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Carta aberta ao público e ao chef Alex Atala

4 de setembro de 2013
12 min. de leitura
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Por Coletivo Camaleão

Se as paredes dos matadouros fossem de vidro, todos seriam veganos

A apresentação ocorreu na 3º edição do evento gastronômico MAD, que reuniu chefs e pesquisadores da culinária na cidade de Copenhague, Dinamarca.

Segundo o portal Terra, o simpósio teve como assunto central o termo “Guts”, que foi descrito como “algo que pretende invocar um senso de coragem e urgência onde se pode refletir sobre histórias e ideias que ninguém se atreve ou tem oportunidade de dizer”.

O objetivo foi discutir a situação da alimentação no mundo. O chef Roy Choi de Los Angeles inovou, pelo menos no que tange aos seus comentários: ele disse que espera que os chefs tenham coragem e urgência para fazer algo pela fome mundial.

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Já o açougueiro italiano Dario Cecchini estripou um porco que estava pendurado acima do palco e confessou que adora o “odor da morte”; o italiano ainda ousou tentar passar uma imagem de bom moço, preocupado com o bem estar alheio, dizendo que ele zela pelo respeito aos animais e defende o “carnivorismo consciente”.

– Em relação à fome mundial, conforme já citamos algumas vezes aqui no site, o planeta só conseguiria alimentar 2 bilhões de pessoas através de uma dieta baseada em produtos de origem animal. Já para alimentarmos com base nos vegetais, além de atingirmos a cota mundial de pessoas humanas, ainda reduziríamos as áreas desmatadas, visto que somente em um mesmo espaço utilizado para alimentar um “não-vegetariano”, conseguiríamos alimentar vinte vegetarianos.

– E “carnivorismo consciente” é algo tão falacioso quanto “machista bonzinho”; ou é a favor da defesa de algo ou não é.

Não se engane, não parou por aí, ainda teria por vir a palestra do chef brasileiro Alex Atala que tinha como expressão “Death Happens” (“A Morte Acontece”, em Português), expressão que estava estampada em sua camisa e também em sua atitude. O chef da capital paulista, simplesmente, para o choque de todo o público, degolou ao vivo uma galinha e a fritou, posteriormente.

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Essa foi a terceira edição do MAD.

{Esta é uma carta aberta ao público e ao chef Alex Atala}

* Apesar da manchete jornalística e das considerações iniciais, a proposta aqui é fazer mais do que apenas dar a notícia, é gerar reflexão, tanto por causa da atitude de Atala, quanto por parte do público sensível que se chocou com o animal tendo seu pescoço quebrado. Primeiramente, é necessário apresentar aos leitores quem de fato ele é.

Alex Atala, nasceu na Mooca, em São Paulo, e quando jovem aprendeu a gostar do punk rock, com o qual se identificou de cara. Já viajou pela Europa de mochilão, conheceu a gastronomia na Bélgica, se deu bem e até ganhou prêmios, tornando-se então chef culinário.

Atala é um cara despojado, tatuado, originário da classe média, de pulso firme e atitude. Talvez por causa da sua cultura de punk venha a preocupação com o social e hora ou outra com o lado sustentável das coisas – claro e direto, e ao mesmo tempo difícil de compreender, visto que essas ditas preocupações com o social não o impedem de ser pescador, caçador, e caçador submarino (caça debaixo d’água), mas isso apenas nos mostra que o fato de alguém dizer que enxerga a importância do meio ambiente não quer dizer que este alguém irá preocupar-se com os direitos animais. Aliás, para alguns, talvez esse fato seja novidade.

Em entrevista à revista TRIP, declarou mais sobre suas atitudes, pensamentos e particularidades…

Influenciado pelo pai e avô, ele pescou e caçou, hobbies que ainda pratica na África, no Canadá, na Argentina ou na Ilha da Queimada Grande (uma ilha que é considerada “ARIE” — Área de Relevante Interesse Ecológico — local onde só é permitida a presença de biólogos, zoólogos, e pesquisadores em geral), onde aparentemente não é permitida a caça.

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Atualmente, ele é chef e dono do premiado restaurante D.O.M., e ainda lidera a cozinha do restaurante Dalva e Dito, também em São Paulo. Quem quiser apoiar a caça de animais, mesmo que indiretamente, está aí uma “boa” opção (preciso dizer que foi ironia?).

Suas justificativas para a exploração dos animais são as que estamos acostumados a ouvir sempre, questões de ordem bíblica e cultural, mas Alex é um cara diferenciado e possui valores diferentes e próprios para justificar seus atos: algumas afirmações de ordem filosófica, embasadas e fundamentadas em uma linha (acredite se quiser) ecológica; de fato, o movimento de direitos animais inclui os direitos ambientais, mas o contrário não ocorre, por isso ele (caçador) e os ambientalistas cometem diversas ações especistas¹, o que exemplifica seu pensamento de caça e pesca como, segundo ele, forma de contato com a natureza.

