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Carta aberta a Leonardo Sakamoto

30 de julho de 2013
4 min. de leitura
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Caro Sakamoto,

Curto muito seus artigos, e tenho prazer de estar do mesmo lado que você quando o assunto é Direitos Humanos, emancipação do ser humano, luta contra as injustiças e explorações. Li seu artigo intitulado “Dizer que o consumidor sozinho vai mudar o mundo é uma besteira”, publicado no último 29 de julho. Gostei muito dele, porém só não gostei ainda mais porque senti um angustiante vácuo, uma séria lacuna no discurso ali presente: as ausências totais do problema da exploração animal e, por tabela, do veganismo enquanto misto de boicote e ativismo por um consumo responsável, consciente e pró-emancipatório.

Seu texto se dedicou integralmente a mostrar que os problemas de exploração trabalhista e destruição ambiental empreendidas direta ou indiretamente pelas empresas que nos vendem seus produtos. Com maestria, você abordou que não basta boicotar, é preciso também pressionar as empresas e denunciar seus eventuais abusos éticos em relação às questões trabalhistas e ambientais. E eu o apoio integralmente nesse sentido.

Mas, como falei, houve nele um incômodo silêncio em relação às empresas que lucram às custas da escravização, tortura e assassinato de animais não humanos. Tal incômodo se agrava quando lembro que muitas dessas mesmas corporações também são envolvidas com o desrespeito aos Direitos Humanos e ao meio ambiente.

Ao contrário do que seu texto expõe, não existem “apenas” duas explorações – do ser humano e do ambiente não humano –, mas sim três, entre elas a dos animais de outras espécies.

Diariamente milhares ou milhões de animais são tratados como objetos, torturados, esfolados, violentamente mortos por empresas que não estão nem aí para a ética. Isso acontece corriqueiramente nos laboratórios onde ingredientes e produtos completos passam por testes de segurança, nos quais animais de diversas espécies, principalmente roedores como coelhos, camundongos e porquinhos-da-índia, são vítimas de testes muito cruéis como os de irritação ocular, teratogênese (deformações fetais), toxicidade, irritação cutânea, DL-50, entre tantos outros.

Exploração e morte também são tidos em alta conta, como se nenhum mal fizessem contra seres inocentes, nas fazendas pecuárias e granjas, onde diariamente milhares ou mesmo milhões de animais como bovinos, galináceos, porcos, caprinos e peixes são roubados de suas mães, mutilados, confinados e assassinados. São tratados como não muito mais do que objetos inanimados ou autômatos, como propriedade de pecuaristas, para que, no final de tudo, seres humanos pratiquem o desnecessário consumo de alimentos e outros produtos de origem animal.

E, claro, também existe a matança, geralmente de formas extremamente cruéis, de animais que têm suas peles arrancadas de seus corpos em prol da produção de casacos, estolas, bolsas, calçados, cintos etc. de pele natural, incluindo couros. Isso sem falar da produção também de seda, lã, casemira, camurça etc. que também envolvem a escravidão de animais.

Os animais não humanos se igualam aos trabalhadores humanos e ao meio ambiente: são essencialmente sujeitos de direito, porém historicamente tratados como objetos de exploração. Mas esse detalhe ficou completamente ausente de seu texto. A ausência foi tanta que, mesmo quando você disse que passou algum tempo sem consumir carne vermelha, a situação dos animais não foi levada em consideração. Tanto que você voltou a comer bois “quando pode comprar mais facilmente carne sabendo a origem”.

E o ideal seria parar definitivamente de comer não só carnes vermelhas, mas também carnes brancas, laticínios, ovos, mel, gelatina, couro, lã, sebo bovino (que vem na maioria dos sabonetes) e tudo o mais que envolva exploração e morte de animais. Além de todos aqueles produtos que vêm de empresas que realizam ou subsidiam testes em animais e podem ser boicotados. Isso se chama veganismo e demanda das empresas uma postura ética ainda mais profunda do que melhorar as condições dos objetos de exploração: exige que os animais deixem de ser vistos como coisas, como seres livremente exploráveis e matáveis.

O veganismo se completa com a postura de pressionar as empresas por respeito às leis trabalhistas e ambientais.  E tudo, tudo mesmo, que seu texto fala se aplica também à consciência vegana de consumo e ativismo.

Portanto, caro Sakamoto, fica aqui a recomendação: lembre-se dos animais não humanos quando for falar de ética no consumo e ativismo pela libertação. Porque eles precisam tanto ser libertados da exploração quanto os trabalhadores e o meio ambiente. Você poderá começar essa inclusão começando, desde já, a procurar saber mais sobre os Direitos Animais e o veganismo e, consequentemente, banindo de sua lista de compras qualquer alimento de origem animal e produto com ingrediente(s) que também venha(m) de animais explorados em vida e/ou mortos.

Incluindo os animais em sua demanda por ética e libertação, aí sim seu discurso se tornará realmente completo e desprovido de lacunas sufocantes como no seu mencionado texto. Porque libertação animal, humana e da Terra andam de mãos dadas e dependem essencialmente uma da outra.

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