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A verdade perturbadora por trás das atrações que promovem o nado com golfinhos

2 de janeiro de 2017
8 min. de leitura
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Redação ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais

Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

Uma multidão de norte-americanos vai até o sul do Caribe em busca da luz do sol, da brisa noturna, águas azul-turquesa e da oportunidade de nadar com golfinhos. Mas apesar de sua popularidade, programas que promovem o nado com golfinhos possuem um lado obscuro e aqueles que trabalham dentro dessa indústria têm contribuído para desmascará-la.

Os programas de nado com golfinhos (SWTD) podem ser encontrados em todo o mundo, mas eles se tornaram excepcionalmente populares no Caribe na última década. Um ex-treinador de golfinhos, que falou sob a condição de permanecer anônimo, disse à reportagem que esses programas são inerentemente problemáticos  e os cetáceos não pertencem ao cativeiro.

“Os golfinhos são criaturas bonitas e incríveis em seu habitat natural, mas coloque-os em uma gaiola e você irá ver como eles se transformam”, disse o ex-treinador, que pediu anonimato porque ainda trabalha na indústria hoteleira do Caribe.

A história de um treinador

Nascido e criado nas Bahamas, o treinador trabalhou em duas instalações de nado com golfinhos no Caribe e suas preocupações cresceram ao longo do tempo. Os recintos dos golfinhos não eram apenas excessivamente rasos, mas também muito pequenos. Em uma das instalações, diz ele, mais de 40 golfinhos foram enjaulados em três celas compactas.

Segundo ele, nas praias de mar aberto – ao invés de piscinas fechadas dentro de um resort – detritos como pregos e anzóis flutuavam no oceano: “Como eles não tinham um veterinário ou qualquer tipo de cuidados veterinários na [esta particularmente] instalação, os golfinhos engoliam as coisas e não havia nada que você pudesse fazer sobre isso “, explicou.

Foto: Courtney Vail/WDC
Foto: Courtney Vail/WDC

Embora tenha testemunhado os recintos fechadas sendo limpas, ele afirma que o cheiro do cloro era tão forte que  “sufocava” os treinadores e que alguns dos animais eventualmente ficaram cego por causa disso.

Ele também declarou que muitos golfinhos sofreram de “psychosis”, um comportamento registrado em mamíferos marinhos obrigados a nadar em pequenas celas durante todo o dia. Eles também enfrentavam uma grande pressão para executar truques. “Eles faziam 10 apresentações por dia…os mesmos movimentos, os mesmos sinais repetidamente”, relatou.

A alegação mais preocupante do ex-instrutor, entretanto, é que alguns golfinhos fêmeas impediam seus bebês de respirar, fazendo com que não fossem à superfície. O treinador, que não é um cientista, disse que ele e seus colegas deduziram que as mães fizeram isso porque não queriam que seus bebês “vivessem em cativeiro”.

Embora essa alegação não possa ser provada, outro antigo treinador falou sobre outras preocupações. Além disso, estudos têm apontado algumas questões a respeito do cativeiro de golfinhos em geral.

De acordo com um relatório da World Animal Protection e da Humane Society dos EUA chamado “O caso contra mamíferos marinhos em cativeiro”, cetáceos em cativeiro recebem rotineiramente antibióticos e medicamentos contra úlcera, necessitam de suplementos vitamínicos porque têm uma alimentação deficiente em nutrientes e um histórico de mortes prematuras devido a variedade de causas.

O relatório também observa que, para muitos golfinhos, os tamanhos dos compartimentos são inferiores a 1% da área que ocupam em seu habitat natural.

O que há de errado em nadar com golfinhos?

“Nadar com os golfinhos” (SWTD) é um termo geral usado para uma variedade de atividades com golfinhos. Além de nadar com um golfinho (ou dois), você pode ser fotografado com um golfinho, puxado pela água por um golfinho (o “reboque dorsal”), “beijado” por um golfinho ou empurrado pelo bico de um golfinho. Você pode até pagar para ser um “treinador” com um apito e manual de treinamento.

Há cerca de 30 Dolphinariums no Caribe, diz Naomi Rose, uma cientista de mamíferos marinhos do Animal Welfare Institute (AWI). Eles podem ser encontrados em vários pontos turísticos, como as Bahamas, Jamaica, Tortola, Grand Cayman, República Dominicana e Cancun.

Ainda mais instalações estão sendo construídas na região, incluindo uma que abriu em Punta Cana, República Dominicana e outras estão sendo propostas em Turks e Caicos e Santa Lúcia, diz Courtney Vail, gerente de campanhas e de programas da Whale and Dolphin Conservation (WDC), que tem feito campanhas contra o cativeiro de cetáceos há 16 anos.

O WDC reportou muitos incidentes no Caribe em um documento de 2010 chamado “Cativeiro no Caribe.” Em uma instalação em Antígua, golfinhos foram encontrados “excepcionalmente escuros”, devido a recintos rasos e queimaduras subsequentes; Alguns foram mantidos isolados para fins de treinamento e outros foram expostos à água poluída.

Foto: Courtney Vail/WDC
Foto: Courtney Vail/WDC

“Embora alguns países do Caribe tenham criado leis sobre esses programas de golfinhos em cativeiro, as regulamentações raramente são aplicadas e as instalações operam devido à falta de capacidade e supervisão”, disse Vail ao The Dodo.

