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O argumento das plantas

25 de junho de 2014
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Foto: Divulgação
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Considere o seguinte argumento:

“A proposta de se respeitar os animais está errada, pois plantas também estão vivas”.

Esse argumento pode querer dizer várias coisas diferentes:

(1) acusação de hipocrisia: que os defensores dos animais são hipócritas por defenderem que é errado matar os animais mas não as plantas, e que isso mostra que não há dever de não matar os animais;

(2) redução ao absurdo: afirmar que, “se é errado matar animais, então é errado matar plantas, o que é absurdo; logo, não é errado matar animais”;

(3) fazer uma crítica ao critério da senciência, e defender, ao invés, o critério da vida biológica para explicar quais seres é errado matar.

(4) fazer uma reivindicação que parte de uma redução coerentista da moralidade: reivindicar que os que defendem que é errado matar os animais tem o dever de não matar plantas, mas quem não defende que é errado matar animais não tem dever algum, nem para com animais nem para com plantas. Isso é assim porque a redução coerentista da moralidade mantém que tudo o que importa é alguém ser coerente com o que defende na prática, mas que não há dever de se defender este ou aquele princípio.

Seja lá como interpretemos essa objeção, ela não sustenta a conclusão de que é correto matar seres sencientes. Vejamos o motivo, em cada uma das possibilidades de interpretação da objeção:

(1) Se a interpretamos como uma acusação de hipocrisia, há dois problemas. O primeiro, é que os anti-especistas só seriam hipócritas ao defender ser errado matar animais e ser correto matar plantas se o critério que utilizassem para defender que matar animais é errado fosse o fato de estarem biologicamente vivos (um critério que incluiria as plantas). Mas, não é isso que a proposta anti-especista defende. O anti-especismo defende que o erro em matar se dá porque a vítima é privada de desfrutar experiências positivas. É isso que explica o erro em matar seres sencientes em geral, humanos e não humanos. Plantas não são seres capazes de experimentar sensações. Assim, anti-especistas não estão a ser hipócritas.

O segundo problema é o seguinte: supondo que fosse comprovado que anti-especistas fossem hipócritas. Imagine por exemplo que alguém acredita que o erro em matar animais se dá pelo fato de estes estarem biologicamente vivos, mas defende que é correto matar plantas, apesar de elas estarem biologicamente vivas. Esse alguém seria hipócrita. Mas, o fato de alguém ser hipócrita não prova que o que está a defender está errado (e o fato de alguém não ser hipócrita não prova que o que está a defender está correto). Imagine, por exemplo, que essa pessoa do exemplo também afirmasse que é errado matar humanos porque estão biologicamente vivos (e, imagine que, além disso, essa pessoa fosse hipócrita e assassinasse seres humanos). Não segue daí que é correto matar humanos, só porque alguém é incoerente com o critério que aplica. Isso porque as razões contrárias e favoráveis à plausibilidade de um critério são totalmente independentes do caráter de quem o propõe e de se quem o propõe o aplica coerentemente.

Ou seja, do fato de alguém aplicar um critério incoerentemente, ou ser hipócrita quanto ao que defende, não há possibilidade alguma de deduzir se o critério em questão é um bom ou mau critério, e em quais decisões esse alguém está a acertar ou errar quando aplica esse critério. Ou seja, do fato de alguém aplicar incoerentemente um critério (seja o critério da vida biológica, o da senciência, ou outro qualquer), não conseguimos saber se nós devemos aceitar ou rejeitar tal critério, e então, saber que decisão deve-se tomar. A mesma questão apareceria também se a pessoa não fosse hipócrita e fosse coerente. Assim sendo, de qualquer maneira, tem-se que avaliar a plausibilidade dos critérios propostos para explicar o erro em matar, independentemente do caráter de quem os propõe e de se quem os propõe aplica-os coerentemente ou não.

