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A limitação das campanhas de conscientização "Seja vegetariano"

2 de junho de 2014
4 min. de leitura
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Têm-se multiplicado pelo Brasil, em especial nas capitais e regiões metropolitanas, as campanhas, incluindo por outdoors, em favor do vegetarianismo. É inegavelmente um avanço na militância pela alimentação e consumo éticos e contra a exploração animal, considerando-se que, até pouco tempo atrás, iniciativas com esse tema que passem mensagens às massas eram muito raras. Mas há uma limitação em se recomendar apenas o vegetarianismo, enquanto simples não consumo de carnes, ao invés do veganismo, e ela precisa ser superada o quanto antes.

Abundam na internet informações sobre por que o vegetarianismo, em sua definição clássica de não comer animais mortos, não é o suficiente para se ter uma alimentação ética. A dieta ovolactovegetariana não abole, e sim apenas diminui um pouco, o número de mortes que a alimentação do indivíduo implica.

Isso porque a pecuária produtora de leite e ovos também mata animais e, mais ainda, promove uma exploração ainda mais forte e constante do que a própria produção de carnes. Enquanto a exploração de animais ditos “de corte” tem foco no confinamento (mesmo em fazendas de criação extensiva, invariavelmente limitadas por cercados que impedem a liberdade dos animais) e no abate, a de leite e ovos implica também o sequestro dos filhotes da fêmea, para desespero de ambos, no caso das mamíferas; o “trabalho” forçado de ser ordenhada ou pôr ovos e a matança de filhotes machos, sejam nascidos do ovo ou do ventre.

Além disso, o mel e os demais derivados de abelhas também implicam exploração animal, incluindo-se a constante perturbação à ordem da colmeia pelo apicultor que extrai dali as secreções. Isso sem falar no consumo de produtos não alimentícios de origem animal, que implicam a mesma exploração que origina as carnes, leites, ovos e derivados de insetos – o couro, a glicerina comum, o tutano, o sebo etc. são extraídos dos mesmos animais que são abatidos para virar fatias de carne, e a extração de lã também é uma forma de manter animais sob escravidão, sob propriedade de pecuaristas.

Fica claro que vegetarianismo não é o bastante, mas infelizmente ainda se vê por aí campanhas de foco no problema ético do consumo especificamente de carne. E somam-se a isso outros três problemas inerentes a recomendar o abandono apenas do consumo de animais mortos.

O primeiro é a manutenção das palavras “veganismo” e “vegan(a)(o)” no limbo do desconhecimento ante a maioria das pessoas. Quando se escreve no outdoor “Seja vegetariano!”, as pessoas onívoras que veem a mensagem verbal e gráfica tendem a, no máximo, cogitar a adesão ao vegetarianismo não vegano, desconhecendo que a alimentação ovolactovegetariana também implica, tal como a onívora, exploração e morte de animais.

Se estivesse escrito, ao invés, “Seja vegano!”, haveria uma chance muito maior de as pessoas se perguntarem o que é veganismo e o que é ser vegano  e descobrirem que há uma necessidade de se abandonar não apenas as carnes, mas sim todo aquele produto boicotável, alimentício ou não, que leve componentes de origem animal e/ou seja fabricado por empresas que testam em animais. Ao invés de a pessoa passar por duas transições – de onívoro a vegetariano e de vegetariano a vegano – e passar pelo dobro de desafios em abandonar o consumo de alimentos de origem animal, passaria por uma única transição, um único desafio.

Outro problema é que muitos recém-vegetarianos, por motivos de estilo de vida, acabam mudando das carnes para os laticínios e/ou ovos como alimentos centrais de sua dieta. Sem a devida conscientização sobre os derivados não cárneos, existe uma tendência de as pessoas inconscientemente virarem consumidoras assíduas dessses alimentos, com a ilusão de que “não causam sofrimento e morte como a carne causa”. Descobrir o veganismo e reconhecer a necessidade de aderir a ele pode se tornar ainda mais difícil do que o abandono das carnes, caso a pessoa passe um tempo longo o suficiente sem saber por que consumir laticínios, ovos e mel também é antiético e tem implicações severas para os animais.

E o outro efeito colateral é a associação do vegetarianismo à simples abstenção de carne vermelha oriunda de fazendas que não adotaram políticas bem-estaristas. Grande parte dos outdoors e panfletos com temática vegetariana mostram apenas mamíferos trucidados em matadouros, havendo menos foco nas aves, nos peixes e nos animais invertebrados “comestíveis”. Isso acaba gerando o sério risco de transmitir a mais pessoas a falsa crença de que, para ser vegetariano, basta abandonar as carnes vermelhas, sendo livre o consumo de animais de carne branca.

É necessário, portanto, que a militância pela alimentação ética passe da fase de recomendar apenas o vegetarianismo e dê um passo à frente, passando a enfatizar a necessidade de as pessoas adotarem o veganismo e assim darem um passo largo de uma só vez, ao invés de terem que passar por duas transições e manterem, ainda que temporariamente, um hábito alimentar ainda sustentado na escravidão e morte de animais. Isso ajudará tanto os animais a pararem de continuar nascendo para uma vida de miséria quanto os termos “veganismo” e “vegan”, assim como a própria causa abolicionista, se tornarem mais e mais conhecidos.

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