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A imprensa e os direitos animais

30 de outubro de 2013
5 min. de leitura
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(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)

Qual seria um bom papel para a imprensa no episódio dos beagles de São Roque (SP)? Defender o Instituto Royal, dar razão aos ativistas, criticar os danos à propriedade privada ou apenas relatar os fatos e dar voz aos dois lados?

O que a Veja desta semana faz é tomar partido (dos laboratórios), fazendo de conta que está agindo com imparcialidade. A capa com a chamada “O dilema dos beagles, amor sem remédio” nos leva a acreditar que a revista é a favor dos ativistas ao ilustrar o texto com a foto de um beagle olhando para cima, com aquela cara que só cachorro sabe fazer quando está pedindo alguma coisa – de carinho à comida – e que deixa qualquer humano desarmado.

Logo na primeira matéria do especial “Crime em nome do amor”descobrimos que não é bem assim, quando a revista diz:

“Os ativistas passaram por cima das leis para liberar cães. A sensibilidade exacerbada com o bem-estar dos animais é uma marca do nosso tempo, mas não é por ser legítimo que este sentimento permite o vale-tudo”.

Para mostrar o erro dos ativistas, a Veja fala da importância das pesquisas feitas com os cães: uma para criação de um antibiótico e duas para remédios contra o câncer. Isso, além de dar destaque (nas fotos com os cachorrinhos) a dois dos principais ativistas, fazendo um retrato pouco lisonjeiro deles. Do professor Leandro Ferro, diz que “ganhou o apelido de ‘Leandro Ativista’, fama de bonitão e centenas de amizades no Facebook”. Da ex-apresentadora de TV Luisa Mell, acusada de usar a causa para se promover, revela: “Ela rebate a acusação recitando a cartilha do ativista, dizendo que é vegana e assistiu aos principais filmes sobre o assunto”.

Mais atenção

Mas, pior é o perfil daqueles que Veja chama de “defensoras intransigentes dos animais”:“É a mulher de classe alta, entre 30 e 50 anos, sem filhos, sempre pronta a adotar um bicho abandonado. Algumas, mais radicais, são vegetarianas e recusam-se a vestir roupas ou usar acessórios feitos de couro animal. Ao escolherem cosméticos, exigem os que não tenham sido testado em animais”.

Uma caricatura injusta, pois, entre as ativistas, há pessoas de todas as idades, todas as faixas de renda e de todos os sexos. Basta entrar nos sites de entidades de defesa dos animais para confirmar.

Na sequência, a revista mostra o super-rato que venceu o câncer, o julgamento da ativista gaúcha na Rússia e conclui com outra no cravo, com a matéria “O que sentem os animais”.

O que faltou mesmo foi assumir claramente uma posição – a favor dos beagles ou a favor do laboratório. Mas faltou, principalmente, dizer o que vai acontecer daqui para frente, já que sobraram, no laboratório, coelhos e ratos usados como cobaias – o que está dito na mesma matéria. E dizer, principalmente, o que foi feito dos cachorros libertados (ou roubados, como preferem alguns). Na sexta-feira os jornais noticiavam que um deles foi encontrado vagando nas ruas de São Roque.

O assunto também foi tema de matérias no Estado de S.Paulo (27/10). O jornal não dá opinião. Limita-se a abrir espaço para que os articulistas defendam seu ponto de vista, como no artigo “Quem vai salvar quem?”,de Sidarta Ribeiro, professor de neurociência da UFRN. Ele começa perguntando:

“Há ética em submeter beagles adoráveis à experimentação fria? Por outro lado, será ético criar cães em apartamentos minúsculos, permitindo que desenvolvam problemas renais por baixa frequência de micção e obesidade por falta de exercício? Os ativistas acham que os cientistas são uns animais e vice-versa, como se isso fosse a maior ofensa”.

O professor continua:

“É um bom momento para questionar injustiças e olhar de frente a questão dos direitos dos animais. Animais possuem sistemas nervosos e isso cria um problema moral. Possivelmente todos os animais sentem dor e são capazes de tentar evitar sofrimento. Inúmeras espécies de vertebrados e mesmo invertebrados exibem algum tipo de cuidado parental. A consciência não é um dom exclusivamente humano, mas uma função fisiológica que, apesar de mal compreendida em seus mecanismos, ocorre sob distintas formas em muitas espécies diferentes. Levar em consideração todos esses aspectos é algo recente entre nós, homens e mulheres herdeiros de milênios de escravismo, utilitarismo e mesmo canibalismo. O passado da humanidade é prenhe de violência e brutalidade, mas também somos capazes de solidariedade e respeito ao próximo”.

É pena que será necessário outro ataque a laboratórios para que o assunto volte à pauta dos jornais. Enquanto isso, cachorros e gatos vão continuar sendo jogados na rua, inclusive por pessoas que se encantam com filhotinhos e depois não aguentam quando eles crescem. Os direitos desses animais, assim como os direitos dos beagles de laboratório, deveriam merecer mais atenção por parte da mídia.

Mais clareza

As revistas e jornais têm todo o direito de manifestar sua opinião sobre determinado assunto. O que não podem é tentar iludir os leitores publicando fotos comoventes dos animais e o texto manipuladores de sentimentos, mostrando que sem o sacrifício desses mesmos animais estaremos impedindo a descoberta da cura do câncer, por exemplo.

Com clareza e matérias bem feitas – mostrando todos os lados de um assunto – é possível manifestar opinião, deixar os leitores tirarem suas conclusões e contribuir para o debate, em vez de tentar agradar leitores (que são donos de bichos), anunciantes e donos de laboratórios. Todos ao mesmo tempo.

Fonte: Observatório da Imprensa

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