(ii) problemas de saúde pública: os animais de grande porte utilizados nas carroças podem colaborar na proliferação de zoonoses;
(iii) problemas ambientais: além do problema gerado pelos animais que defecam nas vias públicas, muitas vezes carroceiros são contratados por munícipes para remover resíduos de construção civil ou outros resíduos sólidos (móveis, poltronas, sofás, podas de árvores etc) que não são recolhidos pelo sistema regular de coleta de lixo urbano. Estes mesmos carroceiros, em regra, acabam por depositar tais materiais em locais irregulares, causando danos ao meio ambiente, inclusive com aumento de problemas ligados à saúde pública, diante da formação de lixões não controlados;
(iv) problemas ligados aos maus-tratos contra animais: não é difícil constatar que grande parte dos animais utilizados em carroças encontra-se magro e com problemas no casco, mancando, carregando pesos em excesso, são utilizados em demasia (praticamente o dia todo) e sob calor escaldante, dentre outras formas de abuso. Também é comum que carroceiros abandonem tais animais quando estes ficam doentes e não mais lhes dão nenhuma serventia. É mais barato comprar outro animal em um leilão realizado por uma Prefeitura do que gastar dinheiro com medicamentos e veterinário (em regra, o município acaba recolhendo o animal, assumindo um oneroso tratamento veterinário e, depois de alguns meses, após a recuperação do animal [se não ocorrer o óbito], o mesmo é leiloado por um valor que não cobre nem uma pequena parte dos gastos assumidos pelo município com seu tratamento) – portanto, leilões devem ser proibidos, pois, além de incentivar o abandono, os animais acabam voltando a puxar carroças (e a serem submetidos a situações de maus-tratos) ou, ainda, são adquiridos para abate clandestino. É um problema em cascata. A alternativa ao leilão é destinar os animais para locais da zona rural, onde pessoas aceitem recebê-los e “aposentá-los”, se comprometendo a não os submeter a mais nenhum tipo de exploração;
(v) problema social I (má distribuição dos reciclados entre os próprios catadores): os catadores de reciclado que utilizam veículos de tração animal (carroças) ou veículos automotores (normalmente carros bem velhos e em situações precárias, que geram muitas despesas com manutenção), por conseguirem trafegar entre um ponto e outro em maior velocidade e menor tempo, acabam passando em mais locais do que os catadores que empurram seu próprio carrinho de mão. Por esta razão, conseguem selecionar para serem recolhidos apenas os materiais de maior valor, restando aos catadores que empurram seu próprio “carrinho” apenas materiais de baixo valor. Esta situação gera uma injusta desigualdade entre os próprios catadores de reciclados. Políticas Públicas que incentivem a formação de cooperativas de catadores (ou estruturas semelhantes) podem eliminar este tipo de injustiça, distribuindo renda de forma mais igualitária, permitindo um resultado final mais satisfatório;
(vi) problema social II (subemprego): o trabalho desenvolvido pelo carroceiro pode ser classificado como um subemprego, ou seja, algo que fica entre o emprego e o desemprego. Isto porque ele trabalha em condições precárias, sob sol e chuva, sem equipamentos de segurança, correndo riscos ao mexer em materiais que podem lhe causar ferimentos etc. E todo esse exaustivo trabalho lhe dá um retorno financeiro ínfimo, que mal dá para custear os gastos com sua própria subsistência.
O carroceiro não vive, ele sobrevive. Não tem nenhuma perspectiva de crescimento profissional, de progresso, de melhora em sua qualidade de vida. Neste sentido, apoiar a manutenção deste tipo de atividade é, de certa forma, contribuir para a violação dos Direitos Humanos. Muitas pessoas apoiam a manutenção desta atividade porque têm pena do carroceiro e acham que se ele for proibido de trabalhar com carroças ele ficará desempregado. Estas pessoas ignoram toda a problemática que envolve a atividade do carroceiro. Todo cidadão tem direito a um trabalho descente e a uma vida digna. Não pode ficar condenado a “sobreviver” em vez de viver (com dignidade). Por meio da execução de Políticas Públicas é possível conferir a estas pessoas um trabalho digno, elevado ao nível de emprego (e não subemprego), onde elas possam progredir profissionalmente e obter, de seu trabalho, muito mais do que míseros recursos que apenas garantem a sua sobrevivência. Por fim, vale ressaltar que tais Políticas Públicas podem tanto organizar melhor a mesma atividade já desempenhada pelo carroceiro (ex: formação de cooperativa de catadores de reciclados, com utilização de outro meio de transporte que não as carroças) quanto capacitá-los para o desempenho de outra atividade profissional, com recolocação dos mesmos no mercado de trabalho.
Diante dos inúmeros problemas gerados com a utilização de carroças, só existe uma explicação para o fato de algumas pessoas insistirem em apoiar tal atividade: o total desconhecimento do assunto.
*Mauro Cerri é professor, advogado e idealizador do projeto Sentido Animal.

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