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Por que eu não gosto de Terráqueos

17 de julho de 2013
4 min. de leitura
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Hoje falaremos sobre um filme caro e inquestionável para muitos. É inegável, Terráqueos é um grande filme. Considerado o filme “vegan maker” de todos os tempos, Terráqueos é a referência para muitos. Não nego, Terráqueos tem poder.

O filme explora todos os aspectos do uso de animais pela humanidade, não tem piedade da gente, não evita cenas chocantes, apela para a sensibilidade, não há quem não chore, não há coração tão duro que não se emocione diante das imagens, e do texto na voz Joaquim Phoenix.

Terráqueos é gratuito, não preciso locar, pagar, pegar ônibus, estacionar o carro, enfrentar filas, vejo no Youtube, compartilho com amigos, copio, distribuo. Tudo de graça. Também não preciso encará-lo de uma vez só, em uma sala escura e tela gigante, vejo dividido por temas em partes didáticas, eu escolho o que ver, se não gostei, passo pro próximo hit do Youtube. Mas quando eu pesquisar novamente sobre diretos animais, ele estará lá me esperando. Terráqueos é o filme!

Mas diante de tantas coisas positivas, por que eu não gosto de Terráqueos? Por que Terráqueos é um filme que, essencialmente, choca pela imagem da violência. Ao abusar de imagens de sofrimento, de dor, e de sadismo contra quem não pode nem se defender, o filme nos leva imediatamente para o problema do abuso. E o problema é o abuso? O problema está no fato de que o tratamento dispensado aos animais na indústria não é “humanitário” o bastante? Se não houver sadismo, se explorarmos os animais de forma gentil, e se os matarmos com carinho, estaremos então de consciência tranquila?

O filme também carrega o peso da incredulidade. A imagem da ação violenta no filme é tão absurda que chega a ser fácil duvidar da sua veracidade. E ainda que acreditemos, não é igualmente mais fácil crer que tal violência seja a exceção e não a regra? Não foi apenas uma vez que ouvi pessoas afirmando diante do filme: “Imagina, isso é antigo, as coisas não são mais assim. Hoje, os animais são bem tratados!”. Como discordar? A indústria, com a ajuda de organizações bem-estaristas e dos canais de comunicação de massa, tem sido bastante contundentes ao espalhar essa mensagem.

Outro ponto é a natureza das imagens. As cenas de Terráqueos são precárias, feitas com câmeras escondidas, muitas delas filmadas em culturas distantes da nossa realidade, imagens tremidas e escuras. Não estou apontado que a imagem precária é necessariamente inverossímil, aponto que somos sistematicamente treinados para ver verossimilhança nas imagens assépticas, brilhantes, na qualidade HD, nos sons límpidos, e tomadas planejadas da televisão e dos filmes da grande mídia.

Terráqueos tem seu valor, é um excelente filme para despertar, mas não podemos parar nele se estamos perseguindo a abolição do uso de animais. Uma hora de imagens violentas teve poder imediato sobre meus hábitos, mas um pequeno trecho de um livro do Francione me fez entender muito mais sobre o problema da violência contra os animais. Na dedicatória de Introduction to Animal Rights (1) ele fala sobre Bonnie Beale: “E a todos os meus companheiros animais, que me ensinaram tanto sobre o significado da moralidade, e em particular a Bonnie Beale, uma cachorrinha branca e peluda que foi deliberadamente atropelada por um carro ao tentar atravessar uma rua movimentada tarde da noite, em fevereiro de 1998. Quando a encontramos, ela estava desidratada e faminta. Zarpamos na calada da noite para o consultório do Dr. Bruce e ele tratou de seus ferimentos. Ela parece ser meio velha; é aleijada de uma perna; é surda; enxerga mal; e tem um tumor no pulmão que a Dra. Ann fez entrar em remissão. Bonnie adora passear de carro, correr pelo quintal, ficar no nosso colo por períodos infindáveis de tempo e dormir aconchegada sob o meu queixo ou ao ombro de Anna. Com sua dieta vegana, especialmente com os biscoitos caseiros de Anna, ela passou de menos de quatro quilos para mais de sete, e tem mais personalidade por grama do que qualquer pessoa que já encontrei. Seu retrato está na capa [edição original], e não tenho a menor dúvida de que ela seja uma pessoa, um membro da comunidade moral que tem o direito de não ser tratado como uma coisa. Ela é um ser com valor inerente. Eu a amo desesperadamente”.

Muitas pessoas nos acusam de chatos, radicais, de “teóricos da conspiração” quando buscamos algum rigor no pensamento, e principalmente, quando criticamos os cânones erguidos do movimento animalista, como Terráqueos, por exemplo. Ficar na superfície não vai levar à abolição, o especismo não está nas bordas, é preciso mergulhar, inclusive dentro de si.

(1) Trecho retirado do livro Introdução aos direitos animais: seu filho ou o cachorro? / Gary L. Francione; tradutora: Regina Rheda. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013, p. 5. Previsão de lançamento setembro de 2013.

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