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Mecânico convive com mais de 20 cães abandonados em sua oficina em SP

2 de janeiro de 2012
7 min. de leitura
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Viviane Shinzato (em colaboração para ANDA)

Maloqueira, Pé de galinha, Pé de porco, Madonna e por aí vai…a lista não para por aqui. São mais de 20 cachorros com os mais estranhos nomes.
O tutor de toda bicharada, o mecânico Carlos Alberto David, 47, explica que os apelidos têm fundamento. A Maloqueira assim foi chamada por sua mania de escapar em busca de saco de lixo na rua. O nome Madonna não é – como muitos imaginam – exatamente uma homenagem à cantora, e sim pelo movimento engraçado das patas que a cachorra exibe em cima dos carros da oficina de Carlos, como se estivesse dançando.
Entre broncas, abraços e carinhos, o mecânico cuida dos 25 cachorros – 20 adultos e 5 filhotes – que atualmente vivem em seu ambiente de trabalho, uma oficina no bairro Parque Ipê, na Zona Oeste de São Paulo. Carlos cuida de todos da maneira como pode, muitas vezes fazendo até o que não pode. Para sustentar os animais, todos de porte médio-grande, mensalmente retira cerca de 70% de sua renda na oficina para sacos de rações e eventuais medicamentos veterinários. Toda semana, relata, os cachorros comem 6 sacos de 15kg, o que resulta em um gasto mensal de R$600,00.
Dois ambientes construídos com cimento e uma parte a céu aberto cercada com alambrado. No total, são três espaços no mesmo terreno destinados a abrigar e separar os cachorros mais antigos dos mais novos.
Ao longo de 5 a 6 anos de existência, cimento, concreto, alambrado, pedreiro fizeram parte da construção da oficina que aos poucos ganha formas de um canil. As cifras na vida de Carlos são altas, mas infelizmente não representam lucro. Mais da metade da renda que recebe está comprometida em gastos com animais. Em serviços de construções, inclusive de repartições dos cães, já se foram R$26.000,00; na compra de rações e medicamentos, uma impressionante dívida de seis mil reais, quitada aos poucos. Revoltado, o dono da oficina explica não ter mais condições de investir e tampouco abrigar novos cães. “Já tive que aumentar o muro da oficina para não jogarem mais crias aqui para dentro. Ninguém me ajuda, ninguém quer cachorro, pago tudo com dinheiro do meu bolso. Vendi meu palio 2002 para pagar o banco”.
Rotina
Às 7h30 da manhã Carlos entra na oficina e segue até as 9h30. Limpa a sujeira, troca a água, repõe a comida, lava o terreno e, depois disso está pronto para iniciar o serviço de mecânico que por vezes se torna impossível não misturar com o ambiente dos cachorros. Por volta das 18h dá uma pausa no trabalho e volta aos cuidados animais. “Limpo, dou comida, vejo quem tá com carrapato, cuido das orelhas, dou remédio, porque um deles tem ataque epilético e toma gardenal e então começa tudo de novo. É correria”.
O trabalho de mecânico encerra entre 18h e 19h, horário em que Carlos volta para o apartamento em que mora, há poucos kms da oficina, toma um banho, janta, dá uma “desmaiada no sofá” e volta para o trabalho, agora, para se dedicar aos animais. “Saio daqui todo dia meia noite, uma da manhã”.
Na véspera de Natal, Carlos, como de costume, organizou todos os detalhes, conferiu água, acomodação, limpeza deu até ração especial como presente para todos. Depois de todo ritual estava livre para voltar à ceia na companhia da esposa. Dez horas, onze horas, meia noite e… junto aos fogos de comemoração, um recado para o dono da oficina: os cachorros estão brigando. Lá se vai o sossego e o pai dos animais corre para oficina ver o que está acontecendo: “Quase de madrugada e eu aqui separando briga, até levei mordida”, lembra.
Problemas
