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Poluição marinha e falta de alimento impedem a repopulação de lontras-marinhas

12 de março de 2012
8 min. de leitura
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Foto: The New York Times

Em uma manhã envolta por névoa em Monterey Bay, pesquisadores da vida selvagem tentam capturar uma lontra-marinha do sul chamada Blanca — parte de um projeto de três anos para compreender porque sua espécie, caçada até chegar quase à extinção cerca de um século atrás, ainda tem problemas, apesar de décadas de iniciativas para trazê-la de volta.

Como as lontras-marinhas selvagens fogem ao sentir o cheiro da presença humana, a única maneira de pegar uma delas é esperar dormirem. Blanca leva um transmissor de rádio consigo, e os cientistas em terra a monitoram por telemetria e telescópio.

Por volta de 8h30, ela começa a mergulhar em busca de caranguejos em uma barrilha de algas na costa de Cannery Row. Na baía, em um barco, três biólogos — Tim Tinker, Brian Hatfield e Joe Tomoleoni — esperam que ela termine de comer e tire um cochilo.

E esperam. E esperam. Quando Blanca finalmente cochila, cinco horas após o rastreamento começar, Hatfield e Tomoleoni caem na água, a 245 metros de distância, com equipamento de mergulho e veículos de propulsão subaquática equipados com redes. Longos minutos se passam.

Em seguida, Tinker, observando com binóculos do barco, vê o animal despertar e mergulhar. “Ela acabou de ver vocês”, diz ele a seus companheiros pelo rádio. “O alvo sumiu. Acabou.”

Para os biólogos da vida selvagem, outra coisa que se mostra evasiva é uma explicação clara para o fracasso das lontras-marinhas em se desenvolver. Quase eliminada por comerciantes de peles, a espécie se recuperou depois da proibição internacional da caça comercial à lontra, promulgada em 1911. Mas hoje, a população de lontras da Califórnia é de apenas 2.700, vivendo em um mosaico de pequenas colônias separadas ao largo da costa, em comparação às talvez 16 mil que havia no passado. Múltiplos fatores têm protelado a recuperação da espécie. Uma opinião popular, apoiada por patologistas veterinários que estudam lontras mortas, atribui a culpa principalmente à poluição costeira — na forma de parasitas, bactérias, toxinas e produtos químicos.

Mas Tinker e outros biólogos dizem que pelo menos nas áreas onde a população de lontras-marinhas é mais elevada, na costa de Monterey e Big Sur, nas proximidades, o problema subjacente é simplesmente que as lontras-marinhas estão ficando sem comida.

Embora elas não estejam morrendo de fome, estão esgotando a sua presa favorita, os ouriços do mar e abalones, e têm que passar mais tempo caçando. A má nutrição está comprometendo a sua aptidão para sobreviver a doenças ou outras ameaças, disse Tinker, que dirige o programa de pesquisa de lontras da Agência Geológica dos EUA. “Elas não têm comida suficiente para sobreviver.” Os relatórios da equipe de Tinker também sugerem que as lontras são particularmente vulneráveis aos tubarões.

Aproximando os dois campos científicos, Tinker está trabalhando em estreita colaboração com peritos veterinários e biólogos do Departamento de Caça e Pesca da Califórnia, o Aquário de Monterey Bay, a Universidade da Califórnia e outros lugares. Os detetives selvagens têm acompanhado alimentação, comportamento, doenças, nascimentos e mortes entre 90 lontras-marinhas marcadas com transmissores de rádio que vivem na costa de Monterey ou da intocada Big Sur. Os sítios diferem principalmente no sentido de que Monterey Bay recebe um escoamento mais poluído.

No outono passado, a equipe estava recapturando as lontras para recolher mais amostras de sangue, arrancar bigodes e recuperar um pequeno instrumento em forma de caneta implantado em cada um (todos com anestesia). O instrumento registrou uma série de dados sobre a temperatura do corpo e o tempo e a profundidade de cada mergulho que a lontra tinha feito no ano passado.

Por telescópio, os cientistas observaram o que as lontras comeram durante mais de 20 mil mergulhos para forrageio. Mais informações estão chegando graças a um novo teste que analisa a composição química do bigode das lontras (baseado no princípio do “você é o que você come”, disse Seth D. Newsome, colaborador da pesquisa ligado à Universidade de Wyoming).

Além disso, uma nova técnica genética detecta se os poluentes e agentes patogênicos estão prejudicando a saúde imunológica das lontras, mesmo antes de elas ficarem doentes. O novo teste de sangue mostra a atividade de 14 genes fundamentais, disse Lizabeth Bowen, geneticista da Agência Geológica que desenvolveu o teste com Jeffrey Stott, da Universidade da Califórnia, em Davis.

As assinaturas genéticas podem revelar se um animal está vivenciando um estresse fisiológico sutil, inflamação ou infecção por bactérias ou parasitas, disse Bowen — ou reagindo à exposição a poluentes como os Policloretos Bifenilos/PCBs. O teste ainda não consegue dizer com precisão que substância contaminante pode estar estressando as lontras.

