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A Veracidade

30 de julho de 2014
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Em sua Ética Nicomaquéia, Aristóteles nos apresenta as virtudes e os vícios a elas correspondentes. Em relação à verdade, o filósofo diz que: “o caráter intermediário pode ser chamado de veraz, e o meio-termo de veracidade, o gosto do exagero é jactância, e a pessoa caracterizada por esta é jactanciosa; na forma reticente, a pessoa neste caso é caracterizada pela falsa modéstia”.

A veracidade é a virtude da dedicação amorosa à verdade. Como seu objeto é a verdade, ela é uma virtude aletheiogal, em oposição às virtudes teologais.

A questão da verdade na causa animal gera muitos debates. Por um lado, os veganos abolicionistas que não perdem a oportunidade de expor a verdadeira realidade em que os animais não humanos vivem para serem utilizados para suprir desejos supérfluos humanos. Tanto a teoria dos direitos animais quanto no modo de vida vegano, escancaram, mostram, desvelam o fato das outras espécies serem sequestradas, confinadas, torturadas, mutiladas, estupradas e assassinadas das mais diversas formas para tornarem-se comida, lazer, vestimenta e itens de pesquisa científica dos humanos, e que essas ações são injustas e preconceituosas. Do outro lado, temos os veganofóbicos, os bem-estaristas, os ovo-galacto-carnistas e também os protovegetarianos, numa luta desnecessária, e até desonesta, para encobrir a verdadeira realidade que os animais vivem nesse mundo especista. Não são jactanciosos, nem falsos modestos, são mentirosos. Mentem para si e para os outros, e de forma voluntária, muitas vezes, deliberada.

Fidelidade à verdade, antes de mais nada! Sim, e essa rememoração nos é útil porque dela fazemos uso prudentemente. Lembrar, recordar, mas sem estar nutrido da disposição intelectual que nos permite deliberar bem, de modo justo, sobre o que é o bem e o mal para nós e para os outros, não nos impede de repetir os erros de outrora.

Dedicar-se à verdade é tarefa solitária, mas necessária em qualquer causa por justiça social. Dedicar-se à verdade, recorrendo à história, à filosofia e às ciências. Ensinar a importância de uma vida veraz, sincera, corajosa, honesta, justa e, acima de tudo, prudente; eis uma das árduas missões do educador vegano. Ensinar a importância das virtudes é algo extremamente utópico atualmente, mas sem utopia não temos revolução.

Educação vegana é utópica, é revolucionária, é mensageira da verdade.

É verdade que os animais sencientes têm desejos semelhantes, sofrem, desfrutam e sabem disso.

É verdade que os humanos não são moralmente mais importantes que os outros animais, assim como é verdadeiro que os homens não são mais importantes moralmente que as mulheres.

É verdade que o especismo não se justifica ética e cientificamente, assim como o racismo e o sexismo.

É verdade que não precisamos de proteína animalizada para vivermos e vivermos bem.

É verdade que não precisamos confinar e torturar animais para avançarmos cientificamente.

É verdade que não precisamos de animais confinados em zoos, circos, parques aquáticos, para nos divertirmos e ter um agradável dia de lazer.

É verdade que a moral e a tradição judaico-cristã não representam respeito à vida, à liberdade e à justiça.

Saber que não é justo usar os animais não humanos para nada em nossa vida é uma verdade que incomoda demasiadamente todos aqueles que têm contato com algum adepto do modo de vida vegano abolicionista. Ignorar a verdade embutida no critério da senciência, fazer vistas grossas, é mentir pra si mesmo e servir como modelo de insensatez, imprudência e injustiça. Os veganofóbicos e os bem-estaristas devem vociferar nesse instante: “até parece que os educadores veganos, ou melhor, que todos os ativistas abolicionistas da causa animal não mentem”.

Ser fiel à verdade não nos impede de mentir quando essa é a atitude mais prudente a se fazer. Por isso a fidelidade à verdade e a oposição absoluta à mentira proposta por Kant de nada nos serve, pois é a mais bizarra demonstração de imprudência e falta de bom senso. Podemos exemplificar das seguintes formas: se um assassino passa por você na rua e pergunta se você sabe onde se encontra fulano, você responde que sim, e indica o paradeiro, ou não, e preserva a vida da pessoa perseguida? Essa é uma das situações em que a mentira é mais nobre que a verdade. Outro exemplo é: você mora numa casa onde se encontra uma família de judeus escondida no seu porão, membros da Gestapo batem a sua porta perguntando se você sabe do paradeiro de algum judeu. Você mente e diz que não viu nenhum judeu há tempos e preserva a vida daquela família; ou diz a verdade e entrega-os para serem levados a um campo de concentração ou extermínio? Mentir nesse caso para proteger a integridade psicofísica das pessoas perseguidas é a atitude prudente a se fazer.

Dedicar-se de forma honesta ao estudo filosófico, histórico e cientifico da vida animal é algo que todo vegano deve fazer, e o educador vegano mais ainda. Ao falar da veracidade, Aristóteles assim se refere à pessoa dedicada a ela: “As pessoas que amam a verdade e são sinceras, quando nada está em jogo, serão mais sinceras quando algo estiver em jogo; elas evitarão a falsidade como algo ignóbil neste último caso, pois já a evitam para si mesmas, e tais pessoas são dignas de louvor. As pessoas sinceras divergirão da verdade, se for o caso, no sentido de atenuá-la, e nunca de exagerá-la, pois tal atitude será mais compatível com a conveniência, já que todo exagero é desagradável”.

O educador vegano é aquele ativista inserido na sala de aula, compromissado com a apresentação da teoria dos direitos animais e do modo de vida vegano; para tal, deve ser exemplo vivo de coerência entre o que fala e o que faz. Nem jactância nem falsa modéstia. Sua coerente práxis político-pedagógica deve ser fundada num engajamento veraz e sincero. Pouco importa a quem incomoda a veracidade, é ela a medida buscada pelo educador vegano para, junto com a prudência, tentar fazer justiça aos não humanos.

Fidelidade à verdade, antes de mais nada!

Referências
ARISTÓTELES (1999). Ética a Nicómaco. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. (Edición bilingue: griego/castellano).
EPICURO (1997). Carta sobre a felicidade. São Paulo: Unesp. (Edição bilíngue: grego/português).

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