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O 7° Congresso Mundial de Educação Ambiental e os animais

26 de junho de 2013
6 min. de leitura
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Por Maria Castellano (da Redação)

Na semana passada voltei de Marrakech, Marrocos, onde aconteceu o 7° Congresso Mundial de Educação Ambiental (WEEC, na sigla em inglês), entre os dias 9 e 14 de junho, 2013.

Fui para lá com o olhar atento – esperançoso, eu diria – por encontrar trabalhos que fizessem a interface entre a educação ambiental (EA) e questões animais – que não fossem meramente no sentido de conservação da biodiversidade. Afinal, era um congresso mundial. Nos últimos seis meses tenho tido contato com alguns pesquisadores (na América do Norte) que estão fazendo essa conexão e achei que isso pudesse estar se tornando uma tendência mundial.

Olhei todos os pôsteres, um por um, e ali não encontrei nada. Não consegui ver a lista de todos os trabalhos orais que estavam sendo apresentados – eram centenas, a programação não estava impressa e era necessário acessar um por um através do website – mas olhei uma grande parte deles, em busca de temas que fizessem a conexão. Encontrei três trabalhos. Um apresentado por uma pessoa da Inglaterra e, para minha surpresa, os outros dois eram do Brasil (!): um de uma professora da UnB, questionando a ética de se comer animais, e o meu próprio (escrito com um colega), sobre a criação de pedagogias dialógicas para se abordar a questão do abolicionismo animal. Não sei se nas edições anteriores houve algum. Talvez estes 3 trabalhos até representem um incremento do tema dentro da EA. Mesmo assim, pelo tamanho do Congresso, em termos proporcionais isto ainda é muito pouco. Os animais continuam praticamente ausentes nesse campo.

Enquanto isso, nas ruas de Marrakesh… os animais estão por todos os lados. Carruagens puxadas por cavalos estavam disponíveis em todos os cantos para levar os turistas em meio ao tráfego caótico da cidade. Macacos presos por coleiras e serpentes “enfeitiçadas” eram praticamente arremessados sobre os turistas para que estes pagassem pelas fotos com os animais. Lagartos vivos sendo utilizados como se fossem marionetes em um show onde o “artista” gritava e sacudia o animal. Tudo isso voltado aos turistas.

Além disso, havia filhotes de tartaruga em pequenas caixas à venda (não entendi se o mercado potencial eram as pessoas locais ou algum turista que acharia brilhante a ideia de comprar uma tartaruga no Marrocos e levá-la sabe-se lá para onde). Pequenos burricos puxando cargas imensas com mais de um metro e meio de altura de tijolos, mais dois ou três animais humanos sentados em cima. O burro mal podia caminhar.  Há também os gatos. Gatos nas ruas, por todos os lados, gatas prenhas, ninhadas de gatinhos de todas as idades, cores e estados de saúde, soltos por todos os lugares.

Saindo um pouquinho da cidade, uma infinitude de camelos à disposição dos turistas para todo tipo de aventura – super “autêntica”, com direito a vestir roupa de nômade e tudo. Quando não estão em serviço, os camelos ficam amarrados por uma pata, com cordinhas de cerca de 40cm, sob o sol, enquanto seus donos (entendo que estes não são tutores, mas donos mesmo) descansam sob uma sombra ao lado. Vi vários deles puxando a pata desesperadamente, tentando sair dali, e sendo plenamente ignorados pelos humanos que deveriam ser responsáveis por eles.

Tudo isso sob um calor de 42°C (e me disseram que em julho e agosto pode chegar a 54°C). Os gatos, pelo menos, em geral tinham alguma liberdade para buscar sombra e água. Já os demais estavam presos, à mercê de pessoas que não se preocupavam em tentar oferecer sombra ou água fresca, nem em aliviar outras várias formas evidentes de desconforto que os animais demonstravam (pelo menos foi a impressão que tive, e eu estava observando as situações com atenção. Vi situações, por exemplo, em que 3 metros à frente havia uma sombra que poderia aliviar os cavalos do calor escaldante mas os donos os mantinham sob o sol).