O estudo em Big Sur e Monterey é parte de uma iniciativa maior, envolvendo vários agentes, chamada projeto Pacific Nearshore, que está comparando nove populações distintas de lontras-marinhas e a saúde dos seus habitats costeiros no Pacífico norte.

O projeto mais amplo está investigando por que algumas colônias do sudeste do Alasca, Colúmbia Britânica e Washington que estavam crescendo rapidamente há duas décadas — em 20 por cento ao ano — viram seu índice de desenvolvimento desacelerar pela metade, disse o líder da iniciativa, James L. Bodkin do Centro de Ciências da Agência Geológica do Alasca. Os índices de crescimento das lontras da Califórnia é ainda mais medíocre: geralmente menor que 5 por cento ao ano e, recentemente, próximo ao zero.

As lontras-marinhas são extremamente vorazes: para sobreviver em águas geladas, elas devem manter o metabolismo alto e consumir 25 a 30 por cento do seu peso corporal diariamente. Os cientistas veterinários, que tendem a preferir a explicação da poluição costeira, observam que as lontras se alimentam de muitos tipos de crustáceos e invertebrados que costumam acumular substâncias contaminantes.

Como resultado, os animais “estão sendo atingidos por muitas coisas”, disse Melissa A. Miller, patologista veterinária na Departamento de Caça e Pesca da Califórnia, que faz autópsias de lontras encalhadas. “Por vezes, imagino as lontras sentadas lá, na beira do mar, com a boca aberta”.

Em 2010, Miller e seus colaboradores relataram evidências de que a microcistina, toxina de uma microalga verde azulada que vive apenas em lagos e córregos de água doce, havia matado pelo menos 21 lontras-marinhas. Outra toxina, o ácido domoico, também é letal para os animais. Esses venenos são gerados pelo crescimento de algas nocivas que podem ser alimentadas por fertilizantes do escoamento agrícola.

O Dr. David Jessup, veterinário aposentado da agência de animais selvagens do estado, diz que outros dos assassinos principais das lontras incluem parasitas causadores de doenças transmitidas pelas fezes de gatos e gambás, infecções transmitidas por bactérias presentes nas fezes humanas ou animais, e poluentes industriais, que podem afetar sutilmente as defesas da imunidade da lontra. Todos esses fatores “têm alguma conexão com atividades humanas”, disse ele.

Mas para os ecologistas, as provas que estão surgindo sugerem fortemente que os índices elevados de doenças infecciosas são principalmente o sintoma de um problema maior — a insuficiência de recursos alimentares e a desnutrição.

“Quando os animais chegam a um ponto de estresse nutricional extremo”, explicou Tinker, “eles sucumbem ao estressor em particular que encontrarem primeiro” — seja um parasita ou uma toxina, o impacto de um barco ou o ataque de um tubarão, do qual uma lontra bem alimentada poderia, de outra forma, se defender ou fugir.

Mesmo sem os patógenos nocivos da terra, “eu acho que elas morreriam de outra coisa”, disse James Estes, ecologista marinho da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.

Embora esses ecologistas não minimizem a importância da limpeza da poluição costeira, eles duvidam que isso pudesse levar a uma recuperação relevante da população de lontras-marinhas da costa de Big Sur e Monterey.

Tinker diz que essas áreas provavelmente não são capazes de sustentar mais lontras, dada a disponibilidade de ouriços do mar, abalones e outros mariscos.

“O índice de aquisição de alimentos diminuiu a tal ponto que elas estão gastando praticamente o máximo de tempo possível se alimentando”, disse — 40 a 50 por cento de cada um dos dias. Elas estão esqueléticas se comparadas às “lontras grandes, redondas e felizes” da ilha San Nicolas, no sul da Califórnia, onde há abundância de presas e a lontras fazem forrageio apenas 25 por cento do tempo.

Os resultados desse estudo comparativo atual, previstos para a primavera, podem ajudar a solucionar alguns dos debates, respondendo se as lontras se dão melhor nas águas mais limpas de Big Sur.

Testes genéticos preliminares indicam maior estresse, inflamação e exposição a agentes patogênicos e poluentes no grupo de Monterey, Tinker disse. Mas os dados acerca da sobrevivência não foram analisados.

Por enquanto, os parceiros de pesquisa concordaram em discordar. Não há uma resposta única que possa explicar o mistério das lontras-marinhas da Califórnia. Por exemplo, há abundância de alimento em outras regiões habitadas por lontras, então por que os animais não estão se multiplicando rapidamente lá e seguindo para territórios desocupados?

Ninguém sabe. O motivo pode ser um alto índice de ataques de tubarão em alguns lugares ou um patógeno terrestre em outros, afirmou Tinker. E, como essas colônias de baixa densidade de lontras ainda têm muito potencial de crescimento, disse ele, combater a poluição talvez ainda seja a melhor resposta para a situação das lontras-marinhas a longo prazo”.

Fonte: Último Segundo

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