(2) Se interpretamos, ao invés, como uma redução ao absurdo, é falsa a conexão que é sugerida. Já que o critério proposto para explicar o erro em matar animais é a privação do desfrute de experiências positivas, não segue daí que, se for errado matar animais, é errado matar plantas (já que plantas não são capazes de experiências). Da mesma maneira que, da afirmação de que é errado matar humanos não segue daí que seja errado matar plantas (embora siga daí que é errado matar qualquer ser senciente, independentemente de espécie, já que aquilo que explica o erro em matar humanos explica ao mesmo tempo o erro em matar outros seres sencientes). Isso porque a principal razão para ser errado matar humanos é o prejuízo para a vítima. E, esse prejuízo se dá devido a não ser mais possível ela experimentar sensações positivas – algo que acontece no caso de qualquer ser senciente, independentemente de espécie. Mas, vamos supor, para efeito de argumentação, que ser errado matar plantas se seguisse de ser errado matar animais. Afirmar que isso seria absurdo não prova que é absurdo. Teria-se de mostrar o que há de errado com o critério proposto em questão.

(3) Se interpretamos, ao invés, como uma defesa do critério da vida biológica, não segue-se a conclusão de que é correto matar animais. Se o que se está a fazer é afirmar que os anti-especistas erram por explicar o dano da morte através da privação das experiências positivas (e defende-se então, ao invés, o critério “estar biologicamente vivo” como fundando o erro em matar), segue-se daí que é errado matar animais (já que estão biologicamente vivos).

O proponente do critério da vida biológica poderia alegar que o que está a defender é: já que animais e plantas estão igualmente vivos, no sentido biológico, tanto faz qual deles se mata. Mas, veja o que isso implica: implica que seria igualmente válido escolher matar os humanos, já que estão biologicamente vivos também. Diante disso, o proponente de tal critério poderia objetar que os humanos possuem certas características que as plantas não têm, que tornam pior matar um humano. Mas, o mesmo poderia ser afirmado dos seres sencientes de outras espécies: são capazes de experimentar sensações, o que torna pior matá-los (supondo, para efeito de argumentação, que matar plantas é um erro). Contudo, independentemente de todas essas implicações, essa discussão só faria sentido se o critério da vida biológica fosse um bom critério para explicar o erro em matar. Mas, existem várias razões para se adotar, ao invés, o critério da senciência.

(4) Se interpretarmos, ao invés, como uma reivindicação que parte de uma redução coerentista da moralidade, ou seja, como reivindicando que “se você defende respeitar os animais, tem que respeitar plantas; eu não defendo respeitar os animais, então, não tenho que respeitar as plantas”, então há três problemas.

O primeiro é que, como vimos, reivindicar que há a obrigação de se respeitar os animais não implica haver obrigação de se respeitar as plantas, já que o critério proposto é a capacidade de sofrer e desfrutar, e não, estar biologicamente vivo.

O segundo, é que, se não existir a obrigação moral de se respeitar plantas (que é o que o especista está a sugerir), essa obrigação não existiria para ninguém, nem mesmo para os que acham que ela existe (e nem, também, para os defensores dos animais). Assim, não faria sentido exigi-la dos defensores dos animais. Por outro lado, se existir a obrigação moral de se respeitar os animais, essa obrigação vale para todos (incluindo quem está a lançar o argumento das plantas), e não apenas para quem já concorda com essa obrigação. Ora, alguns reconhecem essa obrigação devido às razões que existem a favor dela, e, obviamente, essas razões existem com total independência de as reconhecermos ou não. Se as razões para a existência de uma obrigação só passassem a existir no momento em que as reconhecemos, não haveria o que reconhecer, já que elas não existiriam antes desse ato. Além disso, todas essas razões fazem referência ao que acontece às vítimas (o fato de os animais sofrerem e serem privados de desfrutar caso morram, por exemplo), e isso é totalmente independente do reconhecimento dos agentes de tal obrigação.

O terceiro, é que só faria sentido assumir uma redução coerentista da moralidade se houvessem melhores razões para se acreditar que todo e qualquer critério moral fosse igualmente arbitrário. Em próximas postagens, discutiremos essa idéia.

 

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