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Bovinos 'transgênicos' já são reproduzidos para consumo humano

3 de setembro de 2013
11 min. de leitura
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(da Redação)

Boi Belgian Blue, que tem um defeito no gene que codifica a miostatina. Foto: Cortesia de Se-Jin Lee e Alexandra McPherron / PNAS para a Kuow.org
Boi Belgian Blue, que tem um defeito no gene que codifica a miostatina. Foto:
Cortesia de Se-Jin Lee e Alexandra McPherron / PNAS para a Kuow.org

Embora não seja algo publicamente divulgado ou posto no rótulo das etiquetas de carne de supermercados ou açougues – quando há etiquetas, sabe-se que é uma prática comum na agropecuária o uso de substâncias químicas para que os bovinos cresçam mais e mais rápido, para maior lucratividade da indústria da morte de animais para produção de carne.

Recentemente foi publicada na ANDA uma matéria sobre os beta-agonistas, que são drogas misturadas à alimentação dos animais para fazê-los ganhar peso e massa muscular, supostamente causando danos terríveis à sua saúde e, por tabela, a quem os consome.

No entanto, o atrevimento do homem em tentar “brincar de Deus”, manipulando a genética de acordo com seus interesses escusos e interferindo na ordem natural das coisas, já foi muito mais longe. Enquanto ainda se discute timidamente nas cadeiras das Universidades, nos eventos científicos e na mídia sobre a validade da chamada engenharia genética em todos os sentidos – econômicos, práticos, ambientais e éticos – cientistas já produzem “absurdos” nesse campo há muito tempo. no sentido literal da palavra. Animais imensos, que lembram apenas vagamente os bovinos, já são criados, apresentados em exposições e vendidos em diversos países.

Essa raça de bovinos fabricada pelas mãos humanas se chama “Belgian Blue”, cujos indivíduos são vulgarmente também conhecidos por vacas e bois “transgênicos”, ou “Super Cows”. Sua criação remonta a 1807, a partir do cruzamento experimental entre as raças Shorthorn e Charolais, já com o intuito de se obter animais enormes. Com o tempo, os agricultores selecionavam os animais mais fortes e maiores para criar descendentes supostamente “superiores”.

Belgian Blue com o pelo raspado para realçar a anomalia da musculatura, orgulho dos procriadores. Foto: Singularity Hub
Belgian Blue com o pelo raspado para realçar a anomalia da musculatura, orgulho dos procriadores. Foto: Singularity Hub

Essa criação deliberada continuou e resultou em um defeito genético nos animais. Apesar de haver cientistas tentando desenvolver o que se conhece hoje como Belgian Blue em laboratórios de inseminação artificial de Liege desde meados de 1950, foi em 1997 que o cientista geneticista Se-Jin Lee descobriu que o Belgian Blue tinha um defeito no gene da Miostatina.

Em 2001, Lee realizou testes de laboratório com ratos, inserindo mutações que aumentaram a produção de substâncias bloqueadoras da miostatina. Suas hipóteses foram confirmadas, e a partir de então, os pobres bovinos Belgian Blue não tiveram mais “sossego”. O que a indústria que os recria faz hoje nada mais é que uma reprodução sofisticada da experiência feita por Se-Jin Lee.

Ratos da experiência feita por Se-Jin Lee. O da direita sofreu alterações no gene da miostatina. Foto: Medgadget
Ratos da experiência feita por Se-Jin Lee. O da direita sofreu alterações no gene da miostatina. Foto: Medgadget

O gene da miostatina tem a função de limitar o crescimento muscular, ou seja, ele é responsável por dizer ao corpo quando deve deixar de produzir músculos, acusando o limite saudável ( “myostatin”, onde “myo” significa “músculo” e “statin” significa “stop”/”parar”). Os bovinos Belgian Blue possuem um defeito genético induzido na miostatina, que faz com que seus músculos continuem crescendo além deste limite. É a chamada “dupla musculatura”, uma hipertrofia exagerada dos músculos.

Os Belgian Blue existentes hoje foram criados seletivamente a partir de animais que continham uma cópia deste gene que não funciona. Para assegurar que este gene defeituoso se transmita, é realizado o processo de inseminação artificial.

Segundo edição da revista Super Interessante, “Para um boi, a morte pesa 450 kg. Ao atingir esse peso, o animal é enviado ao matadouro” (edição de junho de 2007, “Como um boi vira bife”). Supondo que isso seja verdade, só a título de comparação, o Belgian Blue costuma pesar mais de uma tonelada.