Para Alex, o ato de caçar é uma forma de restaurar seu papel masculino² de obter “alimento”, afinal, vivemos em um século, em um mundo e em um país em que não existe alimentos vegetais, portanto se faz necessário caçar animais para sobreviver (ou comprá-los no supermercado).

Ele também se diz contrário aos bad boys “mauricinhos” que financiam o tráfico e incrementam outros problemas sociais (particularmente concordo, sendo mauricinho ou não). Conforme foi anteriormente comentado, ele é interessado na questão socioambiental (o que não o isenta de um olhar especista). Em seu restaurante, o D.O.M., ele dá preferência aos ingredientes cultivados pelo pequeno agricultor, utiliza Pupunha com produção sustentável, ao invés do palmito tradicional, e também foi muito elogiado pela fotógrafa Andréa Fazzari pela elaboração de seus pratos de comida colorida, distintos dos pratos das tradicionais churrascarias de São Paulo. Não se encante, lá também é um local para opções de insetos, como formigas e o polvo crocante (depois as pessoas ainda fazem cara feia para o nosso prato colorido vegano).

Considera viver corretamente algo chato, talvez porque ele e infelizmente muitas pessoas acreditem que para se ser correto ou ético deve-se abrir mão da diversão, o que não é verdade. No que diz respeito à alimentação vegana, podemos comer todas as mesmas coisas deliciosas de “origem animal”, mas em uma versão vegana e, além disso, temos a possibilidade de redescobrir sabores, alimentos e culinárias diversas que dificilmente teríamos conhecido se não tivéssemos conhecido o veganismo e saído do tradicional “arroz, feijão e carne”.

E em relação a caçar animais, isso não tem nada de divertido ou legal, é muito mais interessante jogar um Paintball com os amigos aonde se pode “matar e morrer” várias vezes sem ferir gravemente a si mesmo ou ao outro, do que se envolver em uma caçada, tourada ou matança qualquer.

Agora, talvez o ponto mais importante de todo esse evento, as críticas da plateia e da população que acompanhou de longe a atitude “corajosa” (e cruel) de quebrar o pescoço de uma galinha.

Muitos o aplaudiram pela sua coragem, não por fazer isso com um animal indefeso (isso é covardia, é fácil – é aquela velha história, “quero ver pegar alguém do seu tamanho”), mas por ter coragem de fazer isso diante das pessoas e da mídia internacional, e por outro lado, muitos rejeitaram sua atitude por considerarem desnecessário magoar os olhos meigos do público que já paga para pessoas de baixa renda (ou escravos adultos e crianças) para fazerem isso às escuras nos matadouros do Brasil³, ou reprovaram a atitude dele por acreditar que uma galinha nascia na bandeja do supermercado (já ouvimos no ensino superior uma colega dizer que não sabia que presunto era carne, portanto não duvidamos).

Galinha não é fruta. Não dá em árvore.

Chegamos finalmente, ao mais importante, a reação do público, e podemos resumir isso apenas com a imagem abaixo, mas queremos ir além, propor uma simples reflexão: será que é realmente cruel e desnecessário matar um animal, apenas por estar na frente do público-consumidor? Agora, tornou-se óbvia a hipocrisia, espero.

O próprio Alex diz que não existe nenhuma razão para tirar a vida, mas brinca e diz que ele não é 100% racional.

mentiras-confortantes-verdades-incomodasO problema em questão não está em fazer isso diante dos olhos das pessoas que consumiram depois o “animal-degolado-ai-que-dó-frito”, e sim em fazer o ato propriamente dito, seja em público ou não. É errado. É antiético. Não temos nenhuma razão lógica para isso, como ele mesmo disse. E também não temos necessidade nutricional disso, apenas cultural, o que também não justifica.

A premissa de que nós seres humanos somos pessoas que possuem direitos é baseada no fato de que podemos sentir, e se podemos sentir também podemos entrar em situações desconfortáveis que nos causam dor, sofrimento, tristeza, e por isso leis (e consciência) são necessárias para a proteção dos direitos humanos, porém o mesmo se aplica aos animais das outras espécies, pois eles também sentem como nós, a diferença é que para eles não existem leis para abolir a exploração e morte, e muito menos existe consciência da população em relação à senciência e aos direitos dos mesmos.

O fato de não existir leis não torna a atitude correta, apenas pela ausência de legislação.

Portanto, o que deve se aprender com essa história, principalmente os “ainda-não-vegetarianos”, é que não devemos voltar nossos olhos para a atitude dele, por ter sido feita por ele e sim que isso é feito aos bilhões por aí, de formas mais intensas e cruéis e muita gente não dá a mínima, apenas por que não viu, não feriu os olhos (é aquele ditado, “o que os olhos não veem, o coração não sente”). Hipocrisia. É mais incoerente ainda julgar o cara apenas porque ele fez isso ao vivo, sendo que “nós” não fazemos, mas pagamos para que outros façam em nosso lugar, o que nós do Coletivo Camaleão consideramos ainda pior.

