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Quando uma escola ocupa a Tribuna em defesa dos animais

17 de dezembro de 2013
6 min. de leitura
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A Prefeitura de Contagem (MG), por ocasião do aniversário de 102 anos da cidade, ofereceu a seus moradores uma Festa de Rodeio. O que ninguém poderia imaginar é que esta iniciativa não receberia apenas aplausos, mas que provocaria uma grande polêmica, indignação e uma ação contrária envolvendo alunos, professores e a direção da maior escola da cidade. A proposta inicial seria uma coleta interna de assinaturas a ser enviada ao prefeito, entretanto, o que começou pequeno se transformou em uma grande mobilização da parte dos alunos e dos professores que conseguiram 7.222 assinaturas presenciais. Diante da proporção tomada, a entrega aconteceu na Câmara Municipal com a ocupação da Tribuna Livre, solicitada pela direção da escola. Durante 20 minutos, os vereadores e a galeria, além de uma comissão de alunos, ouviram atentamente o discurso que pedia o fim dos rodeios na cidade. (leia o discurso na íntegra http://www.plataformaterraqueos.org.br/arquivos/site/mobilizacao/discurso-dia-08-para-imprensa-e-divulgacao.pdf )

(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)

O Rodeio como uma prática cultural foi o argumento mais utilizado por aqueles que o defendiam. Pensamos, contudo, que as práticas culturais acontecem e guardam uma relação estreita com uma sociedade específica, portanto são construções sociais. Da mesma forma que valem hoje, podem não valer amanhã. Isto dependerá do nível de entendimento e evolução dessa sociedade específica. Tanto é que algumas cidades que um dia realizaram Rodeio hoje o proíbem como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Só o referir-se a uma prática como cultural não significa que é algo bom em si. Por exemplo, em algumas culturas, crianças que nascem com problemas de saúde são enterradas vivas; a briga de galo já foi uma prática cultural e hoje é proibida em todo o Brasil.

Semelhante ao cultural é o argumento que defende os rodeios por representarem uma determinada tradição. Também o fato de serem considerados uma tradição não significa, necessariamente, que é bom ou desejável. Já vivemos em sociedades predominantemente patriarcais, em que as mulheres não tinham voz nem vez. Ou sociedades escravocratas, em que os negros não eram considerados como pessoas. Ou sociedades em que o trabalho infantil era explorado como algo muito comum. Foi preciso romper com essas tradições para que chegássemos à que temos hoje. E ainda estamos longe de ser uma sociedade ideal!

Os defensores do rodeio também sustentam que esses eventos movimentam uma importante atividade econômica, bem como se trata de um meio de sustento de milhares de famílias. Ressaltamos que os rodeios envolvem outras atrações diversificadas, que inclusive atraem mais propriamente o público, tais como as apresentações musicais e artísticas. As referidas festas, pois, podem plenamente se manter – com igual público – mesmo sem a utilização de animais. Quanto a este “argumento econômico”, poderíamos dizer o mesmo para o jogo do bicho, a prostituição, o tráfico de pessoas ou de animais silvestres e o tráfico de entorpecentes: eles também geram e movimentam uma enorme soma de dinheiro. Os “bons fins” não justificam os “maus meios”, conforme nos alerta Tom Regan no seu livro Jaulas Vazias.

Houve quem tentasse desqualificar o pedido pelo fim dos Rodeios dizendo que os animais “são tratados como verdadeiros atletas, com dieta balanceada, treinamento para fortalecimento dos músculos e acompanhamento veterinário constante”. Ora, se os tratam bem é porque precisam que se apresentem bonitos e saudáveis e, com isso, tragam dividendos para quem promove e patrocina o show. Tal situação tem semelhanças com a situação degradante de mulheres que são traficadas para o exterior. Recebem todo o tipo de tratamento vip para se mostrarem bonitas para o freguês. São tratadas como produtos para consumo, esvaziadas em sua dignidade de pessoas e indivíduos.

(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)

Nesta mesma linha, tentaram amenizar e naturalizar o rodeio ao invocá-lo como esporte. Invocam a lei neste momento para dizer que esta reconhece o peão de rodeio como uma categoria profissional. Ora, até onde sabemos esporte envolve dois oponentes ou dois grupos que aceitam participar por livre espontânea decisão de uma atividade em que as regras são conhecidas e acatadas por todos os envolvidos. Mesmo nas lutas promovidas pelo UFC, como o MMA, em que faz parte da luta surrar quase sem limites o oponente, há uma aceitação e conhecimento das regras por ambas as partes. Agora, quando o oponente é um animal indefeso, desconhecedor das regras, que está ali não por escolha ou desejo, fica difícil argumentar que tal atividade se trata de um esporte. Ao contrário, a relação entre o animal e o vaqueiro é desigual e covarde. Há todo um aparato que o força a estar ali.

As provas denominadas “bulldog”, “laço de bezerro” e “laço em dupla”, pelas características e descrição é possível deduzir que provocam dores e sofrimentos aos animais a elas submetidos, o mesmo ocorrendo com as provas que utilizam esporas, chicotes e o denominado sedém, instrumento especialmente engenhado para produzir dores na região pélvica dos animais, fazendo-os pular. Basta, para tanto, ler a descrição dessas provas. São desnecessários maiores conhecimentos científicos para auferir a dor sentida pelo animal.

Há os que alegam que os instrumentos utilizados para fazerem o animal pular não causam dor, mas apenas “cócegas” ou, quando muito, “incômodo” e que, por lei, as cordas que lhe comprimem a região abdominal, conhecida como sedém, é de algodão puro. Ora, isto não elimina a agressão! Alguém que morre enforcado chegará ao óbito, independentemente da corda ser de sisal ou de seda pura. O mesmo se diz das esporas que não são com pontas, mas achatadas, como moedas. Esquecem que a lesão é causada pelo contato e pressão do ferro com a pele. Aliás, é oportuno transcrever o teor de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 2001, no sentido de que: “Um certo instrumento, ou uma determinada prova, não deixam de ser cruéis simplesmente porque o legislador assim dispôs. Não se desfaz a crueldade por expressa disposição de lei”. (TJSP, Apelação Cível 168.456- 5/5, j.24.10.2001, Re. Des. Teresa Ramos Marques, j. 24.10.2001)

A escola cumpriu sua função social ao levar aos vereadores subsídios teóricos, filosóficos, éticos, fisiológicos, entre outros, para que deliberem em favor da decisão de proibir a realização de rodeios e também do uso de animais em circo. Acreditamos que fazendo assim o município de Contagem assumirá uma posição de vanguarda, defendendo valores que, se hoje ainda são minoritários, certamente farão parte de uma mudança da mentalidade do horizonte cultural. Estão em jogo, portanto, a decisão e a coragem de refletir e decidir-se por valores e posturas que respondam às inquietações dos tempos modernos, ou continuar na comodidade de manter as mesmas respostas de sempre, desperdiçando uma oportunidade histórica de acolher e criar condições de possibilidade para que o novo aconteça.

Referências:
http://jus.com.br/artigos/21812/os-rodeios-e-a-jurisprudencia-paulista-sobre-as-praticas-que-submetem-animais-a-crueldade/3#ixzz2ezjWFZoc

REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Tradução Regina Rheda. Porto Alegre, RS: Lugano, 2006.

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