O Ceta Base é um portal que registra as taxas de captura, transporte e mortalidade de golfinhos cativos em todo o mundo.  De acordo com o site, existem cerca de 240 golfinhos – tanto selvagens como capturados – em instalações em todo o Caribe e a maioria dos golfinhos selvagens é proveniente de Cuba, Honduras e  do Golfo do México.

Quarenta destes golfinhos estão em Dolphin Cay, uma instalação popular em Atlantis, um resort em Paradise Island nas Bahamas. Inaugurada em 2007, o Dolphin Cay é uma lagoa de 14 hectares com “sete milhões de galões de água natural do oceano das Bahamas”, diz Greg Charbeneau, vice-presidente de Operações Marítimas.

Os primeiros golfinhos a viver na Dolphin Cay foram transferidos do Marine Life Oceanarium em Gulfport, Mississippi, após o furacão Katrina em 2005. A transferência foi bem divulgada e também foi o tema de um livro de 2007, “The Katrina Dolphins: One-Way Ticket To Paradise”.

“A Atlantis prioriza o bem-estar de seus golfinhos com uma equipe de 90 especialistas e veterinários para ‘garantir sua segurança e conforto em todos os momentos”, disse Charbeneau em um e-mail. Ele também alegou que os programas de golfinhos ajudam a ensinar as pessoas sobre mamíferos marinhos e conservação e uma das paixões da Atlantis é conservar a vida marinha.

A Atlantis é reconhecida pela Association of Zoos and Aquariums e pela Alliance of Marine Mammal Parks and Aquariums e também é membro da International Marine Animal Trainers Association, observou ele, acrescentando que a instalação teve 1”6 nascimentos de golfinhos bem sucedidos desde 2007”.

Sam Duncombe, diretora da reEarth, uma organização de base das Bahamas que estava por trás do fechamento de outra instalação da SWTD na região no ano passado, critica as alegações de Charbeneau. Nascida e criada na área, Duncombe disse que está lutando contra o desenvolvimento de golfinários – incluindo a Atlantis – há quase 25 anos.

“[Os golfinhos do Katrina] foram comprados, não resgatados”, disse Duncombe, que também explicou que as celas dos golfinhos são terríveis.

“Quando vi o que eles tinham construído [para os golfinhos], chorei. Os peixes no aquário têm mais do que [eles], com corais e rochas. Estes golfinhos só têm piscinas brancas de concreto vazias”, acrescentou.

Na verdade, a preocupação de Duncombe sobre a profundidade das piscinas é compartilhada pela cientista Naomi Rose, da AWI, que diz que os golfinhos rotineiramente mergulham a 60 pés. “Dez pés é muito raso”, explicou Rose.

Como os golfinhos acabam em cativeiro

McCaulay,  CEO do Jamaica Environment Trust disse que o processo de captura de golfinhos na natureza é “muito traumático”. “Eles são perseguidos em redes … são cercados, selecionados, então são colocados em um barco e transportados”, ela explica, acrescentando que as fêmeas são as preferidas porque são mais “treináveis”.

Uma carta de dezembro de 2014, escrita em conjunto pela AWI e pela WDC, em protesto contra uma proposta de um Dolphinarium  em Bird Rock Beach, detalha como os golfinhos são capturados na natureza:

“Os indivíduos podem ficar emaranhados nas redes de captura e sufocar ou sofrer condições relacionadas ao estresse associadas ao trauma da captura. Além disso, as capturas de espécies selvagens podem afetar negativamente as populações de golfinhos já escassas, removendo os membros de reprodução (ou importantes de outra maneira) do grupo”.

A carta aponta que os dados científicos de 1995 mostraram que a taxa de mortalidade de golfinhos-de-garrafa capturados é dramaticamente maior durante a captura e o transporte.

Além disso, “os métodos usados para transportar cetáceos também podem ser desumanos e muitos indivíduos morreram como resultado de ferimentos e estresse provocados pelos esforços de abastecer as instalações de cativeiro em todo o mundo”.

Uma revisão de Ceta Base mostra quantas vezes os golfinhos são transportados. Um golfinho, por exemplo, chamado Tamra, foi transportado 14 vezes. Segundo a Ceta Base, ele está atualmente no Atlantis.

Ciclo sem fim: criação para o cativeiro

Embora alguns lugares ainda capturem golfinhos da natureza, muitos locais no Caribe abastecem suas instalações com animais criados em cativeiro. Outra empresa proeminente no Caribe é  a Dolphin Cove, com sede na Jamaica. Dolphin Cove Ltd. é proprietária de um número de Dolphinariums na região e ganhou um World Travel Award – “o Oscar da indústria de viagens” – desde 2011.

Os proprietários da Dolphin Cove, Stafford e Marilyn Burrowes, disseram recentemente ao The Jamaica Observer que a empresa lançou um programa de criação de golfinhos em cativeiro há quatro anos. Cinco dos seus golfinhos desde então nasceram. “Hoje em dia é quase impossível conseguir golfinhos da natureza por causa das ações dos grupos de direitos  animais”, disse Stafford Burrowes ao jornal.

Duncombe diz que uma das suas inúmeras preocupações em relação a isso é que os golfinhos em cativeiro estão perdendo seus instintos: “O que essas instalações estão fazendo está criando uma subestrutura inteira de animais que não têm como viver na natureza”.

Ela espera que o público preste mais atenção à situação desses mamíferos em cativeiro. Mas, para o turista que ainda está pensando em nadar com golfinhos, ela diz sem rodeios: “Seu desejo de estar com eles os está matando.”

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