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Construídos 12 ninhos para o regresso do abutre-preto ao Alentejo, em Portugal

26 de março de 2012
5 min. de leitura
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(Foto: Joana Bourgard)

No coração do Alentejo, em pleno habitat mediterrânico onde abundam a urze e o tojo, acabam de ser construídos 12 grandes ninhos de abutre-preto, a maior ave de rapina da Europa e espécie Criticamente em Perigo em Portugal.

Estas 12 estruturas, compostas por varas metálicas e um cesto na ponta, foram colocadas na Herdade da Contenda, propriedade com 5300 hectares da Câmara Municipal de Moura, encostada a Espanha ao longo de 19 quilómetros.

O último ninho foi montado a 14 de Março. Nessa manhã, Alfonso Godino, 39 anos, subiu a um pinheiro, nove metros acima do solo. “A estrutura fica com 80 a 90 quilos, mas pode chegar aos 200. Tem de ser muito resistente, porque o abutre é um animal grande e pesado (três metros de envergadura de asa e 12 quilos) e tem uma época de reprodução muito longa”, disse ao Público o coordenador da equipa técnica do Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (CEAI) e responsável pelas ações de conservação do abutre-preto.

Depois de se prender em segurança no topo do pinheiro, Alfonso ajudou os dois sapadores florestais e o técnico da Liga para a Proteção da Natureza (LPN) que ficaram lá em baixo a içar a vara metálica, deitada no solo, com a ajuda de uma corda, até que esta ficasse na vertical, encostada ao tronco da árvore. “Agora, devagar. Cuidado.” Para Alfonso, que já montou em Portugal 22 ninhos de abutre, esta é a parte mais difícil. “É crucial que o ninho fique estável.” Mas à primeira tentativa, a vara ficou demasiado curta. “Não está bem, vai ter de descer.” À segunda foi de vez. “Perfeito! Bom, fica porreiro.” Duas estacas no chão ajudaram a fixar a base e correntes metálicas prenderam a vara à árvore. Nas horas seguintes, paus e troncos foram içados através de um sistema de roldanas para forrar o cesto metálico do ninho. “Um ninho, normalmente, demora um dia a ser instalado, se estiverem a trabalhar quatro pessoas”, disse Alfonso.

O esforço faz parte do projeto Life Habitat Lince Abutre (2010-2014), para melhorar as condições de ocorrência destas duas espécies no Alentejo (Mourão, Moura e Barrancos e vale do Guadiana) e Algarve (Caldeirão).

Só três casais

Durante mais de 50 anos, o abutre-preto (Aegypius monachus) não fez ninho em Portugal. Em 2010 e 2011 regressou ao Tejo Internacional onde nidificaram três dos 7200 a 10.000 casais que a Birdlife International estima existirem no planeta.

O declínio em Portugal deveu-se à perda de habitat, incluindo locais para nidificação, ao envenenamento, colisão e electrocussão em linhas eléctricas e à diminuição de alimento disponível, especialmente coelho-bravo e cadáveres de animais. O abutre tem um papel crucial na sanidade do ecossistema mediterrânico, ao atuar como agente de limpeza natural, removendo cadáveres.

A instalação de ninhos na Contenda quer dar uma ajuda. “Os locais escolhidos são pouco perturbados, com muito declive e matos”, explicou Alfonso Godino. “A conservação do abutre e de outras espécies ameaçadas é muito compatível com atividades como a caça, a extração de cortiça, o mel, etc., desde que haja colaboração de todos. O que estamos a fazer na Contenda é um exemplo de que as espécies ameaçadas não são uma chatice nem reduzem os recursos disponíveis.”

A Contenda, onde vive apenas uma família de cinco pessoas que cuida dos rebanhos de cabras, quer ser uma experiência-piloto de como se pode compatibilizar a conservação com o desenvolvimento, disse ao Público o presidente da Câmara de Moura, José Maria Pós-de-Mina. “Não nos podemos esquecer que o concelho tem hoje 15.200 habitantes, metade do que tinha nos anos 50, nem que as pessoas ainda consideram a conservação da natureza como uma questão de proibição. Mas a Herdade da Contenda e projetos como este podem dar um contributo para a demonstração e sensibilização.”

Miguel Ramalho – da empresa municipal Herdade da Contenda, que gere o espaço – contou que ali trabalham 14 pessoas e que estas “estão preparadas para ajudar no que for preciso”. Nomeadamente, no esforço para aumentar as populações de coelho-bravo, dizimadas por doenças como a mixomatose (nos anos 50) e febre hemorrágica viral (nos anos 80). Eduardo Santos, da LPN e coordenador do projeto Life Habitat Lince Abutre, disse que estão a ser criados marouços (tocas artificiais de coelho) e a ser instalados comedouros e bebedouros, bem como pastagens de cereais e leguminosas para coelho. Especificamente para ajudar o abutre, está a ser criado um campo alimentador, vedado, com cerca de um hectare de extensão.

“A Contenda é um espaço muito especial”, contou Eduardo Santos. “É considerada, há muito, uma das melhores áreas de habitat para o lince-ibérico e para o abutre-preto. Está bem conservada e tem uma área com muito boa dimensão.” Ali “são observados regularmente, em média, 20 abutres-pretos. A zona é usada por estas aves como área de alimentação e alguns já foram vistos a pernoitar no perímetro da herdade”. Esta está localizada a 20 quilómetros de uma colónia de abutre-preto em Espanha com 100 casais.

Por esta altura, as crias de abutre-preto já estão quase a nascer, em Abril. Mas este ano os novos ninhos artificiais da Contenda ainda não serão utilizados. Eduardo Santos acredita que “na próxima época de reprodução, que começará em Dezembro e terminará em Setembro [altura em que as crias abandonam os ninhos], os animais já estejam habituados a estes ninhos e que sejam convencidos a ficar por cá”.

Fonte: Ecosfera

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