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'Há pessoas a ameaçarem-nos de morte', diz presidente de ONG que resgatou cão em Portugal

9 de agosto de 2013
5 min. de leitura
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Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Entrou em vigor, esta semana, a nova lei sobre cães considerados perigosos em Portugal. Em paralelo, o cão pit bull que mordeu uma criança de 18 meses em Beja, em janeiro, foi entregue pela Justiça ao cuidado da ONG Animal. Por intermédio de uma providência cautelar, a associação de defesa dos animais conseguiu ficar com a guarda do cão Zico e foi buscá-lo ao canil da Resialentejo, no último dia cinco. Enquanto a acção principal, que decidirá se o cão será, ou não, morto, corre no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, Rita Silva, presidente da associação e colunista da ANDA, fala do caso e explica porque decidiram rebatizar o cão com o nome “Mandela”.

Como estava o cão Zico quando o foram buscar ao canil de Beja, a cinco de agosto?

Tresandava a urina e estava muito reativo, o que é normal quando tiramos animais de canis. Levámo-lo ao médico, tomou banho e portou-se lindamente, não foi combativo. Claro que tomou banho com açaime, é um animal que não conhecemos, mas deitava-se no chão para lhe fazermos festas na barriga, estava muito animado.

O que lhe vai acontecer agora?

Vai começar o trabalho com uma educadora, que o vai avaliar e começar a reabilitação, porque esteve muitos meses fechado e precisa de desenvolver técnicas de sociabilização. Não é um animal pouco sociável e isso surpreendeu-nos bastante. Parece ser um cão acostumado a conviver com outros seres humanos e animais.

A escolha do novo nome, que agora é Mandela, é uma forma de apagar o envolvimento do animal na morte da criança?

Nós não sabemos se ele teve envolvimento na morte da criança, porque não está provado. Embora esse estigma vá ficar sempre com ele, a verdade é que isso não está, nem de perto, nem de longe provado. Ainda ontem a veterinária [que consultou o cão] nos dizia que é facílimo ver se as feridas em alguém são causadas por caninos ou não. Um relatório [da autópsia] que menciona que “podem ou não ter sido causadas por caninos” só podia levar à decisão que esta juíza tomou.

O novo nome pretende apagar a vida passada dele. É sempre o que fazemos com os novos animais que vêm para nós. O nome foi Mandela, podia ser Bolinhas. Homenageamos sempre humanos dignos de homenagem ou outros animais que por nós têm passado.

A escolha do nome parece-me não ter sido pacífica por causa do momento que o líder africano está a passar, internado num hospital. Não creio que seja por isso. Tem que ver única e exclusivamente com o facto de as pessoas acharem que este cão é um assassino e que estamos a relacionar um cão horrível com o nome de um indivíduo ligado à Paz.

A defesa do Zico, que a Animal tem feito, tem provocado discussões muito inflamadas, exageradas no tom, nas expressões, muitas vezes de ódio…

Sim, há pessoas a ameaçarem-nos de morte.

Há quem a considere extremista e radical. A Rita vê-se dessa forma?

Se ser extremista é defender até ao extremo aquilo em que se acredita e ser radical é defender de raiz, então pode ser. Não tenho nenhum problema com isso. Se com essas palavras se quer fazer uma qualquer ligação a outro tipo de extremismos, não aceito. O meu trabalho é um trabalho de paz. Quanto ao resto, podem chamar-me o que quiserem.

Porque é que este caso se tornou tão icónico?

Por causa da questão dos animais potencialmente perigosos, da legislação que tem saído, de toda a irresponsabilidade que continua a proliferar no país, em que qualquer pessoa pode ter um cão, pode não cumprir o que a Lei estabelece. Mesmo a legislação que sai é muito pouco eficaz. Tornou-se icónico porque, por uma vez, houve uma discussão à volta de um caso em que alguém – falo da juíza – teve o cuidado de analisar isto com muita prudência à luz do direito e do bom senso.

Como vê as alterações que foram feitas à lei?

Vejo-as como mais perigosas. Uma pessoa embriagada ou sob o efeito de substâncias estupefacientes que esteja a passear um cão potencialmente perigoso pode ser punida, mas se for um cão que não esteja na lista das raças potencialmente perigosas já não faz mal. Isto não faz qualquer sentido. Qualquer animal, como qualquer pessoa, pode ser potencialmente perigoso.

Qual seria a lei ideal?

Nós redigimos, há dois anos, uma nova lei de proteção animal que está para apreciação. É fundamental a criminalização de todo o tipo de maus-tratos animais. A partir do momento em que isto acontecesse acreditamos que teria um efeito pedagógico e faria com que as pessoas tivessem pelo menos mais medo e mais cuidado. O abandono, a omissão de cuidado são ilegais, de facto, são contraordenações, mas ninguém é punido. Toda gente sabe isso e as pessoas podem continuar a fazer o que quiserem.

Mas se a lei fosse mais dura acha que seriam punidos? Continuávamos com o mesmo problema, que era a lei não ser aplicada.

A partir do momento em que se trata de um crime, que pudesse ser punido com pena de prisão, teria um caráter educativo.

O caráter educativo não se consegue mais facilmente com educação em vez da possibilidade de pôr pessoas na prisão?

Defendemos que há duas formas de haver um caráter educativo: uma é através da legislação, outra é o Estado dedicar-se a campanhas de sensibilização. Uma coisa muito importante é a alteração do estatuto jurídico dos animais nos códigos civil e penal. Em países em que os animais têm um estatuto jurídico próprio, não são considerados coisas, há um maior respeito pelas suas características e necessidades. Há já vários anos que se tenta fazer esta alteração, mas sem sucesso. O ministério da Justiça anterior tentou fazer isso, mas com a mudança de governo o processo foi perdido e ninguém sabe onde ele está.

Alguém que queira seguir à risca esta lei terá possibilidades monetárias e condições de habitação para ter um cão perigoso?

É bom que as pessoas percebam que ter um animal implica gastos e não pode ser uma questão de estatuto. Em relação às raças potencialmente perigosas, não só a maior parte das pessoas não faz ideia do que tem de fazer como nem sequer é educada pelas autoridades.

*Esta notícia é original de Portugal e foi mantida em seus padrões linguísticos e ortográficos, em respeito a nossos leitores portugueses

Fonte: Visão

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