Vamos deixar a atitude dele para os ativistas de direitos animais analisarem, e vamos concentrar no que nós fazemos aos animais ao consumir carne, leite, ovos e derivados.

E quanto à sua atitude de caçar e pescar animais, não existe diferença moral entre um e outro. A sociedade considera uma aberração caçar animais em terra, mas aplaude uma caça na água (pesca) em um belo domingo de manhã em um pesqueiro no canto da cidade; estranho, não? Mais uma vez, vamos olhar para o nosso umbigo antes de criticar o outro.

Conclusão:

Segundo Milad, pai de Alex, o filho é “determinado e teimoso até a morte”, e não é a toa que ele já defendeu a caça baseada no tradicionalismo de sua família, e também não vai ser por uma matéria extensa como essa que ele vai mudar seus hábitos. Talvez ocorra com ele o mesmo que aconteceu com Izumi (ex-caçador de golfinhos) que parou de matar golfinhos ao ver o choro de um quando estava prestes a morrer, caso, é claro, Alex não cace “seus” animais pelas costas, e considerando também que ele não é um cara “100% racional” como ele mesmo afirmou, talvez a emoção o toque.

Do contrário, esperamos e pedimos que pelo menos deixe seu tradicionalismo acabar nele mesmo, não ensinando para seu filho.

A postura dos ativistas de direitos animais é de lutar pelo fim da exploração dos animais, o que inclui o fim da caça de animais e, neste caso, só nos resta fazer esse pedido, torcer para que ele repense por outra ótica sua relação com a natureza, de uma forma não destrutiva, ou torcer para que ativistas de direitos animais ou ambientais intervenham fisicamente na destruição das armadilhas de caça ou no ato de sabotagem aos caçadores, o que inclui, por exemplo, espantar os animais que serão caçados, antecipando-se ao local da caça.

É um jogo de risco, pois você (ativista) pode se tornar o alvo do caçador, no lugar do outro animal, como já aconteceu em muitos casos, e isso sim é uma atitude corajosa, Alex Atala.

No demais, pedimos que procure conhecer mais a culinária vegana e que dê preferência a ela em seus restaurantes. Com a influência que você possui, isto fará muita diferença na saúde das pessoas, na vida dos animais e trará benefícios também ao meio ambiente. Como temos uma gigantesca indústria de pecuária no Brasil, lutar contra isso, promovendo uma gastronomia vegana pelos animais, pelo próprio meio ambiente e pela sociedade (com os quais você aparentemente se importa) é algo com certeza “Guts”.

Lutar pelos direitos animais e pela promoção do veganismo é:

“Algo que invoca um senso de coragem e urgência onde se pode refletir sobre histórias e ideias que ninguém se atreve ou tem oportunidade de dizer e fazer”.

Se há coisas urgentes e que necessitam de muita coragem nesse mundo, ser vegano e lutar por isso com certeza é uma dessas coisas.

Este é o nosso desafio, Guts, a você.

* Estaremos enviando uma carta, em anexo este conteúdo para certificarmos que pelo menos sua assessoria de imprensa irá ler, além também de receitas veganas.

• Leitores, pedimos que entrem em contato para enviar receitas veganas (e não para crucificar ninguém) na página de contato do restaurante D.O.M. ou através das informações abaixo:

E-mails: [email protected]
[email protected]

Telefones: +55 (11) 3088 . 0761 | +55 (11) 3081 . 4599

– Brasil
Kreab Gavin Anderson
Maíra R. Gomes – [email protected] – 3054-3341/ 99426-6973
Amanda Moreira – [email protected] – 3054-3306/ 96497-8921

– Londres:
Lotus PR: Ivan Crispo – [email protected] – +44 207 751 5812

Referências:

¹ Especismo é o ato de negar os interesses das outras espécies animais, baseado no seu interesse particular, no interesse da espécie humana.

² A “masculinidade” não provém de como obtemos nosso alimento ou do que comemos. Indicamos a leitura do livro: A Política Sexual da Carne, da feminista vegana Carol J. Adams.

³ Problemas trabalhistas, análogos a escravidão, ou trabalhos escravos e problemas físicos e psicológicos estão dentro da realidade dos produtos de origem animal no Brasil e estão intimamente ligados com o pensamento de propriedade, de dominação e opressão na relação do homem com os animais (especismo – e do homem com o próprio homem). Assista (e leia) o documentário (a matéria): Moendo Gente – a exploração humana nos principais frigoríficos brasileiros.

4 A causa número um de agente provocador do aquecimento global, segundo relatórios da ONU, é a atividade pecuária, cuja indústria também é a responsável pelos maiores índices de escravidão.

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