EnglishEspañolPortuguês

Que a Escola seja básica, e o ensino fundamental!

27 de fevereiro de 2015
5 min. de leitura
A-
A+

A escola básica sempre é convocada a abraçar campanhas “de conscientização”. De forma espasmódica e sempre urgente, estas grandes temáticas entram e saem dos programas, sejam eles, políticos, de televisão ou escolar. São campanhas que anunciam as mudanças necessárias, mas não aprofundam estas necessidades do nosso modelo de desenvolvimento, além de não repercutirem em nossos hábitos. Ficamos apenas estarrecidos, movidos pela gravidade e urgência que as crises impõem, e todos se sentem na obrigação de fazer algo, mesmo que para aliviar a consciência.
Daí pensar que este envolvimento da escola como questão cívica e cidadã merece uma reflexão. A necessidade de constantes campanhas não revela a fragilidade de nossa educação, sendo assim a sua própria negação?
No último ano, toda a sociedade foi chamada a se engajar e apresentar soluções para amenizar os complexos problemas gerados pelos deveres-de-casa não feitos pelos gestores públicos, que deveriam ter pensado, antes de todos, a gestão da água. Esta obrigação não exime, guardadas as devidas proporções, a responsabilidade das instituições de ensino.
Tirando a família, nenhuma outra instituição tem, de forma regular e contínua, acesso aos desejos, afetos e cognição da criança e dos jovens. Estamos falando de um potencial de intervenção nos modos de pensar e agir, favorecidos pelo contado próximo, ao longo de 12 a 14 anos de 200 dias letivos e de, no mínimo, 800 horas por ano. A escola está em um momento único para rever aquilo que ensina e como ensina. Este tempo pode favorecer, se estivermos antenados, a rápida propagação das ideias reformadoras e abrir formidáveis possibilidades transformadoras. Daí reafirmar que a ação prioritária e aquilo que justifica a existência da escola é a transmissão daquilo que a humanidade produziu e destruiu. Também atuar na elucidação e formação de sujeitos aptos a entender e a intervir nesta realidade cada vez mais complexa.
Hoje, de posse deste patrimônio científico, cultural, técnico, ético e filosófico, precisamos dar as respostas aos problemas postos pelos tempos atuais, grande parte deles situados no campo ambiental, da bioética e de ordem metodológica da produção do conhecimento. É preciso avançar e retomar as conexões perdidas com a natureza e não deixar que a Economia, a Tecnociência e o Mercado nos empurrem barranco abaixo com seu modo assistêmico, reducionista e disjuntivo de ver as coisas.
A contribuição da escola deveria ser em religar e mobilizar conhecimentos de várias áreas. Vejamos algumas possíveis contribuições no campo do pensamento que vai além das breves campanhas. O artigo I da lei 9.433, de 1997 que trata dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, rege que a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; e que “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”, que é o ato de matar a sede de um animal, isto em qualquer local onde se acumula água; podem ser bebedouros, lagos, ribeirões, açudes, etc. Este dado, proveniente da área do Direito, poderia ser desdobrado, além de conhecimentos mobilizados e diversas fontes de informações cruzadas. Primeiro é darmos conta que, atualmente no mundo e, principalmente, no Brasil, a água destinada aos animais supera em muito a do consumo humano. Basta ler nos cadernos de economia dos jornais diários, quando anunciam que o Brasil “está no topo do mundo”. Levando em consideração que somos 200 milhões de habitantes no Brasil, segundo os dados do IBGE, no ano de 2013 foram abatidos 34,4 milhões de “cabeças” de boi, 36,1 milhões de “cabeças” de suínos e 5,6 bilhões de “unidades” de frangos, isto sem falar dos 23,6 bilhões de litros de leite e de 2,7 bilhões de dúzias de ovos, somente para citar alguns itens, excluindo desta conta, os pescados.
Todos esses animais, que não são de plástico, bebem água diariamente. No processo de abate são consumidos outros bilhões de litros de água para retirar os vestígios de sangue, fezes, urina, pelos etc. Também aprendemos em algum conteúdo desconectado dos currículos escolares que o setor da economia que mais produz resíduo no mundo, ganhando, inclusive, das mineradoras (38%) e da agricultura (19%) é a pecuária com 39%, segundo dados de Maurício Waldman, da USP, publicado em um infográfico pelo Estadão no dia 28/09/11. Estamos falando de dejetos orgânicos, ossadas, carcaças, embalagens de remédios e resíduos mecânicos.
Gabamo-nos de sermos o maior exportador de carne do mundo e não percebemos que fica na conta do Brasil, o prejuízo do desmatamento de nossas florestas, da poluição dos lençóis freáticos, da erosão do solo, do esgotamento da água, da emissão dos gases de efeito estufa, do desvio de grãos para produção de ração, dentre outras mazelas ambientais. A água, este recurso limitado e de valor econômico é cortesia do Brasil, sempre tão generoso e abençoado por Deus!
Lá na aula de filosofia os alunos poderiam relacionar este assunto com o documento que trata da consciência em Animais Não Humanos, publicado em julho de 2012, e que ficou conhecido como Manifesto Cambridge. Philip Low, neurocientista da Universidade Stanford e do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e proponente do manifesto, disse em uma entrevista à Folha de São Paulo neste mesmo ano que “enquanto cientistas, nós sentimos que tínhamos um dever profissional e moral de relatar essas observações para o público”. Este manifesto deveria ser relacionado com aquilo que fazemos com “as cabeças”, “arrobas” ou com as “unidades”, como denominamos os animais não humanos e que revelam a nossa prepotência e arrogância antropocentrista e especista. Coisificamos para melhor explorar aqueles que são seres sencientes, ou seja, com consciência e sensibilidade. Eles, os 56 bilhões de animais mortos no mundo por ano, sentem a dor, o desamparo e tem consciência do próprio sofrimento.
Seria muito honesto com as futuras gerações se, nas aulas de Ciências ou Biologia, ensinássemos onde encontrar, nos alimentos de origem vegetal, o cálcio, a proteína, sais minerais etc. E que nossas crianças e jovens tivessem a opção de decidir sobre sua própria dieta. Escola comprometida com a emancipação e autonomia das pessoas.
Quem ensinará tudo isto? Está nas mãos da escola caminhar com as crianças e jovens e fazê-los entender desde cedo que somos cultura e natureza. Somos animais humanos. Isto exige, de forma urgente, uma metavisão dos dirigentes e educadores. Daí o nome Escola Básica e também Ensino Fundamental. Sem esta estrutura básica e fundamental bem firmada, não teremos cidadãos, dirigentes e muito menos profissionais que pensem de forma ecossistêmica ou de forma complexa os inúmeros desafios que temos pela frente.

Você viu?

Ir para o topo