Tanto zelo e carinho por animais por vezes prejudicam, é claro, a vida pessoal e até mesmo profissional. Atenção à esposa ele mesmo assume já não ter condições de oferecer e, em tom de brincadeira, revela: “Já viramos irmãos”. Clientes menos habituados aos cães desaparecem, talvez por não gostarem de cachorros por perto ou, como já ocorreu, por receio de algum risco no carro – mesmo que seja polido sem custos. “Alguns clientes tem nojo de cachorro, já perdi bastante gente que não volta mais”.
Se comparada há alguns anos, a oficina está com poucos habitantes da família canina. Carlos já abrigou cerca de 40 cachorros de uma só vez e conta mais de 50 entre os que por ali já passaram. “Já fiquei com 38 aqui, cuidando de todos. Houve um tempo em que todos ficaram doentes e eu quase fiquei louco, cheguei a morar aqui. Fiquei uns 30 dias morando aqui direto. Comprei uns 800 comprimidos de amoxilina. Você não imagina o quanto já gastei aqui. Gastei aqui um carro Sport zero, só com cachorro”
Além dos gastos, do trabalho que tem para cuidar de tudo e entre outras questões ligadas aos animais, Carlos ainda precisa conciliar a relação com os vizinhos da oficina e moradores do bairro. Do prédio residencial na rua ao lado da oficina, a vista que se tem é dos 15 cães adultos que repartem o espaço ao ar livre, com direito a eventuais brigas e muitos latidos. Incomodados com o barulho, os moradores passaram a reclamar, denunciar e até mesmo ameaçar o tutor dos animais. Carlos, que prefere não criar caso, conversa humildemente com os moradores e diz estar em busca de soluções para este problema. “Não pego mais cachorro, mas também não tem o que fazer, não vou largar na rua. Mesmo assim já cheguei a ser ameaçado, já teve cara que falou que ia passar com o carro por cima de mim.”
O amor pelos animais é visível no olhar de Carlos que abraça, beija, cheira e acaricia. Para ele, a relação que tem com os animais é algo inexplicável, tanto que não mede esforços para cuidar e defendê-los “Já fiquei sem almoçar para dar comida para os cachorros”. Em outra situação, Carlos arriscou a própria vida ao discutir com um ciclista que, irritado por ter sido derrubado por um dos cachorros, voltou armado para tirar satisfação com o tutor dos animais. “Eu já tive que me meter em briga ai na porta, já tive que bater no cara porque o cara deu um chute na cachorra que tinha derrubado ele da bicicleta. Quando fui conversar, o cara já veio para cima e eu também fui com um pedaço de ferro. Então ele foi até a casa dele buscar o revólver e voltou aqui. A gente discutiu, mas ficou para lá”.
Sonhos
Carlos Alberto lembra que tudo começou quando resolveu adotar uma cadela já esperando cria que fora abandona na praça em frente a oficina. Os filhotes nasceram, mais animais foram recolhidos, outros foram abandonados na porta da oficina e desde então não parou mais. O mecânico se sente incapaz de resolver tudo sozinho, já fez dívidas no banco, no pet shop, perdeu clientes, conquistou inimigos, se ausentou da família, não fica mais em casa, gastou o que tinha e o que não tinha, e ultimamente, pensando em uma solução, gostaria de construir mais repartições no terreno para a oficina não se misturar com o canil. Infelizmente não será possível. Com ar de tristeza, Carlos lamenta a notícia de que o aluguel do espaço não mais será renovado para 2012. E enquanto o pior não acontece, sonha mudar-se com os animais para um sítio próximo de São Paulo, onde possam viver tranquilamente, sem problemas de espaço, ameaças e brigas com vizinhos. “Minha vida é uma loucura, não estou aguentando mais. É complicado. Ou eu arrumo um lugar grande, um sítio perto da cidade ou não sei o que fazer”.
Enquanto as novidades não aparecem, Carlos pede ajuda com o que puderem oferecer. “Ração é o principal, o resto eu vou me virando. Se vier medicamento, remédio para dar banho, ajuda claro”.
Serviço:
Local: DM Motors – funilaria, pintura e mecânica.
End: Rua Inácio Cervantes, 1037, Parque Ipê – Butantã/SP
Fone: (11) 3782 0722
E-mail: [email protected]

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