Se a criação de bovinos para consumo humano já é por si só algo abominável, terrível no que diz respeito à violação total do direito animal – objetificação da vida, a produção de animais Belgian Blue são o paroxismo da ganância e da estupidez humanas.

Os animais sofrem graves consequências pelo aumento desordenado de sua massa muscular. Uma estrutura óssea de um bovino é capaz de suportar o peso convencional da espécie. Ao mais que dobrar esse peso, é fácil imaginar os danos que podem ser causados nos ossos, articulações e órgãos em geral. Mas a indústria da morte não se preocupa com desconforto ou agravos na saúde de suas mercadorias vivas, até porque suas vidas tendem a ser breves.

Boi Belgian Blue. Foto: Singularity Hub
Boi Belgian Blue. Foto: Singularity Hub

Não há muita informação disponível quanto aos efeitos na situação física dos animais. Os textos e artigos que descrevem a espécie, no entanto, citam as dificuldades no nascimento dos filhotes, que precisam nascer por Cesariana. Isso porque as vacas com “dupla musculatura” apresentam estreitamento ou redução na região pélvica, ao mesmo tempo em que vão dar à luz a filhotes com peso e dimensões maiores. Como elas são consideradas “máquinas” de reprodução visando o lucro, vivem com cortes de Cesariana em seus corpos, que não chegam a cicatrizar totalmente antes de serem abertos novamente para remoção de outro filhote.

Vaca explorada para reprodução do Belgian Blue, com cicatriz de Cesariana. Foto: Singularity Hub
Vaca explorada para reprodução do Belgian Blue, com cicatriz de Cesariana. Foto: Singularity Hub

Os animais adultos tornam-se peças que os criadores fazem questão de expor com orgulho. Frequentemente o pelo dos animais é raspado, segundo os agricultores, para “realçar” a sua musculatura aos olhos de quem os vê.

Cercado de tabus e mistérios, o tema da manipulação genética permanece um tanto obscuro e inacessível às populações do mundo, apesar destas já consumirem um grande número de produtos derivados de nada mais do que alimentos geneticamente modificados.   Pelo que as matérias dão conta, por enquanto a criação de bovinos  Belgian Blue é algo restrito – não se pratica a ampla comercialização da carne desses animais atualmente, pois os custos de criação e reprodução são muito elevados. Mas, sem dúvida, a atuação dos cientistas que se ocupam da brincadeira cara e de mau gosto de criar e manipular vidas visa o que a humanidade sempre tem buscado: fazer animais mais produtivamente viáveis, interessantes, saborosos e lucrativos para o consumo humano.

Veja mais sobre os bovinos  Belgian Blue no vídeo a seguir, da National Geographic:

 

Trutas transgênicas

"Mais carne por peixe" é o objetivo da reprodução transgênica. Foto: Cortesia de Terry Bradley para a National Geographic
“Mais carne por peixe” é o objetivo da reprodução transgênica. Foto: Cortesia de Terry Bradley para a National Geographic

Em 2010, foi publicada uma matéria na National Geographic sobre a criação de trutas geneticamente modificadas, resultado de dez anos de experiência de um time liderado por Terry Bradley do Departamento de Ciência Animal e Veterinária da Universidade de Rhode Island.

O time injetou em 20 mil ovos de truta arco-íris diferentes tipos de DNA de outras espécies, fazendo-as transgênicas. O DNA adicionado tinha o propósito de suprimir a miostatina, e aparentemente funcionou em aproximadamente trezentos ovos, transformando-os em peixes com a musculatura exagerada.

Segundo a matéria, a truta transgênica incorporou genes modelados em proteínas encontradas nos bovinos Belgian Blue.

Essa experiência provou que a inibição da miostatina provoca o mesmo efeito em mamíferos e peixes.

“Nossos resultados são bastante impressionantes”, afirmou Bradley em um comunicado. Ele também declarou que os resultados têm implicações significativas para a criação comercial de peixes e que, se regulamentada a reprodução desses animais, isso poderá significar truta mais barata para os consumidores, pois serão produzidos peixes maiores sem que seja necessário alimentá-los mais.

Comentando o fato, o zoologista Fredrik Sundström da Universidade de Gothenburg, na Suécia, disse que a reprodução da truta geneticamente modificada com fins comerciais ainda tem que ser aprovada.

Ele investigou os riscos potenciais e destacou que, se esses animais escaparem para a natureza, serão capazes de sobreviver com menos alimento, e poderão se reproduzir e transmitir seus genes a populações naturais. Por outro lado, eles serão mais suscetíveis a predadores. O cientista também ressaltou que a reprodução desordenada desses peixes pode causar desequilíbrio nos ecossistemas.

