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A acusação de que “isso é apenas a sua opinião”

24 de setembro de 2014
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zebra

Nos debates sobre a consideração moral dos seres sencientes, um argumento muito comum que é utilizado para defender o especismo é o seguinte:

 “o dever de rejeitar o especismo e dar igual consideração aos animais não humanos é apenas a opinião de quem defende os animais; ninguém mais tem que aceitar isso se não desejar”.
Essa objeção parte da premissa de que, se algo é a opinião de alguém, ninguém mais (a não ser esse alguém e os outros que concordam com tal opinião) tem o dever de adotar o que tal posição prescreve. O dever de rejeitar o especismo, prossegue a objeção, é apenas a opinião dos que rejeitam o especismo. Logo, conclui a objeção, quem não concorda com isso não tem o dever de rejeitar o especismo.
Para analisarmos esse argumento, é crucial saber o que se está a querer dizer com o termo “opinião”. Existem pelo menos dois sentidos aos quais comumente refere-se com o uso do termo “opinião”. Em um sentido, quando alguém usa o termo “opinião”, quer dizer uma posição de alguém sobre um assunto tal que não existem razões para se preferir esta ou aquela posição. Por exemplo, alguém poderia dizer “é sua opinião que a cor laranja é mais bonita, mas, sou da opinião que a cor amarela é mais bonita”. Ou seja, está-se a referir a questões onde toda e qualquer posição é igualmente arbitrária.
Em algumas outras vezes, usa-se o termo “opinião” para referir-se a qualquer posição que alguém defenda em um assunto, quer seja possível raciocinar sobre tal assunto, quer não seja. Assim, por exemplo, utilizando esse sentido, alguém poderia dizer: “segundo a opinião dele,  2+2 é 4”, ou “é a opinião dele que o peso desse saco é de 1Kg” ou “é a opinião dele que deveria-se abolir a escravidão” ou “é a opinião dele que o cheiro de café é bom”. Ou seja, está-se a referir a posição de alguém em qualquer questão, independentemente de ser uma questão possível ou não de se raciocinar sobre.
Em que contextos faz sentido o argumento “isso é apenas sua opinião; não tenho por que aceitá-la”? Ora, apenas quando se está a usar o termo “opinião” para descrever posições sobre questões onde o raciocínio é impossível. Faz sentido dizer, por exemplo, “sua opinião é que verde é mais bonito, mas eu prefiro azul”. Mas, não faz sentido dizer, por exemplo, “sua opinião é que 2+2 é 4, mas, na minha é 5 e assunto encerrado”. Isso é assim porque existe uma verdade objetiva sobre quanto é 2+2 e existe um método de raciocínio para investigar essa questão.
Muitas pessoas que defendem o argumento “isso é apenas sua opinião” no contexto da ética animal o fazem devido ao especismo. Ou seja, se alguém estivesse a dizer “estuprar humanos é errado” não diriam “isso é apenas sua opinião”. Concordariam, por exemplo, que é possível de se oferecer várias boas razões para se mostrar que estuprar humanos é errado, e que não há como justificar tal ato. Contudo, quando as vítimas são os animais não humanos, essas mesmas pessoas pensam que o argumento de que “isso é apenas sua opinião” funciona. O motivo de não funcionar é que todas as razões que podem ser endereçadas para se mostrar que há o dever de se respeitar humanos implica que há o dever de se respeitar todo e qualquer ser senciente, independentemente de espécie. Para essas razões, clique aqui.
Mas, outras pessoas utilizariam o argumento “isso é apenas sua opinião” mesmo quando os humanos fossem as vítimas. Na maioria dos casos, isso acontece porque essas pessoas estão a pensar que questões sobre ética são como questões sobre o gosto das cores: tudo não passa de expressões arbitrárias de cada indivíduo. Essa visão só seria plausível se não houvessem formas de se raciocinar, a partir de um ponto de vista não arbitrário, sobre as questões éticas. Ou seja, se não fosse possível de se avaliar a plausibilidade dos princípios adotados sem assumir este ou aquele princípio prático; se não fosse possível de se avaliar se um determinado princípio baseia-se em uma característica relevante ou irrelevante sem assumir este ou aquele princípio prático de antemão, etc. Mas, existem algumas razões para se rejeitar essa visão das coisas. Para ver como é possível um raciocínio objetivo sobre questões éticas, em termos de avaliação sobre que princípios baseiam-se em características relevantes e quais baseiam-se em características irrelevantes, clique aqui.
Assim sendo, argumentar que há o dever de se respeitar todo e qualquer ser senciente não é uma mera opinião no sentido de que é um escolha arbitrária sobre a qual não há o que se raciocinar sobre. É uma “opinião” no sentido em que se está a defender uma determinada conclusão baseando-se em determinados argumentos. Para se ter justificativa para se rejeitar essa “opinião” (no caso, a conclusão de que tem-se o dever de respeitar os seres sencientes), não é suficiente dizer “isso é uma opinião”, pois isso não diz nada sobre se há ou não uma verdade objetiva sobre o assunto em questão e, caso houver, não diz nada sobre se o argumento endereçado para sustentar a “opinião” é bom ou ruim. O que tem-se que fazer, para estar-se justificado a rejeitar o que a “opinião” diz, ao invés, é outra coisa: refutar os argumentos que sustentam a conclusão em questão (ou então, mostrar que é impossível de se raciocinar sobre o tema em questão). Isso é muito mais difícil de se fazer. É por isso que muitas pessoas preferem partir para a alegação de que toda e qualquer opinião sobre ética é igualmente plausível.
Partamos, então, para a discussão dos próprios argumentos que visam sustentar as posições morais em questão. Algumas razões iniciais para se rejeitar o especismo estão aqui.

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