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Por que a esquerda libertária precisa abraçar os Direitos Animais (Parte 2 de 3)

23 de junho de 2013
6 min. de leitura
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Abaixo prosseguem as treze razões que fazem os Direitos Animais serem uma bandeira a ser sacudida pela esquerda.

5. Os DA defendem um sistema educacional libertário baseado no incentivo ao pensamento antidogmático e ao questionamento das injustiças e preconceitos

A esquerda moderna, pelo menos desde Paulo Freire, defende uma ou mais formas de pedagogia libertária, que incite os alunos a serem livres pensadores dotados de forte senso crítico, terem aversão a dogmas e encararem ideologias com questionamento e ceticismo. O livre pensar, o antidogmatismo, o questionamento de uma ordem injusta, tudo isso é encorajado no esquerdismo como uma maneira de se opor ao conservadorismo e mudar a sociedade para uma ordem de igualdade e justiça social.

E os Direitos Animais fazem exatamente tudo isso. A oposição aos dogmas e preconceitos do antropocentrismo, do especismo e do carnismo, tal como a luta contra essa tríplice ideologia, é estimulada pelo incentivo a esses mesmos comportamentos. A educação vegana é defendida como algo que questiona, que enfrenta, que muda, que não se conforma com um status quo baseado em escravidão, hierarquização moral e violência, tampouco com as “verdades” ideológicas por ele reproduzidas.

 

6. Os DA são contra hierarquias morais e sociais que justificam exploração de sujeitos vulneráveis

Desde o começo da chamada modernidade, os movimentos de esquerda vêm contestando hierarquias morais e sociais arbitrariamente mantidas pelo capitalismo e por outras formas de estratificação social. A hierarquização de uma sociedade em estratos, sejam eles castas, estamentos ou classes, acaba legitimando ideologicamente discriminações, opressões e violências, podendo fazê-las se manifestar até sob a forma de assassinatos, e isso é combatido pelo ideário esquerdista.

Vale lembrar, porém, que essa proposta de acabar com a estratificação classista em alguns momentos da História foi abandonada por regimes socialistas autoritários, os quais impuseram uma nova hierarquização ao longo do século 20. Estatizaram a economia e acabaram com a hierarquia de classes mas criaram uma nova estratificação, com os burocratas a serviço do partido único no alto e os governados na larga base.

E os Direitos Animais também são contra a hierarquia especista, que coloca seres humanos no topo e as demais espécies animais em camadas inferiores diferentes ao longo de uma pirâmide de consideração moral. E assim como no caso da defesa da sociedade sem meios de produção privados, qualquer tentativa de substituir uma hierarquização por outra caracteriza corrupção da ideologia libertária original – como parece estar sendo esboçado por pessoas que dizem “preferir bicho a gente” e defendem a violência contra humanos como forma de punir os responsáveis diretos pela exploração animal.

No mais, a hierarquia social capitalista e a pirâmide moral especista acabam tendo a mesma essência de colocar alguns como “melhores” ou “mais merecedores” que outros e assim construir uma relação arbitrária de poder em que os dominados perdem muito, inclusive a vida, e os dominadores saem ganhando. E é essa essência de desigualdade que tanto a esquerda como os DA visam combater.

 

7. Os DA são gêmeos fraternos dos Direitos Humanos

Os Direitos Animais têm muito em comum com os DH, pelo menos em se tratando de direitos fundamentais de que os sujeitos morais defendidos podem usufruir. O abolicionismo compartilha com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, substituindo-se “pessoa(s)” por “ser(es) senciente(s)” ou “sujeito(s) de direito”, os artigos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII. E a defesa dos DH tem a mesma base ética da dos DA.

Portanto, sendo o zelo pelos DH uma característica essencial da esquerda libertária contemporânea, nada impede que o abolicionismo também seja assimilado, pelos mesmos motivos básicos, por ela.

 

8. A libertação animal também implica libertação humana, em todos os sentidos

Libertar os animais é, direta e literalmente, libertar também seres humanos. Tanto porque estes também são animais como porque a exploração e opressão animal também implica explorá-los e oprimi-los.

