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Ignorando sofrimento dos animais cineasta insiste em filme que prestigia circos exploradores

9 de fevereiro de 2015
6 min. de leitura
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Por Marli Delucca (em colaboração para a ANDA)

Ilustração feita por uma das patrocinadoras do filme, Taesa
Ilustração feita por uma das patrocinadoras do filme, a Taesa

“O Grande Circo Místico”, poema de Jorge de Lima, está presente no livro ‘A túnica inconsútil’ e foi escrito em 1938. Esse poema, originou diversas interpretações ao longo dos anos, em balés, musicais, e até enredo de escola de samba, que foram adaptadas para os espetáculos de mesmo nome, e que retrata a saga da família austríaca proprietária do Circo Knie.

O Circo Knie foi fundado em 1803 pela família Knie e tem existido em sua forma atual desde 1919, quando se mudou de uma arena aberta para uma tenda coberta. O circo é famoso por apresentar números com diversos animais como ursos polares, leões-marinhos, girafas, rinocerontes, camelos, avestruzes, orangotangos e pinguins – como também elefantes, leões, tigres, macacos, cavalos e lhamas, entre outros animais. Atualmente o circo opera às margens do Lago de Zurique, na Suíça e é uma empresa de capital aberto na bolsa de valores, operado por Fredy e Franco Knie em parceria com a companhia de seguros Swiss Life.

Com inspiração no poema e no circo Knie, o filme “O Grande Circo Místico” do cineasta brasileiro Cacá Diegues já está sendo rodado em um conhecido circo em Lisboa, Portugal: o Circo Victor Hugo Cardinali.

Cardinali, dono do circo que serve de cenário para o longa-metragem, foi flagrado em vídeo espancando seus elefantes no meio de um espetáculo. “Eu bati no elefante porque ele não queria fazer o exercício, e isso não nego. Não podemos deixar que um animal faça aquilo que quer, ou então não há respeito, e o domador não está ali a fazer nada”, explicou o domador após ter suas imagens divulgadas.

Victor Hugo Cardinali bate em seus elefantes no meio do espetáculo
Victor Hugo Cardinali bate em seus elefantes no meio do espetáculo
Animal explorado pelo Circo Victor Hugo Cardinali, de Portugal (Foto: Reprodução Internet)
Animal explorado pelo Circo Victor Hugo Cardinali, de Portugal (Foto: Reprodução Internet)

Cacá Diegues disse à Revista Época: “Vou filmar em Lisboa porque quando estava montando a produção descobri que no Brasil é proibido ter animais em circos. Como vou fazer um filme de circo sem um elefante, um macaco? Daí descobri que em Portugal existem ótimos circos”.

No Brasil, os estados de Alagoas, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais têm legislação que proíbe o uso de animais em circo. O Pl 7291/06, de autoria do Senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que tem como objetivo proibir animais em circos em todo o país, se encontra pronto para pauta no plenário e consta como prioridade.

Tanto no Brasil como em Portugal, os defensores de animais se mobilizaram para dissuadir a produção de utilizar animais nas filmagens, em vão, já que o cineasta se declarou um fascinado por circos em sua coluna no Jornal O Globo, na qual escreveu:

“Sempre desconfiei da piedade escandalizada em relação aos animais de um circo. Eles têm casa, comida e roupa lavada, não precisam sair pela floresta correndo perigo e provocando a extinção dos outros, em busca de alimento. E, se por caso não se sentem satisfeitos, podem facilmente acabar com o domador e seus frágeis parceiros de espetáculo. A sobrevida dos circenses é a celebração dos animais.”

Bastidores do filme de Cacá Diegues
Bastidores do filme de Cacá Diegues

Em outra matéria do Globo, Diegues afirmou, sobre os animais, que “os fiscais não liberam nem para a gravação. Se ficarem sabendo, eles podem acabar interditando as filmagens”. E todas as cenas circenses — ou seja, boa parte do filme vai ser filmada em Portugal. “Não dá para fazer, sem bichos, um longa que se passa num circo, no início do século vinte”, justifica o diretor.

O filme está sendo rodado em um dos circos mais conhecidos pelo abuso e morte de animais em Portugal, país que não tem nenhuma legislação que coíbe maus-tratos a animais exóticos ou silvestres.

O dono do Circo Victor Hugo Cardinali, diz se considerar ‘Rei’ em Portugal. Ele parece ter o respaldo das autoridades, dos empresários e da TV.  No país, a portaria n.º 1226, que proíbe a aquisição de novos animais, como elefantes, leões, macacos ou tigres, entre outros, e a reprodução dos que já existem nos circos, existe desde 2009 – mas Cardinali, se recusa a castrar os animais, e diz que entre as idas e vindas de Portugal a Espanha – eles se reproduzem.

Só recentemente é que Funchal se tornou a primeira cidade portuguesa a proibir animais em espetáculos, graças a recomendação feita pelo PAN – Pessoas Animais Natureza, um partido político de inspiração ambientalista e fortemente voltado para a defesa dos direitos animais. No final do ano passado, o PAN encaminhou a mesma recomendação à Câmara Municipal de Lisboa, para proibir os animais nos espetáculos, mas até a presente data ela se encontra em pauta.

Se o filme “O Grande Circo Místico”, já tinha obtido uma licença para as filmagens com os animais, essa informação foi omitida da notícia divulgada pela própria Câmara de Lisboa. No documento sobre as informações do “Filme Brasileiro filmado em Lisboa”, constam os locais das filmagens e nesta papelada não aparece o nome do Circo Victor Hugo Cardinali e nem seu endereço. O documento também cita que haverá um apoio estimado da isenção de 9.957,41€, para o orçamento total de 4.500.000,00€, enquanto que no Brasil consta que o custo da produção seria de R$ 13.000.000,00. Há um financiamento por incentivos fiscais federais, já que o filme é produzido com recursos ofertados pela Lei Brasileira do Audiovisual (LEI Nº 8685/93).

circo 5

Foi criada uma petição (que foi encerrada) pela retirada do apoio financeiro do governo português ao filme “O Grande Circo Místico”. A Associação Vida Animal, recebeu do Instituto do Cinema e do Audiovisual a seguinte resposta: “A entidade considera que não há fundamento para retirar o financiamento de 110.521,66 euros concedido ao projeto no âmbito do Protocolo Luso-Brasileiro e atribuiu-lhe entretanto outros 200.000 euros de apoio no âmbito do programa Coproduções Minoritárias”.

No Brasil, a produção está em negociações com a Sony Pictures, que a TV Globo é parceira de mídia o que poderá proporcionar uma entrada forte no mercado. Há previsões de que este filme possa ser lançado no Festival Internacional de Cinema de Cannes em 2016 (festival onde o realizador exibiu grande parte dos seus filmes, alguns em competição, além de ter sido júri em todas as suas categorias).

O movimento mundial que luta pelo fim dos espetáculos circenses que utilizam animais mantendo-os em cativeiro forçado, e obrigando-os a se transformarem em marionetes com suas apresentações que contrariam à natureza de suas espécies, sofrerá um duro golpe com um filme que invoca a ilusão da subserviência dos animais nos circos.

Assine a petição brasileira contra o uso de animais no filme “O Grande Circo Místico”. Clique aqui.

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