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Edição especial sobre o sofrimento na natureza

19 de julho de 2013
4 min. de leitura
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Em 2011, a revista Àgora: Papeles de Filosofia, da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) publicou um número especial dedicado ao exame das questões éticas levantadas pelos danos (sofrimento e morte, por exemplo) padecidos pelos animais não humanos devido aos processos naturais mesmos (e não, como um efeito indireto de práticas humanas).

Agora, a revista se encontra disponível gratuitamente online, e todos os artigos podem ser baixados em formato pdf neste link.

É ótimo que esse material esteja agora disponível porque esse é talvez o tema mais ignorado, mesmo dentro da ética animal e mais ainda dentro do movimento social de defesa animal, apesar de a discussão já ser antiga e ter se iniciado mais sistematicamente com a publicação do artigo Predation, de Steve Sapontzis (a tradução em espanhol pode ser baixada neste link), em 1984. Contudo, temos inícios dessas reflexões já no século XIX, por exemplo, no famoso On Nature, de John Stuart Mill. O problema moral presente consiste no fato de que os processos naturais não apenas danam significativamente os seres sencientes sujeitados a eles, como danam em uma intensidade tal que faz com que quase desapareçam, em termos de proporção os danos causados devido ao uso feito pelos humanos, somando todos os usos em conjunto (incluindo as granjas industriais e o uso para alimentação em geral). Isso é assim independentemente do critério que se utilize para medir a gravidade de uma situação: seja levando em conta o número de mortes, o número de indivíduos em estado de extremo sofrimento, o sofrimento total agregado, a quantidade de sofrimento por indivíduo ou o número de vidas que contém apenas sofrimento extremo desde o momento do nascimento até o momento da morte. Isso se deve principalmente, como aparece mais detalhadamente nos artigos, à altíssima taxa de mortalidade de filhotes por inanição, que por sua vez é fruto da maneira com que operam os mecanismos da seleção natural (devido à predominância da seleção r sobre a seleção K, como melhor explicado nos artigos).

Tradicionalmente, tem-se dado algumas respostas-padrão para tentar se mostrar que não temos obrigação moral de nos preocuparmos com tais danos. Tais respostas envolvem dizer, por exemplo, (1) Porque não temos essa obrigação porque não foram agentes morais que causaram inicialmente o dano; (2) Porque temos um dever de respeito pelos processos naturais que supera os deveres perante aos seres sencientes; (3) Porque nossas obrigações se restringem à danos por ação, e não por omissão (o que implicaria apenas em abolir o uso de animais e nada mais); (4) Que tentar impedir um acontecimento natural é “brincar de deus”; (5) Porque se algo é natural, então temos dever de não intervir (ainda que esse algo seja um mal); (6) Porque temos de respeitar um suposto “equilíbrio natural”; (7) Porque a natureza é sabia; (8) Porque não mantemos uma relação próxima com esses animais, (9) Porque algo se torna bom por ser natural, entre outras respostas, todas discutidas nos artigos.

No artigo que escrevi para a coletânea (bem como no de outros autores também presentes na coletânea), examinamos detalhadamente esses e outros argumentos. Alguns artigos centram-se na questão axiológica (na natureza prevalece o valor ou o desvalor?), enquanto que outros centram-se na questão moral (temos razões para intervir ou não?). Minha conclusão geral é que nenhum dos argumentos contra levar a sério esses danos obtém sucesso e que, sim, não só temos obrigação de nos preocuparmos com esses danos, como também eles deveriam receber uma atenção especial, devido à gravidade da situação. Não vou expor aqui as razões que fizeram com que eu mudasse minha concepção inicial (de não dar lá muita importância a essa questão) e passasse a pensar dessa maneira. Vocês poderão conferir tudo mais detalhadamente nos artigos.

Uma ótima introdução ao assunto, que não está na coletânea, é o artigo do colunista Juliano Zabka, publicado aqui na ANDA.

Uma resenha sobre a edição especial, por Daniel Dorado, pode ser encontrada aqui:

“Una aproximación bibliográfica al problema del mal en la naturaleza“, Revista de Bioética y Derecho, 26, 2012, 55-59.

Eis o índice da edição:

EL SUFRIMIENTO DE LOS ANIMALES EN LA NATURALEZA

Número especial de Ágora: Papeles de Filosofía, vol. 30 (2), 2011

1. Introducción
Oscar Horta

2. God, animals and zombies
Joseph J. Lynch

3. Sobre o bem de tudo e de todos: a conjunção impossível entre ambientalismo e libertação animal
Cátia Faria

4. El sufrimiento animal y la extinción
Angel Longueira Monelos

5. La cuestión del mal natural: bases evolutivas de la prevalencia del desvalor
Oscar Horta

6. De lobos y ovejas: ¿les debemos algo a los animales salvajes?
Mikel Torres Aldave

7. O princípio da beneficência e os animais não-humanos: uma discussão sobre o problema da predação e outros danos naturais
Luciano Carlos Cunha

8. El argumento de la depredación
Charles K. Fink – [Publicado inicialmente como “The Predation Argument”, Between the Species, 13(5), 2005, traducción de Gianella de la Asunción y Daniel Dorado].

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