A pecuária, não basta ela tratar animais vertebrados como coisas, como também submete pessoas a trabalho escravo em fazendas de gado, assim como a produção secundária de carne costuma impor um regime trabalhista de semiescravidão, com direito a pesados e irreversíveis danos à saúde dos trabalhadores e negação de assistência médica, em matadouros, empresas frigoríficas e redes de fast-food. Já muitos dos latifúndios de gado e de forragem animal (soja, milho, sorgo etc.) intimidam, ameaçam, expulsam da terra e matam pequenos agricultores e povos indígenas, sob vistas grossas ou até mesmo com o auxílio mancomunado das autoridades policiais e judiciárias.

E tem também a concentração de renda e de terra imposta também pelo tentáculo especista do capitalismo, além do desvio de uma enorme parcela da produção de grãos, que poderiam servir para alimentar os humanos, inclusive os muito pobres, para a alimentação de animais que serão mortos pela pecuária.

Os resultados desses aspectos, combinados com outros problemas capitalistas, são a perpetuação da fome e da subnutrição entre os mais pobres; a carestia daqueles alimentos vegetais que, por causa da pecuária, não estão disponíveis a uma oferta maior; a miséria no campo; o êxodo rural daqueles que foram expulsos de suas terras; a violência no campo; a corrupção de órgãos judiciários em regiões economicamente dependentes do latifúndio; a pobreza dos trabalhadores explorados pelo agronegócio e pelo empresariado ligado à carne, aos ovos e ao leite; entre outros.

A esquerda, nesse sentido, tem como bandeiras a luta sindical-trabalhista, a abolição da agroindústria privada, a reforma agrária radical e os direitos indígenas e camponeses. Só falta aí incluir o combate a uma das raízes axiais dos problemas mencionados mais acima: a exploração animal, o tratamento de animais como instrumentos de produção. Nisso os DA entram para completá-la.

Outro aspecto da ligação carnal entre as duas libertações é a intenção do abolicionismo, também compartilhada com o esquerdismo, de libertar a humanidade, pela já citada educação politizada e antidogmática, dos preconceitos, costumes, valores e relações de poder baseados na desigualdade moral e na exploração dos mais vulneráveis. Livrada da ignorância especista e classista, assim como do racismo, do machismo, da xenofobia, da homofobia etc., a espécie humana também se liberta da condição de opressora e dependente da exploração animal humana e não humana.

 

9. Os DA têm uma nêmese conservadora: o carnismo especista e antropocêntrico

Para quem diz que os Direitos Animais são uma causa “conservadora”, a realidade é exatamente o contrário. Eles são oposicionados justamente por uma forma de conservadorismo reacionário: a tríplice ideologia carnista, especista e antropocêntrica, que defende, ora implícita ora explicitamente, a exploração, matança comercial e consumo de animais e, no caso do carnismo, tenta combater o vegano-abolicionismo.

E essa ideologia é sustentada por pessoas interessadas, cultural e/ou economicamente, na continuidade e perpetuação da escravidão animal e da desigualdade moral que a legitima. Da mesma forma, é alimentada pelas escolas e pela mídia, como se, por exemplo, explorar e matar animais em fazendas e matadouros e comer carne fossem algo normal, eticamente aceitável e essencial para a vida humana.

É uma situação muito semelhante ao capitalismo e à divisão do trabalho a ele inerente, resguardados pela ideologia dominante, por sua vez patrocinada e perpetuada nas escolas e nos meios de comunicação por pessoas tanto acostumadas a ela como diretamente interessadas pela sua eternização.

Assim como a esquerda libertária sofre a oposição da direita conservadora, o abolicionismo animal tem como sua nêmese o carnismo especista. E tanto o esquerdismo como os DA vivem numa situação permanente de conflito entre libertadores que querem mudar a realidade e conservadores que querem mantê-la como está.

 

O artigo continua na sua terceira e última parte

 

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