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Como ser um “biodesagradável” abolicionista

19 de abril de 2016
Paula Brügger
4 min. de leitura
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Responda rápido:
–  “É o mato que cresce, denotando desleixo, ou é a vida que pulsa em seu jardim?”
Se você elegeu, sem titubear, a primeira opção, tem fortes chances de não ser um biodesagradável. Mas se sucumbiu ao dilema subjacente à pergunta…Hum…Atenção! Sua lente perante o mundo favorece uma eventual rotulagem nesse sentido.
A categoria de “biodesagradável” é aparentada com a de “ecochato”. É mais ampla, porém, porque pode abranger as “chatices” relativas ao abolicionismo animal. É uma condição semelhante à de “desmancha-prazer”, entretanto é mais circunscrita a determinados temas – os “biotemas” – e, com isso, não é muito afeita a questionamentos estéticos de diversos tipos.
Dá para dizer que um biodesagradável abolicionista é mais ou menos um tree-hugger que, não contente em ser um “desviante social” em termos ecológicos estritos, resolveu incluir os animais não-humanos na comunidade moral.
À guisa de ilustração, eis aqui um protótipo para um singelo guia de como ser um biodesagradável abolicionista em cinco situações distintas (baseadas em fatos reais):
1) Ao ouvir pela centésima vigésima vez a frase “sou protetor de animais”, vinda de alguém que come carne e demais derivados de animais, retifique, educadamente: “você é protetor de cães e gatos, não exatamente de animais”…
2) Numa roda de conversas, um amigo comenta que acabou de comprar um filhote de pastor alemão e você pergunta por que razão ele não adotou um cão de um abrigo, canil municipal, ou um SRD de rua/errante. Na tentativa de justificar sua escolha, o comprador do animal elenca todas as qualidades de um pastor (supostamente ausentes num SRD), predicados esses voltados aos interesses dos humanos, claro. Você não se rende e diz que se ele gostasse mesmo de cães adotaria, em vez de comprar, e ainda acrescenta que a cada compra de um animal de estimação outro morre num abrigo, ou nas ruas.
3) Uma conhecida vem andando em sua direção, numa festa, usando uma estola de pele de coelho. Ao te cumprimentar, lembra que você é vegana e – antes que você esboce qualquer reação – argumenta que sabe que você não aprova esse tipo de indumentária. Você já tinha até desistido de perguntar se o adereço era de pele sintética ou não, mas ela não dá a conversa por encerrada. Diz que você certamente ficaria aliviada em saber que os animais são criados para comida e que a pele é um subproduto que seria jogado fora. Você fica tão passada que vira as costas e vai embora em silêncio, sem elogiar a beleza do acessório, contra-argumentar, ou parabenizar a amiga pela “brilhante explicação ecológica”.
4) Você está num pub e um amigo te oferece um gole de sua irresistível cerveja. Contudo, você sabe que a bebida levou bexiga natatória de peixes no processo de fabricação. Você, polidamente, diz “não obrigada, a minha também está fantástica!”. O amigo, inconformado, insiste várias vezes até que você revela a real razão de declinar da sua oferta. Todos na mesa te olham como se você fosse uma ET. Essa é bem biodesagradável. Além da “biodesagradabilidade” vegana, ainda provoca asco nas pessoas.
5) Quando te perguntarem, numa ocasião social qualquer, porque você é vegan@, responda de forma sincera e completa, ou seja, enumere todas as razões de ordem ética que te levaram a fazer essa opção. Essa pontua muito bem, sempre!
Para finalizar, contextualizo a pergunta que deu origem a este curtíssimo texto.
Ao comentar com amigos que você se sente desconfortável ao arrancar uma planta do solo, e que essa coisa de “mato” é mais um artifício que os humanos inventaram para moldar a natureza à sua imagem e semelhança, seus amigos se entreolham, pausam e certamente pensam: – “Primeiro os animais, agora até mato. Daqui a pouco ela nem respira mais”…
Confesso que sucumbo a esse dilema de quem não pode ser jardineiro. Em nossas vidas cotidianas somos sempre “jardineiros”. O mundo está continuamente nos fazendo escolher entre o “joio e o trigo”, entre o “mato” e as flores, entre a vida e a morte.
Anos atrás, um amigo de longa data me disse que gostava muito de mim, apesar de eu ser vegana. Sim, foi isso mesmo que ele disse: “apesar”! Foi uma declaração tão surpreendente que, na hora, não consegui dizer nada. Aliás, meses se passaram até que eu entendesse que o que ele quis dizer foi exatamente isso: gosto de você, apesar de você ser biodesagradável!

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