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Humanos entre paramécios e cebolas

20 de junho de 2013
2 min. de leitura
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Mesmo ciente de que o especismo impera, fico impressionada com as suas manifestações no cotidiano escolar. Em todas as turmas em que trabalho a disciplina de ciências, surge a dificuldade em reconhecer de imediato que nós, humanos, fazemos parte do Reino Animalia.

A discussão sobre a célula como unidade fundamental da vida é um conteúdo abstrato se não partimos para a sua visualização direta. Nas turmas de 7º ano, observamos células nossas, de mucosa bucal, preparadas a fresco (na hora), células de epiderme de cebola e protozoários do gênero Paramecium. Como parte do relatório, solicitei que o pessoal fizesse um esquema sobre a célula animal observada, além das demais, e eis que nesse momento o especismo nosso de cada dia se manifesta novamente, de forma tão primária que me impressiona, mais uma vez. A dificuldade de muitos em reconhecer, entre esses três tipos celulares: humano, paramécio e cebola, qual deles é animal! Perguntei: “paramécios são animais?”, “cebolas são animais?”.

Como não sou de passar respostas prontas, problematizei o que pude com as crianças e a dúvida ficou suspensa no ar. Deixei que eles elaborassem o relatório em duplas, para gerar mais discussão. Alguns indagaram, após muita problematização: “mas, professora, nós somos animais?” Lembrei-me de um comentário de Leon Denis no facebook sobre isso, ao trabalhar com os estudantes mais velhos, do ensino médio. Outros completaram: “sim, nós somos animais, mas somos racionais!” Comecei a gostar, pois mesmo sem citar a palavra “especismo” pude mostrar ao pessoal o absurdo dessa dúvida: entre paramécios e cebolas, nem assim humanos são reconhecidos como animais. Somente após essas discussões que as crianças retomaram seus relatórios, indicando quem é quem nessa história. Isso porque já discutimos os grandes reinos de seres vivos de forma geral, por isso não consigo relacionar essa dúvida diretamente à falta de conteúdo, e sim ao processo de desanimalização humana, que sofremos desde o seio familiar até a escola, dentre outros meios sociais.

Estes questionamentos não ocorreram no caso dos vegetais, reino tão conhecido como o dos animais. Cebola é vegetal, ninguém duvida disso em sala, mas se colocarmos um ser humano no meio, tudo fica mais confuso para os estudantes moldados no especismo. São esses momentos pedagógicos que apresentam o potencial de iluminar consciências, mesmo num sistema escolar que nos sufoca de todos os lados, com estudantes carregados de cultura de violência, confinados em sala de aula como os animais que negamos ser. A humanidade tem negado sua animalidade. Portanto, podemos ser confundidos com paramécios ou cebolas por um bom tempo, pois não nos reconhecemos mais como animais. Haja persistência abolicionista vegana.

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