Assim caminha a Humanidade

Os animais criados para consumo passam por experiências inimagináveis impingidas pelos humanos que buscam o lucro com a venda de seus corpos – dos quais não se utiliza só a carne mas também a pele, o couro, a gordura e os ossos.

Enquanto vivos, confinados e vivendo vidas miseráveis, engolem “goela abaixo” todo tipo de remédio, drogas e substâncias para que se tornem “mercadorias” mais produtivas, cresçam e engordem mais rápido, e assim tenham uma vida mais curta que exija menos gastos e alimento, gerando retorno financeiro o quanto antes.

Ainda antes de levarem marretadas nas cabeças, tiros, facadas, choques, antes de terem suas gargantas cortadas e serem pendurados para sangrarem até o fim, antes de patinarem no próprio sangue dentro dos matadouros, e terem suas carnes cortadas muitas vezes ainda vivos e conscientes, os bovinos sofrem incontáveis formas de agonia nas mãos humanas.

Estamos passando pela maior seca dos últimos trinta anos em todo o mundo. A produção de um quilo de carne exige 15 mil litros de água. Os bovinos ocupam fazendas que poderiam ser utilizadas para produção de grãos e vegetais para alimentar humanos. Os grãos utilizados em sua alimentação também poderiam saciar a fome humana, que mata diariamente inúmeras pessoas sobretudo em países menos desenvolvidos.

Enquanto isso, ao invés da Humanidade parar de consumir carne, pratica o caminho inverso da evolução, tentando inventar e reproduzir animais com corpos anômalos, com vistas à imensa quantidade de carne e lucro que trarão aos produtores. Anômala, pode-se dizer, é a mentalidade humana e a falta de respeito à vida, não só dos animais não-humanos mas à sua própria.

Apenas alguns dos exemplos de resultado da discrepância produzida pelos humanos se mostram nas fotos a seguir. A primeira, mais uma de um Belgian Blue, um sofredor que tem seu corpo todo hipertrofiado para satisfazer o capricho de alguns, projeto de alimentação humana “do futuro” – se é que este haverá.   Em seguida, fotos de bovinos magros ou mortos na seca, por sinal, no Brasil. Embora a seca esteja ocorrendo no mundo todo, as vítimas da seca no Brasil não têm contingência e ajuda por parte das autoridades e, se as pessoas conseguem de uma forma ou de outra sobreviver e “escapar”, os animais não-humanos – leia-se “mercadorias” ou “coisas”, são deixados a morrer à própria sorte.

É interessante que os grandes veículos de comunicação não publicam fotos da situação destes animais. Elas podem ser encontradas, quando o são, em blogs e veículos menores.

Essa reflexão não é uma ode à criação de animais super musculosos em detrimento dos que morrem de fome e sede. Pelo contrário, trata-se da exposição da enorme capacidade humana em levar os animais não-humanos aos extremos com o único intuito de servir aos seus propósitos mesquinhos. Em outras palavras, da incapacidade dos homens em reconhecer nos animais não-humanos seres que sofrem tremendamente, que sentem dores agudas, que têm necessidades como as nossas e igual direito à vida.

É uma ode, sim, ao fim da exploração de animais para consumo humano, fim este que só vai acontecer quando deixar de haver consumidores, indivíduos que comem carne e consomem produtos derivados de animais. São estas pessoas que patrocinam a criação dos Belgian Blue, assim como a morte dos bovinos nos matadouros de paredes fechadas ou dos que morrem de sede nos terrenos por aí afora.

Exemplar de Belgian Blue. Foto: Blog Conspiraciones1040
Exemplar de Belgian Blue. Foto: Blog Conspiraciones1040
Rebanho de bois magros e doentes de febre aftosa. Foto: DCI
Rebanho de bois magros e doentes de febre aftosa. Foto: DCI
Boi desidratado "pede" água da garrafa de homem em sertão brasileiro. Foto: DF Agora
Boi desidratado “pede” água da garrafa de homem em sertão brasileiro. Foto: DF Agora
Bois mortos ao lado de alguns ainda morrendo de sede e fome no Nordeste, em 2013. Note no que está apoiando a cabeça na perna do homem. Foto: Blog Araripe Informado
Bois mortos ao lado de alguns ainda morrendo de sede e fome no Nordeste, em 2013. Note no que está apoiando a cabeça na perna do homem. Foto: Blog Araripe Informado

 

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