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O reino de Alejandra

7 de março de 2012
5 min. de leitura
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(Foto: Divulgação)

É difícil entender como os macacos bugios, tão conhecidos por nós na Mata Atlântica, chegam tão ao sul, nas Serras de Córdoba, na Argentina. Porém, no Centro de Primatologia, localizado a pouco mais de 100 km da cidade de Córdoba, 11 grupos de bugios da espécie Alouatta caraya vivem soltos. No total são 140 macacos, mais conhecidos no país irmão como nossos aulladores.

Aquele é o “Reino de Alejandra Juarez”, uma professora de História, que 30 anos atrás entrou no Zoológico de Córdoba para fazer sua tese sobre a história do mesmo, como uma peça acadêmica, e  ficou lá durante 20 anos, convertendo-se numa observadora e tratadora privilegiada de uma ampla gama de animais que por lá passou –  e a maioria não resistiu.

Alejandra se envolveu com leões, tigres, pumas e, claro, com chimpanzés. Os felinos encheram seus olhos de lágrimas inúmeras vezes e angustiaram o seu coração, por não poder arrancá-los daquele lugar macabro e levá-los ao seu Reino.

Ela conseguiu os felinos para o zoológico de mãos de traficantes e de circos, os levou para o zoológico, onde ela passava mais de 12 horas por dia para salvá-los de uma morte segura, mas não sabia que a morte lá também os espreitava.

Quando o zoológico fechava para o público diariamente e os empregados iam embora, Alejandra ficava, aí fazia a festa dos animais, que a amavam. Brincava com os leões, com os pumas, com os tigres e todos os macacos. Ela levou alguns sustos, assim como algumas feridas marcam seu corpo. Algumas conseqüências inesperadas poderiam ser esperadas ao se brincar com três tigres adultos, ou com uma leoa que a amava.

Sílvio era um chimpanzé lindo, que morava há anos no zoológico. Ela desenvolveu uma amizade extraordinária com ele, com quem passava algumas horas do dia brincando e fazendo caretas. Silvio tinha uma companheira, que, como é natural, deveria ter ciúme da relação de uma mulher humana com seu companheiro de prisão. Um dia ela escapou, o zoo foi fechado e todos os tratadores rodearam sua jaula, para tentar pegá-la, e ninguém se arriscava. Apesar do ciúme, Alejandra subiu no teto da jaula onde ela estava, sentou ao seu lado e foi abraçada inesperadamente. Com a ajuda de Silvio, que esperava o desfeito da fuga com ansiedade, Alejandra a convenceu a descer e entrar de novo na prisão.

Alejandra nos contou estas dezenas de experiências na visita que nos fez no Santuário do GAP em Sorocaba, onde está descobrindo uma forma de tratar decentemente os iguais a Silvio.

Alejandra saiu do zoológico após 20 anos. O zoológico era estatal e mais tarde foi privatizado, mas as mazelas causadas por um zoológico continuaram, como na maioria dos mais de 14 zoológicos que existem naquele país irmão.

Um dia um Caraya lhe foi entregue e ela já estava de malas prontas para o campo (como ela chama a vida fora das cidades).  Não conseguiu levar sua leoa nem seus tigres, os quais foram envenenados no zoo antes de partir. Porém, levou o Caraya, que foi o nascimento de um projeto que deve ser um orgulho para todos que defendem a vida em liberdade de todos os animais (www.proyectocaraya.com.ar )

Alejandra têm duas filhas de um relacionamento passado, duas moças de 17 e 15 anos, que moram com ela e a ajudam também a tocar seu Projeto Caraya, que recentemente recebeu 14 macacos-pregos resgatados de um laboratório de experiências médicas que faliu.

Alejandra nunca se esqueceu de Silvio, seu companheiro de anos no zoológico, com quem conversava no fim das tardes, quase diariamente. Quando o GAP da Espanha a conheceu e nos apresentou, imediatamente consideramos que seria a pessoa ideal para representar-nos naquele grande país, que além de história mútua, é unido conosco por largas fronteiras, através das quais nossos primatas transitam e procuram um lugar ao sol.

Alejandra está conhecendo a nossa realidade, nossa história e nossas lutas, na defesa dos Grandes Primatas aqui e no mundo. Nossos pensamentos se fundem em um só. Sabemos que os chimpanzés são quase humanos. Porém, por não conseguirem falar, são considerados por nossas leis como objetos, e são abusados, maltratados e criminalmente explorados.

Ela já sentiu como um bebê chimpanzé, como Suzi, é praticamente uma criança humana, que vai se abrindo a cada dia e ganhando sua confiança. Já se sentou frente a Guga e Emílio, e conversou com eles. Via Skype transmitiu as imagens para seus colaboradores em seu Reino de Córdoba, que, incrédulos, não acreditavam o que ela estava fazendo aqui. Já experimentou a sensação de ver Vitor furioso nos primeiros minutos e amoroso mais tarde. Viu como Jimmy está se transformando em um chimpanzé de verdade, interagindo com Samantha e suas duas filhas, Sofia e Sara, de quem algum dia será seu pai adotivo.

Também já enxergou o desafio que lhe espera na sua volta ao seu Reino, nas belezas das montanhas cordobesas, quando ela começar, como já o fez anos atrás, a denunciar as atrocidades que são praticadas contra os grandes símios em sua pátria.

O Reino de Alejandra é imenso, 360 hectares. Para ver o último grupo de Caraya soltos, é uma hora de caminhada que compensa, já que a liberdade que eles desfrutam é o que desejamos para todos os grandes símios, apesar de que sabemos que talvez isso seja uma utopia.

Alejandra Juarez é uma lutadora pelos direitos dos animais, como todos nós nesta empreitada em que estamos nos dedicando nestes últimos anos de nossa vida. Porém, ela é também uma triunfadora, já que fez o que ninguém arrisca fazer: tirar os animais do cativeiro maldito e dar-lhes liberdade. Seja bem-vinda à nossa luta!

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