E os turistas continuam comprando – o serviço dos camelos, dos cavalos, das cobras, dos macacos. Inclusive, muitos educadores ambientais que estavam na conferência. Eu me pergunto onde está a dificuldade em se fazer a conexão – será ingenuidade, falta do tema ter sido provocado para reflexão? Será descaso? Os argumentos que ouvi foram os que comumente vêm à tona nestas situações: que há muitos problemas sociais, que aquela é a forma de sustento deles, que há também as questões culturais. Sem dúvida, há problemas sociais. Mas…sério, gente? Esse é o tipo de solução que estamos apoiando? Vamos continuar votando (neste caso, com nosso dinheiro) em soluções simplistas e opressivas para aliviar os problemas sociais? (E este alívio é possivelmente ilusório, porque não creio que o sofrimento desses animais mude substancialmente a realidade daquelas comunidades). É assim que seguimos justificando a opressão? Então seria justificável sugerirmos também a uma dessas comunidades que subjugue a comunidade vizinha para aliviar sua pobreza? É claro que as soluções não são fáceis nem rápidas, mas acho que necessitamos urgentemente provocar novas formas de pensar e de buscar soluções para essas realidades.

Enfim, acho que ainda temos muito que avançar dentro da educação ambiental se realmente quisermos falar de respeito à vida, de justiça social, de cultura de paz e de sustentabilidade. Aliás, dentro da conferência, a questão do modelo de produção alimentar praticamente não foi tocada – certamente não o foi por nenhum dos representantes de organismos internacionais que falaram na plenária de abertura. Até falaram, sim, de segurança alimentar, mas não tocaram na questão da insustentabilidade e violência que vem com o pacote do modelo alimentar carnívoro. Isso quando os próprios relatórios de algumas dessas agências, como a FAO, trazem dados que constatam que a produção de carne está entre o segundo e o terceiro mais grave problema ambiental da atualidade! Para mim, o silêncio em relação a isso num congresso mundial de EA é, no mínimo, intrigante.

Mas – e ainda bem que há um “mas”! – o “praticamente” foi incluído no parágrafo anterior porque Vandana Shiva, no dia do encerramento do congresso, tocou no assunto – não apenas falando dos Organismos Geneticamente Modificados, dos monopólios das sementes, etc., mas também questionou a produção de carne ao referir-se a ela como “máquinas de tortura” (ou “sistemas de tortura”, infelizmente não pude gravar a fala para checar qual foi a expressão exata). Agradeço a ela por quebrar, em vários momentos de sua fala, a mesmice pré-cozida que vem nas falas dos representantes de organismos internacionais.

Apesar disso tudo, fiquei pensando também que eu poderia ser otimista. Como eu disse acima, talvez na edição anterior deste congresso, ao invés de 3 trabalhos, não houvesse nenhum fazendo algum tipo de conexão entre EA e questões animais sob uma perspectiva não exclusivamente conservacionista. Não sei se devo me alegrar, mas gostaria de ser pró-ativa. O que pode ser feito pelos animais em Marrocos?

Sei do risco, com este texto, de ser considerada elitista, colonialista, racista, ou qualquer outro adjetivo que faça crer que não estou levando em consideração a realidade social do país. O que não é verdade. Aliás, países que praticamente não têm problemas sociais também seguem apresentando, e muitas vezes apoiando oficialmente (com subsídios governamentais) questões altamente problemáticas para os animais. Mas não vou entrar nesse assunto hoje. Hoje meus pensamentos estão no que vi em Marrocos, e em como podemos ajudar. Sei que o ativismo pela causa animal não é privilégio dos ocidentais, como alguns pensam, e que existem organizações e ativistas independentes espalhados por todo o mundo – no Egito, na China, na India, na África do Sul. Alguém conhece alguma ou alguém em Marrocos?

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