EnglishEspañolPortuguês

Com quem fica nossa criança de quatro patas?

28 de março de 2012
3 min. de leitura
A-
A+

Já passei por essa situação, corriqueira mas dolorida, ene vezes. Por conta de minha sede e fome de vida plena, e por colocar o coração acima da razão, casei e descasei a perder a conta. Até aí tudo bem, nada a surpreender na vida de um poeta em tempo integral. Faria, e acabei de fazer de novo, sem pensar duas vezes.

Mulheres e musas passam. Algumas como o vento, brisas leves, outras como maremotos, tsunamis a devastar meus planos e sonhos. Todas desejadas, bem-vindas, amadas, amigas, amantes e companheiras desse navegar por um mundo hostil e consagrado ao deus mercado. Até que o navio encalha e cada um procura voltar a seu porto como der e puder, de iate, jangada, ou remando ou nadando ou andando e se lixando. De tempos em tempos, nos atracamos novamente. Porque amor não morre, apenas dorme ou fica escondido ou sonhando de olhos abertos.

O amor tem suas próprias leis, fluidas, escritas na areia da praia, das quais continuo apenas aprendiz de marinheiro.

Mas cachorros não passam. Gatos não passam. Animais de estimação nunca passam.

O que fazer com eles numa separação?

Esse é o problema. O resto é de solução bem mais fácil, embora sofrida: um vai para lá, outro vai para cá. E pronto. E ponto final ou reticências nos tribunais.

A relação entre os bípedes humanos acaba. Animais, porém, são fiéis até a morte. Instintivamente românticos por natureza. Para eles, o clichê do felizes para sempre é cláusula pétrea de seus corações felinos ou caninos, indiscutível.

É deles a superioridade de terem amor que resiste a qualquer intempérie, qualquer mudança do destino.

Agradeço sempre ter tido o privilégio de namoradas, ficantes e cônjuges, nunca criarem problemas quando o assunto era sobre quem vai ficar com o cachorro ou o gatinho.

Apenas uma ex, vingativa, para me punir, claro, descarregou sua raiva separando dois cães maravilhosos que tínhamos em comum e se adoravam.

O que ficou comigo morreu de câncer, o que ficou com ela também, pouco tempo depois. Coincidência ou aviso de tragédia anunciada? O que para nós é figura de retórica, para os peludinhos é literal: definham e morrem por abandono e falta de lar e aconchego. Tristeza e saudade nos afligem a alma. A eles, também o corpo.

Do alto, ou baixo, do que o amor e a dor me ensinam, me atrevo a aconselhar casais em vias de separação: discutam menos quem é culpado do que, quem errou de mais ou de menos, e outros quejandos que em nada contribuem para a paz futura, e se concentrem sobre o que fazer com os filhos de quatro patas e mil amorosidades e alegrias e cafunés em comum.

Nada de privar seu, ou sua, ex, de compartilhar a criança peludinha.

Entrem num acordo, como fariam se fosse o impasse sobre um filho ou filha. Filho e filha eles foram, são e serão.

Se a barra do diálogo estiver pesada, estabeleçam dias de visita, ao menos. Ou, mais bacana, deixem a porta aberta para a visita aos rabinhos balançantes.

Decidam com o coração esvaziado de raiva e frustração.

Os filhos e filhas de quatro patas amam e amarão os dois, independente de vocês não mais se amarem e se bicarem.

Animais não merecem, nunca, pagar pelos nossos erros, egoísmos e desacertos.

Ulisses Tavares pode até ser um exemplo de marido volátil. Mas nunca de um tutor ausente. Coisas de poeta.

Você viu?

Ir para o topo