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Empresária luta para abrir espaço aos cosméticos verdes no Brasil

6 de junho de 2013
4 min. de leitura
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Enquanto funcionários do escritório espalham seus tapetinhos para uma sessão de ioga antes de pegar no batente, operários da Surya Brasil começam a ocupar os postos na linha de produção, após seu café da manhã vegano.

As cenas são parte da rotina da empresa de cosméticos naturais criada em 1995 pela brasileira Clélia Angelon. Hoje a marca exporta produtos com o selo de “orgânicos e veganos” para 32 países.

“Para alguns, sustentabilidade é só estratégia de marketing. Para nós, é questão de sobrevivência do planeta, do indivíduo e do negócio”, diz. A Surya é pioneira em um mercado que cresce sem regulamentação no país. Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), não existem “cosméticos orgânicos” aqui, uma vez que esses produtos seguem normas da produção industrial.

A empresaria Clélia Angelon, presidente e fundadora da Surya Brasil, na sede da empresa, em Sao Paulo (Foto: Divulgação)
A empresaria Clélia Angelon, presidente e fundadora da Surya Brasil, na sede da empresa, em Sao Paulo
(Foto: Divulgação)

A hena em pó e em creme para colorir os cabelos, carro-chefe da Surya, leva na embalagem o carimbo da Ecocert, instituição francesa que certifica produtos orgânicos em todo o mundo.

Mas a Anvisa diz ser “impossível fabricar um cosmético com 95% de ingredientes cultivados ‘organicamente’, pois não terá durabilidade”.

Como a fabricação em larga escala exige conservantes, a agência questiona a existência de cosméticos orgânicos e informa que produtos desse tipo são irregulares.

A farmacêutica da Surya, Mônica Batistela, rebate: “O certificado Ecocert é garantia de que os produtos são feitos de matérias-primas orgânicas e naturais e que todos os processos foram validados”. A questão está sendo discutida entre a Vigilância Sanitária, o Ministério da Agricultura e o setor produtivo.

No mês passado, a Surya e seus fornecedores passaram por vistoria da Ecocert. “Tudo é controlado, desde o tipo de solo até o cultivo de cada produto”, diz a farmacêutica. “A certificação é cara e trabalhosa”, afirma Clélia.

Ela também obteve o selo da Cosmebio, associação que distingue cosméticos ecológicos da França. “Contratei uma consultoria para conseguir. Muita coisa foi no erro e acerto.”

Uma funcionária apontou um escorregão que poderia ser fatal para uma empresa que se diz vegana: o uso de cochonilha, corante popular na indústria. “Não sabia que era extraído de asa de um inseto”, relata Clélia.

Ela conta ter jogado fora um carregamento do corante e milhares de itens já fabricados. O prejuízo de imagem seria maior, já que a Surya exibe o selo “cruelty-free”, da Peta, ONG de defesa dos direitos dos animais, assumindo não usar ingredientes de origem animal nem testar produtos em bichos.

Fixação pela Índia

Nascida no fundo do quintal, a Surya ocupa hoje um galpão de 2.600 m² em Guarulhos, Grande São Paulo. Dos 400 mil itens produzidos por mês pela marca, 50% são exportados. O Brasil é o maior mercado, seguido de EUA, Japão e França.

O primeiro desafio foi a conquista da América. Clélia deixou a filha cuidando do negócio no Brasil e se mudou para Nova York. “Lá, eu era vendedora, televendas e carregadora de caixa.”

A empresária quase apanhou numa loja natural, tentando vender um xampu que tinha parabeno na fórmula. “Você é mentirosa”, disse a cliente xiita. A bronca teve efeito. A substância controversa foi banida dos produtos e substituída por conservantes menos agressivos. “Quem não for verdadeiro não sobrevive no mundo natural”, diz Clélia. Cita Gandhi: “A mentira nasceu morta”.

A Índia é fixação antiga. A passagem para o Oriente veio com o casamento, aos 22 anos, com um indiano que conheceu em Londres.

O casamento durou pouco, mas a paixão pelo país persiste. Fez mais de 40 viagens à Índia. “É carma”, diz. Se fosse indiana, Clélia acredita que pertenceria à casta dos guerreiros e à dos comerciantes. “Gosto de lutar.”

A última batalha foi contra a falência, em 2010. Foi quando ela afastou os sócios e retomou o controle do negócio. É uma volta às origens. No início, com filhos para criar, divorciada e sem capital, vendeu um terreno e investiu em saias indianas.

Convenceu um amigo a importar 10 mil peças. “Penso alto e caio alto também.” Vendeu tudo em menos de uma semana. Cada saia custou U$ 2 na Índia. Aqui, foram vendidas a US$ 22 a unidade. “O lucro foi de meio milhão de dólares em quatro meses.”

O dinheiro foi investido na primeira linha de cosmético da Surya, com matéria-prima importada da Índia: a hena.

Hoje, depois da crise que poderia ter sido o fim da marca, a empresária faz planos de expansão para 2014. Pretende produzir nos EUA e abrir franquias do SPA da marca, que funciona na Vila Mariana, em São Paulo. É lá que Clélia testa serviços que oferece às clientes: de massagem facial com frutas orgânicas a criações de um chef vegetariano.

Essa paulistana de 64 anos, 50 kg e 1,60 m está treinando para um campeonato de zouk, em setembro. “Quando danço, esqueço os problemas. É quase uma meditação.”, diz. Na sua visão “holística”, o desafio é manter o corpo e o negócio saudáveis.

Fonte: Folha de S. Paulo

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